Ouça a matéria original por Catherine Osborn em inglês no NPR aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam acompanhar como a mídia internacional cobre a favela.
Com os viajantes da Copa do Mundo no Brasil reunidos no Rio de Janeiro para a final da Copa, muitos deles estão ficando em favelas–bairros de baixa renda–recém pacificadas.
Entre as mais populares está o Vidigal, que se ergue em uma encosta íngreme sobre algumas das mais maravilhosas praias do Rio de Janeiro e oferece algumas das mais belas vistas da cidade. O programa do governo para policiar o crime na favela, historicamente violenta, tem atraído empresários e investidores e também estimulou um passo em direção à democracia.
É uma noite de terça-feira, na entrada do Vidigal, onde mais de 100 pessoas se reunem no 4o evento Fala Vidigal, um fórum para debater as recentes mudanças em sua comunidade.
Maria Souza, que é aposentada, toma o microfone.
“A conta de luz da minha vizinha, Vera, é de 762 reais e 80 centavos”, diz ela. “Aqui está! Eletricidade, no Vidigal”.
Pagar por serviços públicos é novidade para muitas favelas, mas, mesmo assim, a conta de energia elétrica é 10 vezes mais do que deveria ser.
Raymundo Santa Rosa da Light, que foi um dos representantes das agências estatais e governamentais no fórum para responder as perguntas, disse que irá investigar a acusação.
“Eu, pessoalmente, vou na sua casa, com uma equipe saber o que que está acontecendo”, ele diz para a platéia. “Não só isso, mas todas as outras pessoas que tiverem problemas nessa ordem, a gente vai ter esse mesmo procedimento”.
Esta favela era controlada por uma gangue de traficantes. O governo estava ausente. E quem falasse poderia acabar morto.
Antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas, um programa de pacificação foi instalado onde unidades de polícia estão postadas em áreas como esta.
Embora o seu impacto tem sido muito debatido–já houve casos de brutalidade policial, por exemplo–aqui no Vidigal foi dado um passo em direção à democracia.
A comunidade realizou sua primeira eleição pós-UPP para a Associação de Moradores há dois anos e escolheu políticos de fora que haviam sido por muito tempo líderes de base. Um deles é Andre Kosi, que dirige um caminhão de entrega. Kosi diz que ter uma voz tem sido um divisor de águas.
“Nós não sabíamos nada sobre gestão pública, e agora estamos aprendendo como a máquina do governo funciona. Vejo que há um monte de falhas. Essencialmente, o governo está configurado para servir a seus próprios fins. Então, coisas como assistência médica continuam sendo precárias, porque o governo nem sequer presta atenção”, diz Kosi. “Agora eles estão finalmente nos servindo um pouco melhor, porque estamos tendo uma voz”.
Entre os sucessos mais recentes, diz ele, foi que a Associação de Moradores persuadiu o governo a aumentar o serviço de transporte público. Mas ele diz que ainda há um longo caminho a percorrer.
Ignácio Cano, sociólogo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e conselheiro do programa de pacificação, diz que com cinco anos operando, está muito longe do que deveria ser.
“A polícia e a comunidade ainda estão muito distantes um do outro”, diz ele. “Há muita desconfiança em ambos os lados, por isso temos avançado muito pouco”.
Parte do problema, Cano diz, é que a pacificação foi originalmente apresentada como uma panaceia. Ela veio com uma ramificação de serviços sociais que deveria atender às necessidades como saúde e educação.
Quando esta ramificação foi cortada, tornou-se fácil simplesmente culpar a polícia em vez de ir para o secretário de saúde, por exemplo.
“Nós precisamos que a comunidade assuma este papel, e que a polícia garanta a segurança, permitindo a comunidade representar-se a si mesmo”, diz Cano.
Essa segurança foi deslizando no Rio. Apesar do fato de que mais de 9.000 policiais no estado foram recentemente treinados para fazer parte de unidades de pacificação desde 2008, os conflitos fatais com a polícia subiram acentuadamente no ano passado.
Cano diz que é porque a polícia continuou com as suas velhas formas: execução, operações dramáticas de tiro ao alvo para caçar traficantes de drogas, ao invés de ouvir as preferências de segurança da comunidade, que é manter casas a salvo de invasões.
“É porque nós temos essa ‘guerra às drogas’, ‘guerra contra o crime’, e isso é o que a polícia está acostumada a fazer”, diz Cano.
A comunicação que está acontecendo no Vidigal com a polícia e os funcionários do governo, Cano diz, é a razão pela qual o Vidigal tornou-se mais seguro nos últimos anos, e por isso que é um exemplo para o resto da cidade.
À medida que o debate no Vidigal chegou ao fim, o chefe de polícia Carlos Veiga disse que a pacificação e outras reformas políticas no Brasil só irão funcionar se as pessoas participarem desse tipo de diálogo que está acontecendo no Vidigal.
“É a busca de cidadania no Brasil”, Veiga disse, “e o Vidigal está na frente”.