Audiência Pública Discute Condições Legais da TKCSA em Santa Cruz

Moradora de Santa Cruz. Credit: Kati Tortorelli

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A CSA (Companhia Siderúrgica do Atlânticoé um empreendimento de uma joint venture entre a Vale do Rio Doce e o grupo alemão Thyssenkrupp, que ocupa uma área de 80km² em Santa Cruz às margens da Baía de Sepetiba. Ela constitui hoje a maior siderúrgica da América Latina e um dos maiores empreendimentos privados no Brasil na última década, porém enfrenta um longo e polêmico processo de licenciamento ambiental.

A TKCSA está localizada na Baía de Sepetiba, região que historicamente tinha como vocações a agricultura, a pesca e o turismo e, até recentemente, abrigava manguezais, comunidades remanescentes de quilombos e indígenas e cerca de 8 mil pescadores artesanais. Entretanto, essa realidade foi totalmente desconsiderada nos planos de “desenvolvimento local” e, a partir da década de 1970, foi estimulada a implantação de indústrias pesadas, como a Ingá Mercantil, a Companhia Siderúrgica de Itaguaí e, agora, a TKCSA. Mesmo antes de entrar em funcionamento, durante o processo de instalação, o complexo siderúrgico da CSA, que inclui também a construção de um porto na Baía de Sepetiba, acarretou inúmeros impactos socioambientais negativos. Por exemplo, a ameaça ao potencial turístico e à atividade pesqueira da região com a destruição de parte do mangue nativo local e com a criação de uma área de exclusão de pesca, proibindo a movimentação de embarcações num raio de 500 metros do porto da TKCSA.

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A metalurgia é considerada por lei como uma atividade com alto potencial poluidor. Em seu processo produtivo, são produzidos resíduos sólidos, líquidos e uma série de poluentes atmosféricos. Os efluentes líquidos são resultantes do sistema de resfriamento e tratamento dos gases subprodutos da fabricação do coque e apresentam níveis elevados de amônia e benzeno, entre outros. O tratamento desse material requer a construção de estacões de tratamento, reservando grande cautela para o destino do lodo dessas estações, que possuem grandes concentrações de metais pesados. A exposição a alguns dos mais perigosos desses resíduos aumenta o risco de desenvolvimento de câncer no sistema respiratório, problemas cardíacos e complicações nos sistemas imunológico e nervoso central a médio e longo prazo.

O período desde a apresentação do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) em 2005 até o início do funcionamento de seu primeiro alto-forno, em 2010, foi marcado por muita polêmica e protestos contra a implementação do projeto. A companhia recebeu multas milionárias em menos de 6 meses por poluir o ar no entorno da usina. Segundo a CSA, um defeito em uma das máquinas teria obrigado a empresa a descartar ferro gusa em uma área descoberta, inapropriada para tal. As partículas foram espalhadas pelo vento ao redor da usina, atingindo aproximadamente 6 mil casas. Tal episódio ficou conhecido como ‘chuva de prata’. Além das multas, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) estabeleceu a necessidade da instalação de duas estações adicionais de monitoramento de qualidade do ar.

chuva-de-prataApós o acidente da ‘chuva de prata’, a empresa, seu diretor de projetos e seu gerente ambiental foram denunciados numa ação penal pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro por crimes ambientais, incluindo causar poluição que possa resultar em prejuízos à saúde e apresentar estudo ambiental enganoso.

Desde 2012 a TKCSA, que ainda não teve sua licença de operação emitida, vem funcionando sob o embasamento legal de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) elaborado pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA), mas sem o reconhecimento dos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Em abril de 2016, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA) e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ) expediram uma Recomendação para que a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) e o INEA não concedam Licença de Operação à usina siderúrgica da Thyssenkrupp, a não ser por meio regular de processo de licenciamento ambiental.

O TAC não substitui a licença de operação, ele apenas define ajustes que a empresa deve realizar para operar, sem levar em conta os impactos, alternativas e compensações. Apesar de não ter cumprido todas as 134 cláusulas estabelecidas, o termo foi renovado por duas vezes através de aditivos. É evidente que a pressão de interesses políticos e econômicos, especialmente por trás de grandes empreendimentos, têm ainda forte influência sobre o decorrer de processos de licenciamento ambiental. O atual aditivo ao TAC 02-2012 referente à TKCSA expira em abril de 2016.

No dia 5 de abril a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj realizou uma audiência pública para discutir as questões inerentes ao processo. O presidente da Comissão, Deputado Marcelo Freixo, moderou a audiência, na qual representantes de ambas as partes, bem como de órgãos públicos, tiveram a oportunidade de falar.

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A audiência foi aberta por Karina Kato, Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade e integrante do PACS (Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul), que conduz o movimento “Pare TKCSA. Karina abriu sua fala questionando: “como uma empresa com duas ações penais pedindo a condenação de executivos da empresa, com 238 ações na Defensoria Pública, como essa empresa consegue operar há seis anos, desde  2010 sem licença de operação?” Karina argumentou que “o TAC não é uma licença de operação”, e continuou, “ele é um instrumento para que a empresa possa se adequar e operar de acordo com a legislação ambiental”. “O que vem acontecendo é uma flexibilização do licenciamento ambiental”. Apesar disso, “desde 2011 a CSA vem operando a 80% de seu potencial total de produção”. Ela lembrou que o TAC foi elaborado sem a realização de uma audiência pública e salientou que nenhuma análise química das emissões gasosas da usina foi divulgada.

A seguir, Jaci Nascimento, pescador local, falou em nome dos pescadores da região. “Não há mais peixes para podermos pescar e sobreviver. Além disso, tem agora essa barragem que está nos impedindo de atravessar com nossas pequenas embarcações. Não tem como nós atravessarmos do porto da TKCSA para fora, onde os peixes ficam. Por conta da poluição na saída do Rio São Francisco, os peixes não se aproximam mais de onde costumávamos pescar. Nós somos pescadores, dependemos do peixe para ganharmos nosso sustento e de nossas famílias”.

A próxima a falar foi uma moradora de Santa Cruz, Margarete dos Santos. “Infelizmente, desde 2010, quando a CSA foi inaugurada, e ainda mais quando caiu o pozinho de prata que invadiu nossas casas, os problemas de saúde aumentaram entre as pessoas onde eu moro. A saúde está complicada e nosso meio ambiente está pior, nossas árvores estão morrendo”. E relatou ainda: “Na minha família também tem pessoas que trabalharam na CSA, que também ficaram com pneumonia, tuberculose, e hipertensão. Perguntem aos agentes nos postos de saúde como está a situação”. Ela reforçou que o TAC não pode ser “renovado nessas condições, sem que sejam revistas as cláusulas que até hoje não foram revistas… A CSA paga multas ao INEA que não tem valor nenhum para a nossa comunidade. Os postos de saúde não têm médicos especialistas. Para fazer um exame tem que aguardar dois anos. Para uma consulta com um médico (na Clínica da Família), tem que esperar meses”.

A seguir teve a fala de uma funcionária e também moradora da região. Moradora de Santa Cruz há vinte anos, da região no entorno da usina, ela ressaltou que “não podemos ignorar os benefícios trazidos pela empresa à região”. No entanto, ela também  mencionou a chuva de prata: “Toda vez que chove, na minha casa, o meu quintal fica negro, coberto de pó negro. O trem passa a menos de 100 metros da minha casa. Isso, a princípio, não me trouxe nenhuma doença”. Ela adicionou que “não é só a CSA que existe em volta, têm outras industrias também”. E ainda que a “falta de médicos especialistas não é só um problema de Santa Cruz, é um problema do país”. Ela conta, “Vim de Manaus para o Rio. Sou mãe solteira. Trabalhando na Thyssenkrupp consegui concluir minha faculdade, minha pós-graduação. Agora vou ter meu segundo filho, recebendo sempre todo o apoio da empresa… Para concluir gostaria de dizer que sim, ainda há muito a melhorar, e que não é só uma empresa que polui, são várias”.

O diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, Hermano de Castro, mencionou alguns pontos do relatório preparado e entregue ao INEA para análise. A Fiocruz acompanha e pesquisa os impactos desde a instalação da companhia e elaborou um relatório (Análise Atualizada dos Problemas Socioambientais e de Saúde Decorrentes da Instalação e Operação da Empresa TKCSA), contendo fatos como o aumento em casos de doenças cardiorrespiratórias na região no período pós-empreendimento. Além disso, reforçou a necessidade de médicos especialistas nos postos de saúde da região, e que os documentos apresentados pela Fiocruz não concordam com diversos pontos do TAC, e estes devem ser reestudados e reelaborados considerando os dados apresentados pela Fiocruz. Ele citou o estudo feito por Adriana Gioda, pesquisadora da PUC do Rio de Janeiro, relacionando um possível aumento do potencial de carcinogenicidade na região com a presença de determinados elementos detectados no ar no entorno da usina, e disse ainda que “para câncer, não existe limite de exposição, mesmo níveis pequenos podem causar a doença. O câncer não vai aparecer 2 ou 3 anos depois. O câncer aparece 10, 15, 20 anos depois”. Ele propôs também a “implementação de um programa de vigilância da situação de saúde na região para os próximos 30-40 anos. “Porque esse é o prazo para se detectar câncer”.

A fala foi concedida ao Diretor da CSA, Pedro Teixeira. Ele iniciou sua fala referindo-se ao Dr. Hermano, da Fiocruz, convidando a instituição a visitar as instalações da usina. Ele ainda mencionou que “infelizmente, no passado, o primeiro contato com a Fiocruz não foi dos melhores. Mas reconhecemos nosso erro e retiramos as ações contra a Fiocruz”. Ele ressaltou as modernas instalações da usina, que dispõe “dos mais avançados equipamentos aplicados para redução, tratamento e monitoramento dos poluentes emitidos”, e fez referência ao TAC ressaltando que o mesmo seja “um documento completo e rígido”, e ainda que a empresa vem ao longo dos anos fazendo “investimentos significativos para adequar suas operações às exigências do mesmo”. Ele afirmou que “com a conclusão do TAC, a CSA estará em condições de concluir o licenciamento ambiental e receber a licença de operação”. Ao final de sua fala, Pedro foi questionado pelo moderador da audiência, Deputado Marcelo Freixo, quanto à atual produção da usina. Pedro respondeu que “hoje nossa produção é de 80% da capacidade total”.

A audiência prosseguiu com a fala do Secretário Estadual de Meio Ambiente André Correa, representando o INEA. Ele reforçou algumas das afirmativas do diretor da usina, mencionando que o último episódio de “chuva de prata” tenha ocorrido em 2012 e que as emissões de benzeno são monitoradas pelo INEA e estão dentro dos padrões. Por outro lado, ressaltou que o ‘despoeiramento’ (instalação de filtros apropriados) do alto forno ainda não tinha sido concluído, condição fundamental para emissão da licença de operação, e ainda que a atual forma de captação de água–do Rio São Francisco–não será mais permitida. Ao final de sua fala, André comentou o fato de o INEA não estar “preparado para analisar questões do âmbito de saúde pública”, e pediu a “colaboração da Fiocruz neste aspecto”.

A coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública, Thaisa Guerreiro, defendeu que a empresa não tem condições de cumprir as determinações do TAC. Ela também se referiu ao comentário do Secretário de Meio Ambiente, dizendo que o INEA não pode dissociar meio ambiente de saúde pública, reforçando a importância desse órgão “possuir a competência para analisar aspectos de ambas as naturezas”. Ela mencionou ainda a recente “apresentação de uma ação pública para questionar a instalação de uma soleira (barragem submersa) no Canal de São Francisco, na Baía de Sepetiba”, cuja obra teria sido autorizada pelo INEA e pela Marinha do Brasil “sem a realização de um estudo de impacto sobre a atividade pesqueira na região”.

O Procurador da República, Sergio Suiama, comentou sobre o ajuizamento de ações contra diretores da CSA e representantes do INEA por discordar com diversos pontos das licenças já emitidas (licença prévia e de instalação), alem de ressaltar a não aprovação do TAC por parte do Ministério Público Federal.

Vanessa Martins, promotora de justiça da GAEMA (Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro) referiu-se a uma ação penal referente à transparência da auditoria ambiental realizada por empresa contratada pela CSA, e que embasa as decisões do INEA quanto às licenças concedidas ao TAC.

A tensão entre os representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública e o INEA ficou mais do que evidente. O Secretário Estadual de Meio Ambiente foi muito criticado tanto pelo procurador quanto pelas defensoras públicas por sua postura demasiadamente “flexível” e falta de transparência por parte do INEA.

Ainda se manifestou mais um funcionário da CSA e morador de Santa Cruz. Ele ressaltou os benefícios trazidos pelo empreendimento à região como a geração de empregos, mais segurança para o local, pavimentação de vias, construção de escolas, e postos de saúde. É importante observar que todas essas benfeitorias constituem medidas compensatórias aplicáveis a empreendimentos desse porte e natureza. A usina tem atualmente um quadro composto por 6 mil funcionários, e naturalmente todos temem por seus empregos.

Um dos moradores a falar a favor da usina, uma senhora, moradora do local há mais de 50 anos, ressaltou as melhorias trazidas pelo empreendimento, argumentou que “Santa Cruz sempre foi uma área degradada por empreendimentos industriais e abandonada pelas autoridades”, e questionou a repentina preocupação despertada para com a área desde a construção da siderúrgica CSA.

Ao concluir a audiência, a Comissão de Direitos Humanos solicitou que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente torne “públicos para consulta online todos os documentos relativos aos processos de licenciamento ambiental da TKCSA, do TAC e da construção da soleira no Canal de São Francisco”. A Comissão ainda manifestou sua “contrariedade à celebração por parte do INEA de novos termos aditivos ao TAC, bem como à concessão de qualquer autorização ou licença até todas as exigências previstas pelo termo e pela legislação ambiental sejam cumpridas”, e ainda que o cumprimento deverá ser avaliado pela Fiocruz, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal.

No mesmo dia da audiência, a Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) emitiu uma Autorização Ambiental de Funcionamento. O documento autoriza a TKCSA a continuar operando por 90 dias após a data de expiração do TAC, dia 16 de abril de 2016.