‘Chuva de Prata’ da Siderúrgica Ternium Brasil Prejudica Saúde, Economia e Meio Ambiente em Santa Cruz

Com o objetivo de denunciar a empresa em fóruns e instituições de países europeus, moradores de áreas utilizadas como zonas de sacrifício pela Ternium no Brasil, México e Libéria tiveram agendas na Holanda, França e Luxemburgo. Manifestantes seguram faixa onde se lê 'Nós não somos sua zona de sacrifício'. Foto: Aline Marins
Com o objetivo de denunciar a empresa em fóruns e instituições de países europeus, moradores de áreas utilizadas como zonas de sacrifício pela Ternium no Brasil, México e Libéria tiveram agendas na Holanda, França e Luxemburgo. Manifestantes seguram faixa onde se lê ‘Nós não somos sua zona de sacrifício’. Foto: Aline Marins

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Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros

Esta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre justiça ambiental nas favelas fluminenses.

Era outubro de 2012, e as ruas de São Fernando, localidade em Santa Cruz, bairro no final da AP 5, Zona Oeste do Rio de Janeiro, amanheceram completamente prateadas. Uma “chuva de prata” formada pela espessa fuligem de uma siderúrgica da região cobriu as ruas, casas e carros dos moradores. A poluição era tóxica e os danos à saúde dos moradores eram responsabilidade da então Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), agora Ternium Brasil, propriedade de um grupo Ítalo-Argentino.

A siderúrgica foi instalada em Santa Cruz em 2010, em evento que contou com a presença do prefeito, do governador e do presidente da República. Na época, esse fato foi comemorado por políticos e empresários pois, segundo eles, seria mais uma fonte de receita para o Estado, além de gerar emprego para a população da extrema Zona Oeste e Baixada Fluminense.

O Prefeito Eduardo Paes, o ex-Governador Sérgio Cabral e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva participam da inauguração da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico - TKCSA, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio em 2010. Foto: Beth Santos
O Prefeito Eduardo Paes, o ex-Governador Sérgio Cabral e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva participam da inauguração da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio em 2010. Foto: Beth Santos

“A instalação da CSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico) no Rio de Janeiro é um acontecimento que vai impactar a cidade inteira. Como prefeito, agradeço pela decisão de se instalarem aqui, por acreditarem no Rio de Janeiro. Sem falar que a Zona Oeste precisa deste tipo de investimento, que vai mudar a cara de toda essa região.” — Eduardo Paes, no evento de inauguração da siderúrgica em 2010

O outro lado dessa história começa com os pescadores da região se organizando contra a siderúrgica com medo de que ela atrapalhasse a pesca local, o que, de fato, acabou acontecendo.

Em meio a isso, é trazida pela Fiocruz, Instituto PACS e Instituto Justiça nos Trilhos a ideia de fazer uma vigilância popular em saúde. A partir dessa vigilância, surge o Coletivo Martha Trindade, nomeado em homenagem a moradora da região que foi a primeira a denunciar as atividades da siderúrgica. Um coletivo composto, em sua maioria, por jovens moradores do local. 

“Os moradores aceitaram a proposta da vigilância popular em saúde, mas eles queriam que fosse feito por pessoas mais novas e aí as mais novas que tinham no grupo era eu minha irmã, uma amiga minha e o Flavio. E aí a gente criou um grupo de vigilância popular em saúde e a partir do grupo de vigilância a gente criou o Coletivo Martha Trindade, que leva esse nome em homenagem à Dona Marta, que foi a primeira moradora aqui de Santa Cruz a denunciar a empresa pelos problemas de saúde que ela causa.” — Aline Marins, fundadora do Coletivo Martha Trindade 

Racismo Ambiental no Distrito Industrial de Santa Cruz

Chuva de prata em Santa Cruz. Foto: Instituto PACS
Chuva de prata em Santa Cruz. Foto: Instituto PACS

Além da “chuva de prata” uma série de enchentes passou a ser uma realidade mais constante após a instalação da siderúrgica na região. Em 2010, uma grande enchente durou uma semana. Segundo moradores e relatórios do Instituto PACS, a dificuldade do escoamento da água aumentou após a instalação da companhia. 

A companhia recebeu diversas multas por crimes ambientais, algumas milionárias e outras que chegam a ser risíveis, como quando a prefeitura do Rio aplicou uma multa de R$570,65 por dia, em 2013, para uma empresa com um lucro anual que passa de R$1 bilhão. 

“É muito mais caro investir em filtros que sejam capazes de reduzir as emissões dos poluentes, é muito mais caro fazer isso do que pagar uma multa. A multa sai mais barato. Então, preferem continuar poluindo, prejudicando as pessoas e só pagar uma multinha… Teve a chuva de prata, eles pagaram milhões de multa e não sei o quê. Eles têm dinheiro para isso, é uma empresa que tem planta no México, na Libéria, na África do Sul, então, é uma empresa que não é bobinha, entendeu? Então, é mais difícil por ser uma força entre poderes desiguais. A gente tá nessas ações há 12 anos e não tem nenhuma resolução. Já teve tentativa de acordo, mas a empresa não quer fazer acordo porque ela sabe que ela vai ganhar. Ela só tá ganhando todos esses anos.” Jamilly do Carmo, membro do Coletivo Martha Trindade 

Jamilly do Carmo, membro do Coletivo Martha Trindade. Foto: Lucas Novello
Jamilly do Carmo, membro do Coletivo Martha Trindade. Foto: Lucas Novello

O que acontece em Santa Cruz é internacionalmente reconhecido como zona de sacrifício, que é quando governos ou empresas instalam atividades nocivas ou poluidoras em regiões de baixa renda, socialmente vulneráveis, como as favelas e periferias urbanas do Sul Global. Em nome de um suposto progresso, estas empresas perpetram uma série de crimes ambientais, que causam danos irreversíveis ao meio ambiente e à população. Crimes que já não são mais aceitos em seus locais de origem, como por exemplo na Europa ou nos EUA. Portanto, exportam seu modelo de produção e exploração criminosa, sob justificativas econômicas. No entanto, tais danos ambientais e humanos vêm desacompanhados do desenvolvimento econômico e social prometido. Tais crimes têm como única consequência aumentar as margens de lucro dessas empresas transnacionais, e a desigualdade gerada pelo inerente racismo ambiental.

“Zona de sacrifício é quando essas empresas vêm para locais onde a maioria das pessoas são pobres e negras, como em Santa Cruz, se instalam e fazem o que querem: degradam o meio ambiente, acabam com a saúde das pessoas… isso normalmente é feito em locais do Sul Global… não acontece só no Brasil, acontece em várias outras partes do mundo.”  — Aline Marins, fundadora do Coletivo Martha Trindade 

Em abril e maio de 2024, Aline e outros ativistas foram convidados a construir uma série de atividades da Coalizão Aço Justo, uma rede internacional de pessoas atingidas pela Ternium. Com o objetivo de denunciar a empresa em fóruns e instituições de países europeus, moradores de áreas utilizadas como zonas de sacrifício pela Ternium no Brasil, México e Libéria tiveram agendas na Holanda, França e Luxemburgo. Aline e outros atingidos pela siderurgia predatória fizeram incidência política internacional, inclusive, nos parlamentos destes países, como no de Luxemburgo.

Hoje, não acontecem grandes chuvas de prata como as que aconteceram nos primeiros anos de operação da empresa em Santa Cruz, mas ainda há emissão de material tóxico visível, a ponto de ainda sujar a casa das pessoas e penetrar os seus pulmões.

Os Pescadores

A região do conjunto São Fernando é cercada por águas do Rio Guandu e da Baía de Sepetiba, historicamente, uma região com tradição de agricultura e pesca. Desde o início das obras da siderúrgica, houve o afastamento dos peixes, seja pela poluição, pelos rejeitos tóxicos despejados nas águas ou pela movimentação constante de embarcações industriais nos corpos d’água da região.

Segundo pescadores e moradores, a atividade pesqueira ficou comprometida após o início das obras, em 2004, o que só se intensificou mais após sua inauguração em 2010.

A Ternium Brasil está localizada ao lado da Baía de Sepetiba e do canal onde os moradores pescavam abundantemente até os anos 2000. Hoje, são impedidos de trabalhar no Canal e em partes da Baía. Foto: Picture-Alliance/dpa
A Ternium Brasil está localizada ao lado da Baía de Sepetiba e do canal onde os moradores pescavam abundantemente até os anos 2000. Hoje, são impedidos de trabalhar no Canal e em partes da Baía. Foto: Picture-Alliance/dpa

Jaci do Nascimento, mais conhecido como Seu Jaci, 70 anos, é um destes pescadores. Ele vive em Santa Cruz há 40 anos. Nascido na Ilha do Governador, teve a pesca como uma atividade herdada da família. Ao longo da vida, entre outras coisas, foi motorista de ônibus e conta que, quando chegou a Santa Cruz, voltou a ter a pesca como um modo de vida e de sustento de sua família. Hoje, ele é um dos que se mobiliza contra a Ternium e seus crimes ambientais. 

“Primeiro, ela desempregou 7.608 pescadores. A gente tinha uma fartura de peixe aqui imensa. Com duas horas, enchia de tarrafa, enchia três caixas de peixe em duas horas no rio. Não precisava ir pro mar… E aí, ela fez uma esteira longa no berçário do camarão, aqui na Baía de Sepetiba, que é onde os peixes não encostam mais… quando encostam, se você é pescador, você joga a tarrafa! Daqui a pouco, é a Capitania dos Portos que tá lá para te tirar do lugar, porque a empresa aciona a Capitania… Veio só para prejudicar os pescadores!” — Jaci do Nascimento

Jaci do Nascimento, pescador, conta como sua vida e de seus companheiros mudou nos últimos 20 anos, desde o início da construção da siderúrgica em Santa Cruz. Foto: Lucas Novello
Jaci do Nascimento, pescador, conta como sua vida e de seus companheiros mudou nos últimos 20 anos, desde o início da construção da siderúrgica em Santa Cruz. Foto: Lucas Novello

O Que Dizem as Autoridades?

Apesar dos crimes em série, a empresa continua atuando, prejudicando a saúde dos moradores e destruindo o meio ambiente local, às margens da Baía de Sepetiba. Mesmo com constantes denúncias, nada de concreto foi feito pelas autoridades. Uma das poucas vezes em que o poder público escolheu agir foi em 2012, quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), chegou a pedir a suspensão da licença ambiental da Ternium. Os promotores Êvanes Soares Junior e Vinícius Lameira afirmaram que houveram falhas e irregularidades no processo de licenciamento, inclusive no estudo de impacto ambiental. Na época, Lameira também manifestou preocupação com a grande quantidade de benzeno no ar, um produto químico cancerígeno. Outro ponto de atenção levantado pelos promotores, foi quanto aos danos ao meio ambiente em uma área de proteção permanente, colocando em risco a fauna e a flora local. Mas, conforme protestam os moradores, a empresa continua lucrando enquanto a população continua sofrendo.

Sobre o autor: Vinícius Ribeiro é nascido e criado na Zona Oeste, entre a Estrada da Posse, em Santíssimo, e o Barata, em Realengo. Hoje mora na Mangueira. Jornalista, cineasta e fotógrafo, é membro do Coletivo Fotoguerrilha. Assina direção e roteiro dos curtas SobreviverDame CandoleSob o Mesmo Teto e Entregadores. Atualmente, está em um projeto sobre uberização e precarização do trabalho.

Sobre o autor: Lucas Novello é graduado em jornalismo pela Universidade Estácio de Sá, fotógrafo e filmmaker. Criado no Morro da Babilônia, é membro do Coletivo Fotoguerrilha, onde atua com comunicação popular e fotojornalismo, cobrindo manifestações, ocupações culturais, movimentos sociais e lutas por moradia. Em 2022, foi diretor de fotografia e editor do documentário curta-metragem “ON: Uberização – O Que Você Não Vê”, com direção de Vinícius Ribeiro. Além disso, atua como filmmaker freelancer em diversos segmentos do mercado audiovisual.


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