‘Ser Negra no Museu É Falar Com o Passado de Frente… É Reparação em Movimento’: Leia o Discurso de Sinara Rúbia, do MUHCAB, na Íntegra, no I Seminário do Programa de Museus Antirracistas

'MUSEU É LUGAR DE ACENDER MEMÓRIAS'

I Seminário do Programa de Museus Antirracistas inaugura iniciativa pela justiça étnico-racial em espaços culturais e museais do Rio, São Paulo e Bahia. Foto: Comunidades Catalisadoras (ComCat)
I Seminário do Programa de Museus Antirracistas inaugura iniciativa pela justiça étnico-racial em espaços culturais e museais do Rio, São Paulo e Bahia. Foto: Comunidades Catalisadoras (ComCat)

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Na sexta-feira, 30 de maio, o Museu do Amanhã sediou, na Região Portuária do Rio, o I Seminário do Programa de Museus Antirracistas. O seminário representou o ponto de partida do programa que, correalizado pelo Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN) e Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), tem por objetivo consolidar a agenda antirracista em espaços museais. Fundamentado na filosofia de aquilombamento, o programa capacitará 200 profissionais de museus e centros culturais do Rio, São Paulo e Bahia em práticas antirracistas.

Representando o Museu da História e da Cultura Afro-brasileira (MUHCAB), a diretora-presidente da instituição, Sinara Rúbia, compôs a mesa “Ser Preto nos Museus”, destacando os impactos simbólicos e estruturais da presença de mulheres negras em cargos museais estratégicos. Leia abaixo o discurso completo de Sinara:

A minha história não começa em mim…

A partir das informações preservadas na tradição oral da minha família, diante do apagamento das informações referentes às origens das pessoas pretas do nosso país, eu escolho afirmar que a minha história começa na minha tataravó Rufina.

Passa por Francelina, minha bisavó.

Ecoa nos passos firmes de Antônia, minha avó.

Ganha forma na coragem da minha mãe, Tânia.

Vive em mim, Sinara.

E segue, com brilho e esperança, na minha filha, Sara.

Seis gerações. Uma linhagem de força. De sabedoria transmitida no olhar, no toque, no cuidado… De histórias que sobreviveram à travessia, ao silêncio forçado, ao apagamento

Hoje estou aqui, neste espaço simbólico—o Museu do Amanhã—, para falar de um lugar que habito com coragem e consciência:

Ser uma mulher negra no museu.

"Ser negra no museu é não aceitar mais que falem sobre nós sem nós," salienta Sinara Rúbia, diretora-presidente do MUHCAB. Foto: Divulgação
“Ser negra no museu é não aceitar mais que falem sobre nós sem nós,” salientou Sinara Rúbia, diretora-presidente do MUHCAB. Foto: Divulgação

Sou diretora-presidente do MUHCAB, o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira. Mas sou, antes disso, filha da diáspora. Educadora, escritora, contadora de histórias. Vivo com inspiração Griô.

E com esse paradigma dos griôs da diáspora, que têm conhecimentos epistemológicos preservados na tradição oral, eu sei que museu não é só lugar de guardar coisas:

É lugar de acender memórias.

Durante muito tempo, museus foram espaços onde o povo negro aparecia como objeto, mas não como sujeito. Estávamos na parede, mas não no planejamento. No acervo, mas não na direção. Na foto, mas não na fala.

Hoje, nesse auditório, eu vejo algo que por muito tempo nos foi negado: Presença negra. Em peso. Em potência. Em posição de fala.

Mas não nos enganemos, eu preciso afirmar: isso ainda não é natural. Isso ainda desafia estruturas.

A minha presença num cargo de liderança cultural é uma exceção. Uma exceção que precisa urgentemente se tornar regra.

Porque ser uma mulher negra em posição de direção institucional é também enfrentar o racismo cotidiano. É ser atravessada por desconfianças que não se dizem, mas se insinuam.

É ter que provar o tempo todo que sabe. Que pode. Que merece. Que conhece.

É ter que provar que pode ser diretora tanto de um museu negro como o MUHCAB, como pode ser diretora de qualquer museu, como esse aqui, o Museu do Amanhã, por exemplo…

Ainda assim, mesmo com todos esses atravessamentos cotidianos, este é o meu lugar. E é com a cabeça erguida e os pés firmes que eu digo:

Eu estou onde devo estar.

No MUHCAB, construímos um museu que não apenas preserva Histórias, mas convoca vidas. Convoca juventudes. Convoca saberes que foram deixados de fora.

Ali, cada projeto cultural, cada oficina, cada roda de conversa, roda de samba, cada ação formativa, é mais do que atividade.

É reparação em movimento.

A mesa "Ser negro no museu", primeira do dia de evento, encheu o auditório do Museu do Amanhã no dia 30 de maio. Foto: Comunidades Catalisadoras (ComCat)
A mesa “Ser negro no museu”, primeira do dia de evento, encheu o auditório do Museu do Amanhã no 30 de maio. Foto: Comunidades Catalisadoras (ComCat)

Ser negra no museu é não aceitar mais que falem sobre nós sem nós. É ocupar a sala de curadoria, a sala de decisão, a sala de orçamento (quando tem orçamento).

Ser negra no museu é se reconhecer em outras mulheres pretas que, como eu, trilham caminhos solitários, mas não estão sozinhas. Existimos. E quando nos encontramos, a estrutura treme.

Ser negra no museu é romper o tempo.

É falar com o passado de frente. É construir um presente em que caibamos por inteira. É imaginar um futuro onde nossa existência não seja resistência, mas celebração.

Hoje, neste museu do amanhã, afirmo: O amanhã começa quando nós entramos. Com nossas memórias. Nossas histórias. Nossos nomes.

E quando entramos juntas/os, não é só o museu que muda: É o mundo.

Muito obrigada e muito axé!


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