Comunidade Caiçara de Trindade Pede Justiça Pelo Assassinato de Jovem em Disputa de Terra

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Em uma audiência pública no dia 22 de julho, os moradores de Trindade, uma pequena comunidade à beira-mar no município de Paraty, pediram por justiça pelo assassinato de Jaison Caique Sampaio de 23 anos e garantiram um acordo com o prefeito de Paraty para desapropriar terras que estão em posse de uma empresa, a qual os moradores consideram que seja a responsável pela morte do jovem.

No dia 2 de junho Jaison foi morto a tiros em sua casa por dois policiais fora de serviço. Os oficiais estavam supostamente realizando um trabalho extra como guardas de segurança para a empresa imobiliária Trindade Desenvolvimento Territorial (TDT), que há muito vem travando uma disputa de terras com os moradores de Trindade.

A audiência foi organizada pela Comissão de Direitos Humanos da ALERJ para discutir os problemas enfrentados pela comunidade na esteira da morte de Jaison. O evento foi presidido por Marcelo Freixo, presidente da Comissão, e contou com a participação de muitos moradores de Trindade ao lado de alguns políticos e representantes de órgãos do governo, incluindo a Polícia Civil e o gabinete da Defensoria Pública do Estado.

Trindade é historicamente constituída de caiçaras que viviam de pesca artesanal e agricultura de subsistência. Hoje, com suas cinco praias, Trindade é um grande ponto turístico. TDT e suas empresas têm tido uma presença em Trindade por décadas, embora nos últimos tempos a tensão entre seus agentes de segurança e os moradores tenha sido crescente, culminando no assassinato de Jaison em junho.

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Na audiência pública, que estava lotada, na Casa de Cultura em Paraty, Davi Paiva, membro da Associação de Moradores de Trindade, indicou que a morte estava relacionada à disputa de terras. Jaison “residia em uma área com o limite muito duvidoso entre a área da empresa e a área da comunidade”, ele disse. “Sua família estava sendo ameaçada há bastante tempo”.

O detetive responsável pelo caso, Flávio Narcizo, que também falou durante a audiência pública, indicou que os dois policiais “agiram como representantes da TDT”. No entanto, ele observou que de um ponto de vista legal, é difícil vinculá-los à companhia porque eles não eram contratados formalmente.

Após o assassinato, a comunidade expulsou todos os representantes da TDT de Trindade, derrubaram as cercas da empresa, atearam fogo ao alojamento dos guardas de segurança e ocuparam a área que havia sido designada como Zona de Uso Comunitário, Esportivo, Cultural e de Lazer por uma lei municipal de 2011, mas que ainda vinha sendo ocupada pela empresa, de acordo com os moradores.

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Na audiência, emocionalmente tensa, a Associação de Moradores de Trindade apresentou uma petição assinada por mais de mil pessoas exigindo a desapropriação das terras da TDT que eram parte da Zona de Uso Comunitário. O prefeito de Paraty, Carlos José Gama Miranda (conhecido como Casé), prometeu cumprir o pedido da comunidade. “Eu me comprometo… com um decreto de utilidade pública para que a gente faça uma desapropriação legal, e aí sim essa área será de uso coletivo da comunidade e pública”, disse Casé.

Moradores também demandaram que os responsáveis pelo assassinato sejam levados à justiça. “Eu vim pedir hoje por justiça e também pelo que meu filho lutava, que era o direito a terra”, disse Dona Maria do Socorro, mãe de Jaison.

Maria do Socorro também falou com emoção sobre o sofrimento causado pela morte de Jailson: “A dor eu sei que nunca vai passar. Eu estou me sentindo como se estivesse sem braço, sem perna, mas penso nos demais que eu tenho. Eu pensei que eu posso estar sem os braços, mas pelo menos as pernas precisam continuar em pé porque se eu cair, meus filhos vão cair, se eu chorar, eles vão sentir a dor. Então eu tenho que seguir em frente, mesmo se já estiver me arrastando”.

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A comunidade dedicou uma praça à memória de Jaison Caique Santos, cujo apelido era Dão, na terra que está ocupada pela TDT.

Os moradores enquadraram o assassinato dentro do longo e sangrento histórico de disputa de terras de Trindade. Em meados dos anos 70 a violência eclodiu entre os caiçaras e os jagunços, bandidos contratados supostamente enviados por especuladores em uma tentativa de intimidar os moradores a saírem de suas terras com táticas que incluíam espancamento e o estupro de uma professora. A complexa cadeia de aquisição de terras finalmente resultou em um acordo frágil entre os caiçaras remanescentes e o proprietário atual, em 1982. Até hoje a empresa–agora chamada TDT–ainda possui e administra as terras ao redor da comunidade de Trindade, apesar dos planos de desenvolvimento concretos ainda não estarem claros.

“Em 1982, a partir de um acordo com a Trindade Desenvolvimento Territorial (TDT)… nós achávamos que nossos problemas tinham acabado”, disse Davi Paiva. No entanto, “desde 82 nós temos Trindade com cercas. Nós temos Trindade cercada por jagunços armados”.

“Nós vivíamos da pesca, da agricultura de subsistência”, disse Robson Dias, morador de Trindade. “Com a chegada da TDT, nos tiraram o território… perdemos nosso direito de trabalhar e com tudo isso fomos perdendo parte da cultura”.

Membros da comunidade presentes na audiência pública também levantaram preocupações acerca das restrições ambientais na área, incluindo as futuras mudanças nas regulações da Área de Proteção Ambiental (APA) de Cairuçu, que cobre Trindade.

Com praias paradisíacas cercadas pela Mata Atlântica nativa, a área costeira ao redor de Paraty, a Costa Verde, se tornou um parque de diversões para os ricos e famosos e uma atração para os turistas. No entanto, também é notório pelos conflitos territoriais violentos. O prefeito Casé, que no ano passado sobreviveu a uma tentativa de assassinato, supostamente relacionada à disputa de terras, comparou a região ao “faroeste” e pediu aos políticos nacionais na audiência pública que ajudassem a elevar a conscientização sobre a violência na região.

“É uma crueldade o que está acontecendo com as comunidades de Paraty, tanta seja quilombola, indígena, caiçara… Esse é meu anseio aqui, que a gente não deixe que isso fique calado”, disse Casé.