Na manhã do dia 03 de dezembro, a Câmara Municipal estava lotada com cerca de cem pessoas ansiosas para participar da audiência pública “Remoções por Grandes Projetos no Rio de Janeiro“, depois da audiência anterior, em setembro, ter sido cancelada 30 minutos antes de seu início. Estavam presentes moradores de favelas, defensores públicos, professores e defensores dos direitos humanos. Com discursos quentes, um após o outro, os participantes relataram como as remoções têm sido feitas através de processos ilegais e arbitrários, e manifestaram a sua insatisfação com a falta de representação do gabinete do prefeito e do resto da prefeitura. Apesar disso, o evento teve importância simbólica, uma vez que ativistas aproveitaram a oportunidade para lembrar ao público as centenas de famílias removidas da Vila Harmonia e Recreio II para a construção do BRT Transoeste e honrar os atuais esforços de resistência da Vila Autódromo, Providência e Horto, entre outros.
Temas recorrentes nos discursos incluíam a falta de transparência e ausência de diálogo com as comunidades em todo o processo de remoções. Histórias de compensação financeira inadequada e até inexistente, juntamente com falsas promessas sobre as condições de habitação nos reassentamentos também serviram como advertência para as famílias que continuam lutando. Muitos expressaram indignação com o volume de propriedades públicas na região do Porto e Barra da Tijuca que foram repassadas aos interesses especulativos privados.
Participantes enquadraram as remoções dentro de um contexto mais amplo de tendências no Rio de Janeiro, incluindo o desrespeito à legislação vigente e violação dos direitos humanos, em nome de negócios e eventos esportivos. O vereador Renato Cinco (PSOL), que organizou a audiência como membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, afirmou que “o direito à moradia vem sendo sistematicamente desrespeitado pela prefeitura”, uma vez que milhares de famílias ainda devem perder suas casas durante a preparação para a Copa do Mundo e Olimpíadas de 2016 .
“É doloroso e deprimente sofrer uma remoção”, explicou Roberto Marinho, morador da Providência. “De uma hora para outra você fica sabendo que sua casa será removida, sem uma satisfação. Nunca vi nenhum projeto, por onde vai passar a obra, quantas casas exatamente serão removidas”, declarou ao ressaltar que alguns moradores tiveram que sair de casas confortáveis com varandas e foram realocados “em cubículos nos confins da cidade, mais distantes do centro”.
Carlos Vainer, Professor de Urbanismo da UFRJ, apresentou estatísticas alarmantes: “Na ditadura militar, cerca de 35 mil pessoas foram removidas no Rio. No processo atual, cerca de 70 mil pessoas serão removidas de suas casas, isso em um regime supostamente democrático e de direito”. Ele afirmou que o verdadeiro “legado” dos mega-eventos será “uma dívida pública acrescida, uma cidade brutalmente segregada, o poder público cada vez mais autoritário”.
Jorge Santos, antigo morador da Vila Recreio II, em Jacarepaguá, que perdeu sua casa devido às obras da Transoeste, declarou: “Existem leis demais e pessoas de menos capazes de fazer com que essas leis sejam cumpridas. O que mais precisamos no Rio de Janeiro é de transparência”. Maria Lúcia de Pontes, do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, citou a legislação em vigor que proíbe remoções, exceto em casos em que a segurança e a saúde da família estejam em risco. “A legislação mostra uma cidade como nos gostaríamos que ela fosse: uma cidade em que a remoção é proibida. Isso já está na lei, não precisa fazer uma legislação nova!” O Vereador Renato Cinco disse que reassentamento é uma”medida excepcional” que deve ser usada apenas quando não houver alternativa.
Uma pergunta óbvia permeava a sessão: Onde estão todos os outros? Moradores de favelas confrontados com remoções, representantes de movimentos sociais e ONGs, e um pequeno grupo de representantes da prefeitura (6 de um total de 51) encheu o plenário da Câmara. A Vereadora Teresa Bergher (PSDB), que presidiu a audiência, disse em seu discurso de abertura: “Gostaria de registrar publicamente meu lamento pela ausência do poder executivo, convidado reiteradas vezes para comparecer a esta audiência. A prefeitura é omissa quando se ausenta, possivelmente para não dar satisfações acerca de suas arbitrariedades. É um desrespeito ao poder legislativo”.
Sem representação das autoridades que estão permitindo e realizando as remoções, a audiência de terça-feira serve principalmente como mais uma evidência de uma longa história de práticas desrespeitosas e da ausência de diálogo entre a prefeitura e a comunidade.
Resilientes, os moradores das favelas e ativistas usaram o evento como oportunidade para registrar oficialmente a história das comunidades já removidas, para celebrar publicamente exemplos simbólicos da resistência, e para pedir força e união nesse próximo ano.