
A comunidade do Parque Arará, no Complexo do Arará em Benfica, Zona Norte do Rio de Janeiro, reuniu-se na manhã do 07 de outubro para um mutirão de plantio de mudas e uma ação de fortalecimento de sua educação socioambiental. Desenvolvida pelo Movimento Mulheres Parque Horácio em parceria com a Clínica da Família Medalhista Olímpico Maurício Silva, a atividade proporcionou à comunidade uma potente troca de conhecimentos sobre agroecologia e ervas medicinais: tudo na Horta Social Lilian Cecília, um espaço verde em meio à favela.
Integrando a Agenda Coletiva da Rede Favela Sustentável*, a atividade contou com o apoio de aliados técnicos, como professores e pesquisadores, somando com os moradores e mobilizadores do Complexo do Arará. Maria Aparecida Vieira, ou Tia Cida, como é conhecida a mobilizadora comunitária e fundadora do Movimento Mulheres Parque Horácio, explica as origens do projeto.
“Eu que trouxe a horta para cá. Eu sou uma liderança comunitária e eu tenho um projeto no Parque Horácio, que é o Movimento de Mulheres do Parque Horácio. O professor Sérgio Anversa nos ajudou a iniciar a horta, e agora a gente vai dar continuidade. A horta é da gente, daqui da comunidade, são plantas medicinais.” — Maria Aparecida Vieira

O dia começou com uma roda de conversa e uma aula sobre plantas medicinais e agroecologia. A primeira atividade foi, também, a despedida de Sérgio Anversa do projeto. Biólogo e professor de meio ambiente, e também do Coletivo Pluri-se | Plural e Inclusiva, Sérgio é um dos aliados técnicos que, ao lado de Carla Mota, pesquisadora ambiental e professora de comunicação social e marketing da Unisuam e do Coletivo Pluri-se | Plural e Inclusiva, ajudaram no processo de construção da horta.
Carla e o Sérgio chegam no Arará, através de um convite para participar do evento “Oficina de Agricultura Natural e Nosso Rolê no Teto”, desenvolvido pelo Luiz Cassiano, do Teto Verde Favela, também da comunidade, em 2023, na pracinha, do lado da Clínica da Família. Foi ali que surgiu a ideia, junto aos então gestores da clínica, para desenvolver uma horta com o objetivo dos moradores voltarem a ocupar a clínica. A princípio, a horta tinha por objetivo auxiliar o tratamento de pacientes psiquiátricos com diagnósticos de ansiedade e depressão, em sua maioria moradores do Complexo do Arará.
A horta da Clinica da Família foi então inaugurada em 2024. Foi quando a Tia Cida conhece os professores Carla e Sergio, e mobiliza os moradores da comunidade para participarem do projeto, através do seu coletivo Mulheres do Parque Horácio.
Hoje, habitam o espaço da horta social árvores como cajá, mangueira e aroeira, Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs)—como ora pro nobis, e convencionais, como quiabo e milho— além de flores como girassol. O espaço se tornou, portanto, um ponto de encontro importante para a comunidade, além de um espaço para reflexões sobre o mundo. Foi então que Sérgio viu, ali, a oportunidade também de transformar a horta em uma sala de aula.
“A gente pensou numa horta onde a gente pudesse discutir a condição do mundo. Então a gente pensou numa horta sustentável, mas dentro de uma sustentabilidade que ela pudesse dialogar com o mundo. Por isso que a gente não chegou aqui plantando direto. A gente fez uma recuperação do solo. Demorou muito tempo para que as plantas pudessem ter condições naturais. As plantas começam a vingar de forma natural e a gente evita fazer um canteiro uniforme, a gente vai misturando as plantas, para que elas fiquem em interação, uma ajuda a outra, porque o objetivo da gente aqui não é alimentar, não é produzir uma horta para alimentação, mas uma horta que possa dar esse debate, as origens, que as questões da ancestralidade possam ser incorporadas… E aos poucos elas vão aparecendo, a partir de ervas medicinais, das ervas religiosas de alguns conceitos que elas [as pacientes atendidas] vêm trazendo. Hoje a comunidade está abraçando [a horta].” — Sérgio Anversa

Na roda de conversa, a professora Carla Mota explica que a horta é mais que um lugar de produção de alimento: é um instrumento para uma educação socioambiental.
“A gente viu uma oportunidade [da horta] servir como instrumento de educação socioambiental. Nunca foi a intenção de ter uma produção alimentar volumosa, para alimentar. Era muito mais de resgatar a ancestralidade, porque muito disso aqui vem de lugares do interior do Brasil… E, com isso, a gente fazia umas rodas de conversa, trazendo conteúdos socioambientais, dando voz a elas também, e quebrando algumas lógicas baseadas nessa produção agroindustrial, de que tem que usar adubo, fertilizante, que você tem que dominar o solo, tem que combater pragas, e para trazê-los para uma lógica de integração com a natureza, da gente respeitar os ciclos naturais e, com eles, aprender também a respeitar o seu próprio solo, o seu próprio ciclo, os tempos de se recolher, o tempo de você florescer.” — Carla Mota
Lusinete Carneiro é maranhense, já morou no Complexo do Arará, e agora reside na Barreira do Vasco. Uma das mais antigas participantes da horta, Dona Lu, como é conhecida, explica como é a rotina de cuidados do espaço.
“Venho aqui na horta com todo prazer, molho. Já plantamos várias mudas que não deram certo, já outras deram certo… Pelo menos duas, três vezes na semana eu venho, aí eu molho, aí encontro com a Cida, com a Otília. As meninas sempre tão vindo também, a gente olha, a gente come goiaba… Ontem eu vim com a Cida, aí botei aqui ó, a terrinha dali [adubo de folhas].” — Lusinete Carneiro

Luciane Alves de Almeida, dona de casa, moradora do complexo, diz que a sociabilidade que a horta proporciona reduz sua ansiedade, proporcionando, também, momentos valiosos de contemplação da natureza.
“A gente tem aquela correria do dia a dia e, aqui, é aquele momento, é só nosso, com os amigos que a gente troca ideia, contempla a natureza e também faz uma boa higiene mental. Na correria de casa, dona de casa, mãe, esposa, a gente fica naquela correria diária e nada melhor do que isso, um relax total, isso me faz muito bem.” — Luciane de Almeida
Thalita Madalena, nutricionista e atual gestora da Clínica da Família, enfatiza a importância da horta como Prática Integrativa e Complementar em Saúde (PICS), sigla que corresponde a terapias que complementam o tratamento convencional no Sistema Único de Saúde (SUS).
“Eu fiquei muito feliz de chegar aqui e ter uma horta comunitária. Comunitária, porque a horta tem uma questão de um resgate com a terra, uma aproximação com a terra que a gente perdeu um pouco. Principalmente na nossa geração, a gente perdeu um pouco desse vínculo. O que caracteriza muito aqui para a gente, na população, é a quantidade de pacientes com ansiedade, depressão… Então esse resgate com a terra é importante para a troca de energia, para a tranquilidade, além dessa interação com o meio ambiente. Tem uma questão de você plantar o seu próprio alimento, de você ter interação com outras pessoas, de você trocar saberes. Uma pessoa que sabe plantar uma coisa, troca mudinha com a outra pessoa que também sabe plantar uma outra plantinha… Fora isso a gente consegue falar sobre alimentação saudável, promoção de saúde, consegue falar sobre o uso das plantas medicinais, tem a fitoterapia que é uma parte de práticas integrativas, de utilizar para chás, para banhos, para tintura… As PICs já fazem parte do SUS há bastante tempo.” — Thalita Madalena
Após a roda de conversa, um farto café da manhã foi servido com pães de fermentação natural produzidos por José Júlio de Abreu, padeiro da Vila Cruzeiro que trabalha com pães artesanais. Ele explica que eles são produzidos com o “levain, a massa madre, que é um pão de boa absorção e faz você ficar bem saciado”. Sucos e café também reforçaram esse momento de integração. Finalizando as atividades do dia, moradores e participantes realizaram um mutirão para o plantio de mudas de arruda, alface e couve.
Além de garantir o cultivo e o cuidado com a terra, a horta comunitária se consolidou como um espaço de reflexões socioambientais, convivência, fortalecimento comunitário, trocas afetivas e ações voltadas ao bem-estar e à saúde mental dos moradores do Complexo do Arará.
Veja as Fotos do Mutirão na Horta Social do Complexo do Arará:
*A Rede Favela Sustentável e o RioOnWatch são ambas iniciativas realizadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras.
Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.

