No último domingo, cinco jovens morreram metralhados dentro de um carro, pela Polícia Militar no Complexo da Pedreira, em Costa Barros, na Zona Norte do Rio. Wilton Esteves Domingos Júnior, de 20 anos, Wesley Castro Rodrigues, 25, Cleiton Corrêa de Souza, 18, Carlos Eduardo da Silva de Souza, 16, e Roberto de Souza Penha, 16, estavam indo comprar um lanche quando a Polícia Militar abriu fogo ao veículo, matando todos os cinco. O carro foi atingido por mais de cinquenta balas. O grupo de amigos havia saído naquela noite para comemorar no Parque Madureira, o primeiro salário de Roberto do seu emprego na rede Atacadão.
Quatro policiais militares do 41º Batalhão de Irajá foram presos em ligação ao crime, graças à população local que denunciou o massacre online e através de depoimentos na delegacia local. Thiago Resende Viana Barbosa, Marcio Darcy Alves dos Santos e Antonio Carlos Gonçalves Filho foram presos sob a acusação de assassinato e fraude processual e Fábio Pizza Oliveira da Silva por fraude processual. Os policiais tinham alterado a cena do crime para registrar o incidente como um ato de auto de resistência. De acordo com o site de notícias da comunidade Guadalupe News, oficiais utilizaram uma luva para remover as chaves do carro e tentaram plantar uma arma de brinquedo no porta-malas. O comandante do 41º Batalhão, Marcos Netto, foi exonerado na segunda-feira, 30 de novembro.
Em entrevista ao jornal EXTRA, uma testemunha e morador local disse: “Eles tentaram forjar que os jovens eram bandidos, mas eles não eram. Eu conhecia todos eles muito bem”.
Os pais dos cinco jovens estão devastados, e estão entrando com uma ação judicial coletiva contra o Estado. Em declarações ao jornal EXTRA, Jorge Roberto Lima da Penha, soldador e pai de Roberto de Souza Penha, que foi morto no domingo, disse: “Os garotos não voltam mais, mas essa execução covarde não pode ficar impune. Ele também informou que a Polícia Militar não se ofereceu para ajudar com sequer uma das despesas do funeral dos jovens falecidos, dizendo: “Ninguém me ligou. Ninguém falou nada e nem ofereceu qualquer tipo de assistência”.
O crime aterrorizante causou indignação generalizada nas mídias sociais, com comentaristas, grupos comunitários, coletivos de ativistas, e mídias comunitárias compartilhando mensagens em solidariedade às famílias das vítimas, denunciando as ações profundamente chocantes dos policiais, e enquadrando os assassinatos dentro do contexto da violência racista, fatal, cometida regularmente pela Polícia Militar do Rio, a mais letal do Brasil.
Muitos comentaristas expressaram indignação com mais essa morte dos cinco jovens negros de favela assassinados pela polícia e apontaram para o racismo inerente às operações policiais. Juliana Portella, uma jornalista de Nova Iguaçu, escreveu: “Como assim a polícia fuzila um carro com cinco jovens negros em Costa Barros e não existe racismo? É uma questão de cor sim. E de classe! A PM extermina a juventude negra favelada“. Ela concluiu, citando a letra da famosa canção, “A Carne“: “A carne mais barata do mercado é a carne negra. Que vai de graça para o presídio e para debaixo do plástico“.
Felipe Paiva, ator, fotógrafo e guia do Vidigal, escreveu: “A Polícia alega que um dos jovens assassinados ontem, já tinha passagem pela Polícia. Mas, e daí? Só por isso mereciam os 50 tiros?!.. Olhando os últimos casos de homicídios causados pela PMERJ, evidenciamos que os ‘criminosos’ tem endereço e cor de pele definidos. São homens, mulheres e crianças, em sua maioria negrxs e moradorxs de favelas e periferias. É só olhar o caso do Amarildo, Claudia e o menino Eduardo… precisa de mais exemplos, senhor Pezão?!”
Localizado na Zona Norte, o bairro de Costa Barros tem uma das maiores populações negras da cidade, com 70% dos moradores identificados como negros ou pardos. É também um dos que possuem a renda mais baixa, com um salário médio mensal de R$424. A interação de raça, geografia, pobreza e violência estatal no Rio é tragicamente sublinhada pelos eventos de domingo.
Um post no Facebook do professor de história Luiz Antônio, no qual ele aponta para as origens históricas e racistas da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que foi criada para proteger a elite das pessoas que são, “perigosas e de cor”, foi compartilhada mais de 3.000 vezes. Ele conclui: “A discussão sobre o que deu errado na polícia parte de um pressuposto equivocado. O problema da PM não é ter dado errado. É ter dado certo“.
Douglas Belchior escreveu em seu blog Negro Belchior para a revista Carta Capital: “O grupo de jovens estava em um carro com documentação em dia, motorista habilitado e desarmados. O que havia ali que pudesse justificar a ação dos policiais? Serem todos negros? Para além disso, resta a perplexidade ante a inacreditável capacidade da sociedade brasileira em conviver com o genocídio negro. Perguntaria eu, se pudesse, à tranquilidade coletiva: E se fossem brancos de padrão globo-zona-sul os corpos fuzilados e sem vida?”
Ronilso Pacheco, pesquisador de São Gonçalo, que trabalha com a ONG Viva Rio, argumentou que a responsabilidade pela tragédia de domingo não se limita apenas aos policiais individualmente, mas é de toda a instituição da Polícia Militar, a mídia, a sociedade como um todo, as igrejas, o Estado, o governo e o sistema legal: a ampla estrutura social que marginaliza a juventude negra. Em um post que tem sido amplamente compartilhado no Facebook, ele escreveu: “Então, mais uma vez, vão punir alguns policiais e darem como resolvida a questão. Até o próximo fuzilamento, e outro, e outro, e outro. Nós nos especializamos nisso. Fuzilar, executar, jovens pretos e pobres, encontrar meia dúzia de bodes expiatórios para por a culpa, e continuar matando essa raça que não merece viver”.
A polícia matou mais de 5.000 pessoas na cidade do Rio nos últimos dez anos. Grupos de ativistas estão promovendo uma petição clamando por uma ação junto à Anistia Brasil que apela para investigações completas sobre todas as mortes causadas pela polícia, a restrição do uso de armas de fogo por policiais e apoio psicológico, jurídico e financeiro para todas as famílias das vítimas.
Nesta quinta-feira, 3 de dezembro um protesto será realizado no Parque Madureira em memória dos cinco jovens mortos em Costa Barros pedindo o fim ao genocídio da juventude negra. Os organizadores estão pedindo às pessoas para irem vestidas de preto, “para mostrar que estamos de luto, já que o branco da paz não contemplou a população negra”.