‘A Gente Tá Fazendo no Micro Porque Tem Muita Gente Destruindo no Macro’: Teto Verde Favela Une Arte, Clima e Meio Ambiente em Tarde Cultural no Parque Arará, em Benfica

Transformar de Dentro para Fora e da Base para o Topo

Reunindo lideranças comunitárias, empreendedores e ativistas de diferentes favelas do Rio, o evento organizado pelo Teto Verde Favela ajudou a difundir conhecimentos e soluções socioambientais de base comunitária. Foto: Amanda Baroni
Reunindo lideranças comunitárias, empreendedores e ativistas de diferentes favelas do Rio, o evento organizado pelo Teto Verde Favela ajudou a difundir conhecimentos e soluções socioambientais de base comunitária. Foto: Amanda Baroni Lopes

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A cada ano, no dia 21 de junho, cada vez mais pessoas pelo mundo comemoram o Dia Mundial da Localização. Em 2020, a ONG Futuros Locais (Local Futures) organizou o primeiro Dia Mundial da Localização. Inúmeros cidadãos, iniciativas e organizações estão envolvidos na localização, mesmo que não se enxerguem desta forma. A localização, em termos simples, é concentrarmos o nosso foco perto de nós—construindo o bem-estar e a autossuficiência comunitária por meio de sistemas locais de alimentação, economia, moradia, conhecimento e muito mais. Não se trata de nacionalismo ou isolacionismo, mas sim de nos afastarmos da dependência de uma globalização hierárquica e focarmos em como podemos fortalecer o mundo, da base para o topo: fortalecendo as nossas comunidades e suas próprias formas de existência e sistemas de produção, enquanto os outros fazem o mesmo. Em homenagem ao Dia Mundial da Localização de 2025, o RioOnWatch elaborou essa matéria sobre a difusão de conhecimento e tecnologias locais baseadas na natureza na comunidade do Parque Arará, em Benfica, Zona Norte do Rio, em um evento que compôs o calendário 2025 do Dia Mundial da Localização, agenda mundialmente reconhecida e celebrada por mais de 100 países.

No dia 07 de junho, celebrando a Semana Nacional do Meio Ambiente e participando da Agenda Mundial do Dia Mundial da Localização, o projeto Teto Verde Favela promoveu uma tarde cultural no Parque Arará, em Benfica, Zona Norte do Rio de Janeiro. A Praça da Nacional (Praça Zélia Duarte Borges), localizada na entrada da comunidade, acolheu o evento. 

Cerca de 60 pessoas, além dos que circulavam pela praça, participaram do dia de atividades, incluindo ativistas ambientais e lideranças comunitárias, como Severino Franco, da Amigos do Parque Ecológico da Rocinha (APER); Neuza Nascimento, colunista da Lupa do Bem; Emerson Menezes, do coletivo Erveiros e Erveiras do Salgueiro; Claudia Queiroga, do projeto de gastronomia social Gastromotiva; Alê Castanheda, Tiririca e Daniel Real, do projeto local Quintal do Arará; Valéria Santana, pesquisadora de direito da natureza; Sergio Anversa, professor de meio ambiente da Uniabeu; Lenilza Leal, artesã e catadora de recicláveis; junto de diversos moradores do Parque Arará. Apresentações de rap, sarau de poesia, palestras e oficinas compuseram a programação.

Meio Ambiente na ‘Linguagem, Ritmo e Jeito da Favela’

Responsável pela organização do evento, o Teto Verde Favela representa uma solução de base comunitária para as ilhas de calor urbanas, fenômeno que tem se agravado com a crise climática. Para Luis Cassiano Silva, que criou o projeto em 2012, o encontro neste Dia do Meio Ambiente estimulou a prática de ações ambientais em favelas—das mais simples, como plantar, às mais complexas, como construir e instalar tetos verdes.

“Teve um dia que a gente fez uma entrevista para [um portal] da França. E aí eu resolvi inovar: trouxe meu termômetro a laser para a rua e comecei a medir o chão, os carros, as paredes e até brincar com os moradores: ‘Você tá dando quanto [a temperatura] do asfalto?’. Aí as pessoas: ’52º, 47º’. Aí, quando eles viram 67º, 69º, eles ficaram surpresos. Aí eu comecei a notar: você não vê um cachorro vira-lata na rua. E, geralmente, esse calor bate em cima dos telhados também. Hoje, a gente tá usando muito telhas de metal. Isso vai batendo nessas telhas e vai ampliando a onda de calor que fica em cima de nós. Eu sei que eu não vou resolver isso sozinho. A gente tá fazendo no micro porque tem muita gente destruindo no macro. E eu entendo que a gente tá fazendo [algo] pequeninho, mas isso é importante pra caramba. É um motivo da gente ficar feliz.” — Luis Cassiano Silva

Idealizador do projeto Teto Verde Favela, Luis Cassiano discutiu a importância de sensibilizar os moradores de favelas sobre as temáticas ambientais. Foto: Amanda Baroni 
Realizador do projeto Teto Verde Favela, Luis Cassiano discutiu a importância de sensibilizar os moradores de favelas sobre as temáticas ambientais. Foto: Amanda Baroni Lopes

O Parque Arará é uma favela situada entre os bairros de Manguinhos e Benfica. A proximidade do Parque Arará com a Avenida Brasil—via expressa que concentra maior fluxo de veículos na cidade do Rio—e com a Refinaria de Manguinhos (Refinaria Refit)—produz calor e emite gases de efeito estufa contribuindo com a ilha de calor evidente na comunidade. 

Até o momento, o Parque Arará possui apenas duas áreas verdes, a Praça Matupiri e a Praça da Nacional. Com lideranças de Cassiano, a Praça da Nacional se tornou um ponto ambiental na comunidade. Há, nesta região, cinco tetos verdes: um na casa de Cassiano, três em estabelecimentos comerciais e um no ponto de mototáxi da Praça da Nacional. Para Cassiano, o interesse de moradores em implementar a tecnologia do teto verde em seus lares tende a crescer à medida que ações estratégicas de sensibilização à temática ambiental se popularizam na comunidade. Uma destas ações estratégias, ele afirma, foi a realização do evento do dia 07 de junho.

Na casa de Cassiano, o primeiro teto verde do Parque Arará representa o pontapé de uma solução local para as ilhas de calor urbanas. Foto: Amanda Baroni
Sobre a casa de Cassiano, o primeiro teto verde do Parque Arará representa o pontapé de uma solução local para as ilhas de calor urbanas. Foto: Amanda Baroni Lopes

“A cultura serve para aproximar as pessoas pra elas começarem a pegar informações. Fica mais leve [de introduzir o tema ambiental] do que eu trazer uma porção de biólogos aqui e, de repente, ninguém entender nada e achar chato. Quando eu comecei a pesquisar sobre teto verde, consegui encontrar um jeito de falar sobre ambientalismo [de um modo] menos chato. Por isso o nome é Teto Verde Favela, porque eu trago para a linguagem, ritmo e jeito da favela.” — Luis Cassiano Silva

Conhecimento Que Não Depende do ‘Saber Acadêmico’

Uma das atividades promovidas pelo evento foi a visita guiada à horta comunitária Lilian Cecilia, construída dentro do espaço da Clínica da Família Medalhista Olímpico Maurício Silva, localizada no Parque Arará. A visita foi mediada por Sergio Anversa, professor de meio ambiente e responsável pela horta. O projeto surgiu após a clínica identificar a necessidade de complementar o tratamento de seus pacientes psiquiátricos, muitos dos quais são moradores do Parque Arará. Inaugurada em abril de 2024, a horta possui espécies como babosa, aroeira, mil-folhas, além de Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs) e milho.

“A administradora da Clínica da Família solicitou um trabalho [ambiental] para a gente e falou que muitos pacientes da psiquiatria ficavam aguardando [ter um] médico, porque não tinha. Ficavam muito ansiosos. Aí, fiz a proposta da horta para a terceira idade. Então, ela vem para cá na intenção da gente trabalhar isso, mas não qualquer horta. A gente pensou numa filosofia para ela: a gente escolheu segurança alimentar e sustentabilidade, e buscar a ancestralidade dessas pessoas [seus saberes com as ervas] trazendo pra cá a concepção delas. Cada um deixa sua contribuição.” — Sergio Anversa

Com microfone aberto ao público, diferentes lideranças e ativistas compartilharam suas experiências, destacando que a natureza dispõe de inúmeras soluções para os desafios vividos por favelas. Para Emerson Menezes, do coletivo Erveiras e Erveiros do Salgueiro, abordar o tema também contribui com o resgate de saberes ancestrais, tradicionalmente cultivados de forma popular.

“Acho que esse conhecimento sempre existiu e vai continuar existindo independentemente da anuência do saber acadêmico. Pela sua praticidade, inclusividade e por questões também de renda. Porque, às vezes, moradores de favela não têm acesso a remédios industrializados [por conta do] custo. Ter acesso a um remédio natural, que você colhe da tua própria horta, busca dentro de uma área de floresta ou em horta comunitária, é muito mais interessante. Ao mesmo tempo, ter a parceria e entendimento da academia de que aquele saber é efetivo, eu acho também que é fantástico. Essa integração se faz cada vez mais necessária, porque [este saber ancestral] já está instituído há muitas gerações. Em muitos momentos a ciência refutou isso, [mas] hoje, quando a gente faz um trabalho [científico] de investigação dessas plantas, a gente vê que as propriedades que nossas avós diziam que as plantas tinham são reconhecidas pela academia… Mas a gente fala que é imprescindível ir ao médico: uma coisa não anula a outra.” — Emerson Menezes

Emerson Menezes, do Erveiras e Erveiros do Salgueiro, provocou reflexões sobre a integração entre saber ancestral e conhecimento científico. Foto: Amanda Baroni 
Emerson Menezes, do Erveiras e Erveiros do Salgueiro, provocou reflexões sobre a integração entre saber ancestral e conhecimento científico. Foto: Amanda Baroni Lopes

Claudia Queiroga, cozinheira solidária formada no projeto Gastromotiva e fundadora da primeira Escola de Gastronomia Social no bairro do Engenho da Rainha, comentou que a favela já tem ideias inovadoras, mas, para que se concretizem, o apoio efetivo ao empreendedorismo faz-se necessário.

“As pessoas acham que é de dinheiro que a gente precisa, [mas] não é. A gente precisa de oportunidade, de visibilidade. Como fazer com que aquele [que vem da favela], que tá ali tentando seu melhor, seja visto? É essa visão que a gente precisa, de que os projetos precisam sair de dentro da favela, de que a gente precisa chegar e falar sobre eles. Dentro do projeto que faço parte, tenho uma amiga que faz sabão ecológico, mas que não pode ser usado em qualquer lugar [amplamente vendido e distribuído] porque ele não tem [um selo da] vigilância sanitária. Mas ele limpa! E a gente prova que ele limpa! Então, o que a gente pode fazer por essa mulher? Criar oportunidades para ela fazer o rótulo desse sabão! Como melhorar a vida daquele cidadão sem só dar dinheiro, sem planejamento? É segurar na mão, de verdade!” — Claudia Queiroga

Claudia Queiroga, do Gastromotiva, discutiu caminhos possíveis para concretizar ideias inovadoras que surgem nas favelas. Foto: Amanda Baroni 
Claudia Queiroga, do Gastromotiva, discutiu caminhos possíveis para concretizar ideias inovadoras que surgem nas favelas. Foto: Amanda Baroni Lopes

A empreendedora insiste que a favela é especialista e tem que ser ouvida na busca de soluções para os problemas do território. A vivência é a melhor escola e estímulo na invenção de soluções efetivas, baratas e reproduzíveis, como o Teto Verde Favela.

“Quando o Cassiano traz a temática do teto verde, é incrível de imaginar que, com o verde em cima do seu telhado, você diminui a temperatura quente desses lugares sem gastar muito. Esse trabalho transforma ambientes, vidas e pessoas. Fazer dentro de favela, no lugar que a pessoa está, essa é a importância de fazer negócio de favela. Se estamos dentro da favela é aqui que tá o poder de transformar, os bons lugares pra se comer, pra se viver. Você transforma de dentro pra fora.” — Claudia Queiroga

‘A Gente É Um Coletivo, A Natureza É Um Coletivo’

Os artistas Big Papo Reto, Bocão 1313, Ed MC, João Black e MC Tales de Mileto também marcaram presença no evento e defenderam as culturas que surgem dentro das favelas.

“É muito importante termos eventos como esse pra conscientizar as pessoas da própria comunidade sobre meio ambiente, sustentabilidade… Sobre o próprio empreendedorismo, para as pessoas aprenderem a ganhar seu pão de cada dia. O rap é mecanismo de transformação porque, através da música, nós podemos atingir as pessoas.” — MC Tales de Mileto

MC Tales de Mileto apresentou sua música e defendeu o rap como instrumento de transformação social. Foto: Amanda Baroni
MC Tales de Mileto apresentou sua música e defendeu o rap como instrumento de transformação social. Foto: Amanda Baroni Lopes

Tigo Conexão Penetra, artista do Hip Hop e arte-educador de basquete atuante nas favelas de Santa Tereza e além, também esteve presente.

“A importância desse evento é ver essa praça bonita, revitalizada, com várias espécies [de plantas] ao redor. É de você buscar autoconhecimento e entender como funciona a natureza, tanto dentro quanto fora do ser humano. E saber que a gente é um coletivo, que a natureza é um coletivo.” — Tigo Conexão Penetra

Para a rapper e cria do Arará, taPre Poetisa, introduzir questões ambientais a partir da arte, sobretudo através do Hip Hop, pode potencializar soluções e ampliar discussões sobre diferentes problemas, como a insegurança alimentar.

“O povo da favela tem muitos problemas e, infelizmente, a gente não vai olhar pra questão ambiental se você tá com fome, se você não tem o que vestir. São muitos problemas. A gente fica só nisso e esquece que, às vezes, esse problema pode ser solucionado através de uma nova ideia. A horta da clínica é um jeito de solucionar esse problema. Porque, daqui a pouco, quem sabe a gente não tá plantando e colhendo frutos [dessa horta]? Então, de alguma forma, a gente já tá solucionando o problema da fome, porque os alimentos saudáveis são mais caros. É muito importante a gente ter esse tipo de solução, de atitude.” — taPre Poetisa

taPre Poetisa celebra o projeto da horta comunitária ao lembrar aos demais participantes que as soluções podem vir de dentro. Foto: Amanda Baroni
taPre Poetisa celebra o projeto da horta comunitária ao lembrar aos demais participantes que as soluções podem vir de dentro. Foto: Amanda Baroni Lopes

Leia abaixo, na íntegra, o poema de taPre Poetisa, recitado no evento realizado pelo Teto Verde Favela:

“Em meio à selva de concreto,
onde o olhar só enxerga tijolos e cimentos,
se deparar com teto verde e florido,
se tem impressão que o dono daquele lugar talvez esteja enlouquecido.

Nessa loucura ecológica,
nesse caos urbano,
onde o calor é excessivo,
ter uma sombra de plantas é um privilégio vivo.

Uma pena poucos enxergarem isso.

E além do contraste,
do cinza do cimento,
para o verde das plantas,
sentir o frescor ao invés de mormaço,
sentir que as plantas realmente nos livram desse abafado.” — taPre Poetisa

Sobre a autora: Amanda Baroni Lopes é formada em jornalismo na Unicarioca e foi aluna do 1° Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. É autora do Guia Antiassédio no Breaking, um manual que explica ao público do Hip Hop sobre o que é ou não assédio e orienta sobre o que fazer nessas situações. Amanda é cria do Morro do Timbau e atualmente mora na Vila do João, ambos no Complexo da Maré.


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