“No dia internacional dos direitos humanos exigimos Justiça e os direitos do povo de Manguinhos e das favelas em geral!”, afirma, Fátima dos Santos Pinho de Menezes, mãe do Paulo Roberto, de 18 anos, morto por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no dia 17 de outubro desse ano.
Na tarde de terça-feira, 10 de dezembro, mesmo sob fortes chuvas, familiares do jovem Paulo Roberto Pinho de Menezes, de 18 anos, sua mãe e irmãos, amigos, vizinhos e movimentos sociais solidários fizeram um ato que fechou por cerca de uma hora algumas das principais ruas da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro: em trechos de Av. Leopoldo Bulhões, da Av. Dom Hélder Câmra e da Av. dos Democráticos, em Manguinhos.
“Sei que nada vai trazer meu filho de volta, mas agora seu nome será invocado, na luta, para que crimes assim não voltem a acontecer. Paulo Roberto está presente aqui entre nós, na luta contra este estado de exceção e contra todas as violências que o estado tem promovido contra a população mais pobre, seja pela UPP, seja pelo PAC”, conclama Fátima, em referência crítica às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) da Polícia Militar (PM) do estado do Rio de Janeiro, e ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal em parceria com estados e municípios, executado em Manguinhos na modalidade Urbanização de Grandes Favelas, Saneamento e Habitação, com investimentos a fundo perdido da ordem de 1 bilhão de reais. O PAC-Manguinhos, como outros projetos desta modalidade do PAC, é criticado por promover remoções arbitrárias, e por não priorizar a necessidade de obras de saneamento e de habitação, entre outras denúncias.
Para esta data, estava previsto uma reconstituição do crime pela Polícia Civil. O que, no entanto, não aconteceu. Para a imprensa, o delegado-titular da 21ª. Delegacia de Polícia, responsável pela área de Manguinhos, José Pedro da Costa disse que a simulação foi suspensa devido a ausência de algumas testemunhas. Mas moradores alegam que ele teria lhes dito que não queria a presença da imprensa.“Quando situações assim acontecem no asfalto em bairros ricos ou de classe média, eles permitem a presença da imprensa, mas quando é na favela, eles não querem que o mundo veja o que acontece aqui e o estado de calamidade em que vivemos”, disse Maria das Dores da Silva, de 55 anos, participante do ato e vizinha da família de Paulo Roberto. O delegado pediu a prisão temporária de cinco PMs indiciados: José Luciano da Costa Neto, Rodrigo da Costa Tavares, José Cardoso de Araújo Junior, João Paulo da Silva Rocha e Jefferson Albuquerque Pinto. Entretanto, a prisão não foi decretada ainda pela Justiça. Segundo o Comando de UPP, os militares estão fora das ruas e trabalhando em serviço interno dentro do comando. Um Inquérito Policial Militar também está em andamento para apurar a morte.
Segundo o laudo técnico do Instituto Médico Legal (IML), órgão da Secretaria Estadual de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Roberto morreu por asfixia, a mesma causa da morte do pedreiro Amarildo de Souza pela UPP da Rocinha, conforme as investigações. Uma cena chocante de asfixia foi levada para as telas do cinema pelo filme “Tropa de Elite”, que faz uma abordagem sobre as violações institucionalizadas de direitos humanos cometidas pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) – considerado como a tropa de elite da Política Militar do RJ. Na cena, um saco plástico é colocado e fechado sobre a cabeça da vítima. “Achei que cenas assim, de asfixia, só fossem protagonizadas pelo BOPE, mas agora veja que a UPP também tem esta pratica, seja aqui, seja na Rocinha”, diz Pedro Paulo, jovem morador de Manguinhos que participou do protesto. O laudo do IML desmentiu a versão da polícia, de que o jovem teria morrido de ‘mal súbito’ por ‘efeito de drogas’.
Segundo moradores que testemunharam o crime, assim como Amarildo, Paulo Roberto foi espancado, torturado até a morte: “Não nos deixaram socorrê-lo”, afirmam. Ativistas da Frente Independente e Popular– FIP-RJ questionam em panfleto distribuído nas favelas: “Quem matou Paulo Roberto? Um mal súbito como diz a polícia? Ou a perseguição e terror exercido contra ele pela UPP há alguns meses (como denunciam seus familiares)? Paulo Roberto foi espancado por PMs, de forma covarde, com omissão de socorro e a cumplicidade da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) que impediu o acompanhamento do jovem por seus familiares no interior de suas dependências? A descarada mentira de que o jovem morreu por efeito de drogas, e a tentativa de criminalizá-lo, desperta a justa revolta do povo. (…) A UPP é o braço armado oficial da farsa eleitoral, da prática de reprodução de currais eleitorais em territórios favelizados”.
“Esses cinco policiais são responsáveis, mas ainda tem pelo menos 15 PMs envolvidos. Há 15 dias, eles ficaram nos ameaçando com gritos na nossa rua, dizendo que irão nos matar”, relatou a mãe de Paulo Roberto, Fátima Pinho. “Prenderam manifestantes nos dias 20 de junho e 15 de outubro em flagrante, sem qualquer prova de crime, sem que os presos representassem qualquer perigo à sociedade, mas a polícia é corporativa e muitos policiais criminosos continuam soltos, ameaçando e praticando atrocidades. E não adianta prender um ou outro, ou dez ou cem. A PM é uma instituição da ditadura, se ainda não acabou, tem que acabar, é uma violência contra a cidadania”, afirma Rafael Daguerre, da Frente Independente e Popular, um dos movimentos sociais presentes ao Ato.
Os desaparecidos de Manguinhos
Ativista do Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos, André Luiz Deodoro, de 19 anos, destaca que a UPP faz parte de um conjunto de políticas segregatórias do governo, que, assim como o PAC, visam a remoção, forçada ou indireta, dos moradores mais pobres para áreas mais distantes da cidade, e o controle militarizado da população das favelas. “Existem dezenas de desaparecidos de Manguinhos, expulsos de suas casas com uma mão na frente e outra atrás, apagados dos cadastros oficiais de moradores e das estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pela máfia das remoções. São centenas de famílias torturadas pelas péssimas condições de vida provocadas pelo PAC. Humilhadas como se fossem invasoras, em uma situação de calamidade. A saúde privatizada se cala! De quem é a responsabilidade sanitária?”, denuncia.
A responsabilidade sanitária pelo bairro de Manguinhos é da Fundação Oswaldo Cruz, que faz a gestão das políticas de atenção básica à saúde no local e, através de sua Fundação de apoio, a Fiotec, também é a responsável pela gestão da UPA de Manguinhos. “Até hoje, não vimos um relatório de saúde sequer que avalie esta condição e denuncie a calamidade. Neste sentido, a chamada gestão local participativa da saúde, sob o controle de seus gestores, não deixa de ser uma farsa”, complementa André.
“Não podemos entender a política de pacificação de forma isolada, seja por que ela provoca uma reconfiguração das redes de criminalidade, seja por que ela está necessariamente vinculada à especulação imobiliária, gentrificação, e a inclusão forçada de segmentos da população através do consumo, mas também a exclusão de todos aqueles que não se adaptarem a este padrão de inclusão pelo consumo. Este é o projeto civilizatório dos governos Dilma, Cabral e Paes. Um projeto racista. Que considera a inclusão no mercado mas pratica a exclusão do âmbito dos direitos, com práticas de exceção–como a tortura, morte, desaparecimento, coação… São dezenas de desaparecidos nas favelas pacificadas, mensalmente (enfatiza). São diversas denúncias de agressões, de abuso de autoridade, de assédio sexual contra mulheres, estupro, de preconceito pelos agentes militares das UPPs contra a comunidade”, analisa Emerson Fonseca, morador da região e um dos organizadores do Ato em Memória de Paulo Roberto.
O PAC também mata
Três pessoas (ao menos), um já avô, e duas mães, faleceram vítimas de agravos à saúde devido às obras do PAC e ao terrorismo que as envolve, segundo os moradores: sanguessugas, mosquitos, ratos, vergalhões e blocos de cimento dependurados entre as ruínas das casas em demolição, excesso de poeira, falta de luz e de água potável, contaminação da água, diabetes adquirida pelo estresse causado pelas ameaças de remoção dos agentes sociais do PAC, são apenas alguns destes agravantes. “São dezenas, talvez centenas de famílias nessas condições em Manguinhos, e outras milhares em favelas por toda a cidade, atingidos pelas obras relacionadas aos megaeventos internacionais, como a Copa e as Olimpíadas”, declara o professor Carlos Vainer do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.
O PAC previa investimentos em saneamento, mas o tronco coletor de esgotos, que levaria todo o esgoto doméstico do bairro e adjacências para a Estação de Tratamento ainda sequer foi iniciado. A rede doméstica de esgotos, feita pelo PAC, joga o esgoto recolhido nos Rios Faria-Timbó e Jacaré, e daí para a Baía de Guanabara, o que configura um crime ambiental já denunciado à Justiça pelo Ministério Público. A construção deste tronco-coletor já estava prevista desde o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, na década de 90, com investimentos de bancos estrangeiros, mas não saiu do papel até hoje.
No dia seguinte ao ato em Manguinhos, uma chuva forte deixou toda a cidade e o bairro totalmente alagados. A cidade parou. Muitas vias importantes, como a Av. Brasil, ficaram parcialmente interditadas. Milhares de pessoas não conseguiram chegar ao trabalho ou sair de casa. Policiais da UPP de Manguinhos tiveram que se abrigar sobre a caçamba de uma pick-up. A UPP chegou a Manguinhos e demais comunidades ‘pacificadas’ enredada em um contexto de promoção do empreendedorismo e com a aterrissagem, nestas comunidades, de empresas privadas de telefonia (principalmente), entre outras. Mas, comerciantes locais questionam a falta de estrutura: “nas últimas chuvas, tudo alagou, perdi todo meu investimento, freezers, forno, equipamentos elétricos e eletrônicos, matéria-prima, tive que fechar o negócio e vender o imóvel. Sem estrutura, qualquer iniciativa estará fadada ao fracasso. Por isto, muitos investimentos, de maior amplitude, acabam se perdendo”, reclama José Filgueiras, que tinha uma pizzaria no bairro.