Iniciativa: Ecomuseu de Sepetiba
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Ano da Fundação: 2007
Comunidade: Sepetiba
Missão: “Pesquisar, manter, documentar, decifrar, valorizar, e disseminar testemunhos do homem e do meio, objetivando colaborar para a construção e a transmissão das memórias coletivas, e para um desenvolvimento local sustentável e integral.”
Eventos Públicos: Passeio de Reconhecimento e Ecoturístico, 1° domingo de cada mês
Como Contribuir: O Ecomuseu busca pesquisadores de todas as origens para ajudar em seu trabalho sobre a história da comunidade e ecologia. Solicitam-se doações de livros, especialmente aqueles escritos em braille, para sua biblioteca comunitária.
No início de uma manhã quente de setembro, no distante bairro de Sepetiba, Zona Oeste do Rio, um grande grupo de moradores e visitantes reuniu-se ao redor do coreto histórico à beira-mar para o Passeio de Reconhecimento mensal do Ecomuseu de Sepetiba. O Professor Luiz Bolete os recebeu dando a oportunidade para todos fazerem seus próprios instrumentos reutilizando garrafas plásticas, seguida de uma oficina de percussão. Na sequência, o grupo aumentou para acompanhar uma cerimônia de prêmios reconhecendo as contribuições mais marcantes para a comunidade. Finalmente, Emerson, um professor local de educação física, conduziu uma sessão de alongamento e aquecimento antes do início do passeio. Bianca Wild, membro fundadora do ecomuseu e professora de sociologia da Secretaria de Estado de Educação do Rio de janeiro (SEEDUC), dirigiu-se aos participantes. “Quem está aqui pela primeira vez vai conhecer uma Sepetiba diferente”, ela disse. “[O propósito do passeio] é tornar visível Sepetiba e divulgar a história desse bairro para que os moradores elevem sua autoestima, que é um elemento basilar para mobilização e para luta”.
Os eventos da manhã e o passeio histórico-ecológico demonstraram o modelo de união comunitária e o orgulho que o Ecomuseu de Sepetiba espera estimular em uma comunidade de 60.000 pessoas que enfrenta poluição, estagnação econômica, e periferização. O grupo visitou ruínas imperiais e sítios arqueológicos indígenas enquanto apreciava a vista deslumbrante da Baía de Sepetiba.
“A gente não tem uma sede. Nosso museu, nosso acervo, nosso prédio é Sepetiba inteira. É o bairro inteiro. É um museu de baixo para cima”, explicou Bianca. Como um museu territorial que reflete uma ‘nova museologia’ ou museologia ‘social’, o conceito de ecomuseu deve ser “consciente da comunidade, com o objetivo de desenvolver o território que habita, a partir da valorização da história local e do patrimônio (natural e cultural) nele existente”, de acordo com o ecomuseu da vizinha Santa Cruz. O Ecomuseu de Sepetiba é um dos muitos movimentos de museologia social que acontecem nas favelas do Rio como plataformas de resistência. Ele busca descobrir as relações entre seus moradores, a história e o meio ambiente para mobilizar por mudanças positivas.
As iniciativas que o grupo de nove voluntários do ecomuseu conduzem na sua comunidade respondem às necessidades específicas e a história da área. Bianca explica que Sepetiba tem desempenhado um papel importante na história do Brasil desde a era pré-colonial até a república moderna. O passeio mensal visita um sambaqui, um monte de metros de altura de calcário e conchas construído por povos indígenas há milhares de anos. Essas estruturas funcionavam como locais de assentamento e cemitérios para os mortos. Sepetiba é a pronúncia aportuguesada da palavra do idioma da tribo Tamoio que designava presença de vegetação nativa sapê. Após a colonização, o Rei D. João VI ordenou a construção de um porto imperial e fortes em Sepetiba, que era um destino de verão para a família real no século XIX.
Mais recentemente, nos anos 1970 e 1980, a Baía de Sepetiba atraiu muitos visitantes para suas praias exuberantes. No entanto, a construção do Porto industrial de Itaguaí, em 1982, iniciou um processo de degradação ambiental que culminou com a polêmica fábrica de processamento de aço TKCSA. Essa poluição quase destruiu as indústrias do turismo e da pesca em Sepetiba e deixou muitos moradores precisando trabalhar fora da comunidade. Bianca falou da luta do Ecomuseu para mobilizar uma população que viaja cinco horas ou mais por dia para trabalhar ou para frequentar uma universidade no Centro ou na Zona Sul. Ela falou ao RioOnWatch: “Por ser um ‘bairro dormitório de uma Zona Oeste segregada, [Sepetiba] tem ausência de poder público em vários aspectos. As pessoas muitas vezes não podem participar [de nossa programação] porque a pessoa acorda todo dia às 3:40 da manhã para ir trabalhar. Chega em casa às 11 horas da noite. Ela tem o final de semana para cuidar de sua casa, sua família”.
Uma maneira como o Ecomuseu de Sepetiba combate os efeitos desse isolamento social e a dificuldade de mobilizar os moradores é através da educação patrimonial nas escolas locais. Os estudantes são convidados para os passeios mensais e o ecomuseu fornece educação ecológica nas escolas sobre a importância dos seus ecossistemas locais de manguezais, que agem como viveiros para a vida marinha. De acordo com Silván Guedes, outro membro da equipe do Ecomuseu de Sepetiba, “as escolas estão vindo [para nossa programação] um pouco que obrigadas ainda. Mas, no meio do caminho, elas começam a se interessar mais. Começam a entender porque existe a lama [que chegou à costa por causa de uma obra destrutiva de um canal nos anos 1990], porque que existe o mangue, e porque nós fizemos parte da história do Brasil e não estamos incluídos nos livros didáticos”.
Através desses programas e da manutenção contínua de uma biblioteca comunitária, Bianca afirmou: “A gente viu a mudança dos discursos dos alunos conforme a gente já está aí há nove anos. Porque antes de começarmos o ecomuseu, tinha página no Orkut [só] como ‘Sepetiba da depressão’. Era sempre depreciando o local. Agora a gente têm ‘Sepetiba que me encanta,’ ‘Sepetiba Bairro Histórico,’ ‘EU AMO Sepetiba’. A gente acredita que isso foi um pouco graças a nossa divulgação da história local. A gente se sente muito orgulhoso, muito feliz com isso”.
Além de mobilizar a juventude local, o Ecomuseu conseguiu a colaboração de outras organizações e de pesquisadores para desenvolver sua base de conhecimento sobre a comunidade. Bianca admitiu que, quando o grupo começou o movimento do Ecomuseu, “na verdade, a gente não sabia o que estava fazendo”. Em 2007, Bianca e um pequeno grupo de moradores começaram a ir ao Arquivo Nacional para encontrar mais fontes históricas sobre Sepetiba, inspirados em um livro escrito pelo jornalista local Alcebíades Francisco Rosa. Em 2009, eles organizaram um “círculo de memória” regular com os moradores mais velhos para compartilhar histórias orais. Quando o vizinho e mais desenvolvido Ecomuseu de Santa Cruz ouviu falar disso, o círculo foi incluído em uma conferência de museologia comunitária, onde conheceram Hugues de Varine, o museólogo francês, que criou o conceito do ecomuseu. “O Hugues falou que o que nós estávamos fazendo aqui em Sepetiba era museologia comunitária. Ele deu nome ao que a gente estava fazendo. A gente iniciou o processo de reconhecimento, chamou de Movimento Ecomuseu de Sepetiba, inicialmente”, relatou Bianca.
Desde seu início, o Ecomuseu tem participado de conferências de museologia social e convidado pessoas ilustres, como Hugues de Varine e a museóloga Odalice Miranda Priosti, para desenvolver seu trabalho. Em 2015, Bianca e o arqueólogo Claudio Prado de Mello solicitaram com sucesso ao município do Rio de Janeiro para proteger a área costeira contendo as ruínas do porto imperial e um sambaqui. Dando mais visibilidade a Sepetiba, o jornalista André Luis Mansur escreveu três volumes sobre a história da Zona Oeste em sua série O Velho Oeste Carioca. Bianca falou sobre essas parcerias, “a gente está iniciando agora um núcleo de orientação e pesquisa histórica, sociológica, antropológica, biológica e ambiental. A gente precisa de pessoas que estejam dispostas a agregar, ajudar a gente a compreender a nossa região”.
O Ecomuseu de Sepetiba também funciona como um centro de ação política. Durante o passeio, Bianca e Silvan convocaram os moradores para contatá-los sobre as necessidades da comunidade através da página do Ecomuseu no Facebook. Bianca disse, “a gente quer funcionar como um canal para toda a comunidade” demandar por responsabilidade dos moradores e do governo municipal. Ela citou o uso da página no Facebook para denunciar alguém jogando lixo na praia, e como um modo de se mobilizarem para fazer com que as agências governamentais cumpram suas promessas ambientais. Ela descreveu estas ações como esforços para viver com sustentabilidade em uma comunidade que enfrenta poluição, lixo e sedimentos na sua costa. “Sustentabilidade para nós é… aprender a lidar com adversidade, transformar o negativo em positivo e trabalhar para preservação daquilo que a gente considera importante”.
Referindo-se ao potencial para implantar projetos similares em outras comunidades do Rio que enfrentam circunstâncias precárias, Bianca disse que “toda localidade merece um centro de memória e de refúgio. Os lugares dominados são geralmente esses lugares de refúgio, são os lugares mais sagrados para nós. Os lugares que a gente encontra paz, que a gente encontra raízes. As raízes são primordiais para que a gente sempre tenha para onde voltar, para que a gente sempre tenha o sentido de lutar pelo aquilo que a gente ama, pelo lugar que a gente conhece. A primeira coisa que alguém que quer realizar esse tipo de trabalho tem que fazer é conhecer o lugar que habita, conhecer de fato. Tanto as coisas ruins como as coisas boas. Você tem que compreender seu território e buscar sempre o apoio de toda a população”.
Quando lhe perguntaram sobre os seus sonhos para o futuro, Bianca disse: “Eu espero que Sepetiba volte a ter valorização e visibilidade… que a gente consiga o tombamento também dos locais. Que a gente consiga inserir Sepetiba num roteiro histórico alternativo da cidade, que a gente consiga desenvolver aqui um turismo de base comunitária para que a população que passou por esse período de estagnação econômica possa ter uma geração de renda, e não precisar se deslocar para o Centro da cidade, para Barra da Tijuca ou para a Zona Sul para trabalhar. Que esses discursos de depreciação local mudem e a gente passe a valorizar toda população. E que essa juventude, essa nova geração que está fazendo parte, que eles consigam manter esse trabalho”.
O entusiasmo dos quase sessenta moradores de Sepetiba que participaram do passeio de setembro foi um testemunho ao sucesso que o Ecomuseu de Sepetiba tem tido a este respeito. O seu lema: “Espelho onde se revê e se descobre a própria imagem”, diz como ele quer envolver os moradores de Sepetiba para se responsabilizarem pela sua comunidade. No fim do passeio, um estudante local leu uma poesia que o seu amigo tinha escrito entitulada, “Minha Sepetiba”. A primeira estrofe dizia, “Sepetiba é tão bela, mesmo com tanta pobreza / mesmo sendo isolada. Mas brilhamos com certeza”.
*O Ecomuseu de Sepetiba é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)–a organização que publica o RioOnWatch–como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook.