Passando dos Limites

Veja a matéria original em inglês no Geostadia aqui

O salário mensal de um professor de escola pública é de cerca de R$1600. Eu não conheço pessoas que trabalhem mais com poucos recursos para fazerem o trabalho mais importante da sociedade e o menos valorizado. Eu só posso imaginar a indignação e revolta completa dos profissionais de escolas públicas, quando foi feito o anúncio que a prefeitura gastou mais de um milhão de reais para comprar 20 mil cópias de um jogo de tabuleiro para serem distribuídos nas escolas da Rede Municipal. O jogo, provavelmente, irá se tornar um elemento obrigatório do currículo. O jogo é chamado Banco Imobiliário – Cidade Olímpica.

Quando eu já estava começando a perder as arestas pontudas de pessimismo permanente, a pedagogia perversa e de mau gosto do Prefeito tomou forma física no espaço público do Forte de Copacabana. No forte, que é uma propriedade federal, um clube privado foi inaugurado para atender as “pessoas bonitas” [sic] da Zona Sul do Rio que não podem mais tolerar a plebe e massa turística indiferenciada de Ipanema, estabelecendo um clube fechado, apartado do mundo, dentro do forte. A cobertura da Veja foi nauseantemente apologética:”Clube montado na orla da Zona Sul atrai frequentadores de alto poder aquisitivo que buscam tratamento vip e a experiência de compartilhar a areia com gente do mesmo perfil”. Por apenas R$250 você entra no clube que tem uma piscina, garçons discretos, tocando música eletrônica, banheira de hidromassagem, garrafas de champanhe a R$5000, toalhas de rosto a R$80 e seguranças que ignoram as nuvens de fumaça de maconha vindas da pista de dança. Se você está surpreso que os brasileiros ricos e brancos estão aptos a fumar maconha comprada em favelas dentro de um forte militar, enquanto as próprias favelas são ocupadas pelos militares, então você claramente não passou bastante tempo jogando Banco Imobiliário – Cidade Olímpica.

É difícil saber por onde começar a criticar a ideia de que os alunos do ensino fundamental serão doutrinados com a ideologia de que os lugares e espaços públicos da cidade sejam tratados como simples mercadorias utilizadas para acumular riqueza pessoal e poder. Poderíamos começar com o fato de que apenas os atuais projetos da administração são destaque no jogo, dando a impressão de que o Prefeito, o Governador e seus comparsas produziram a paisagem urbana desde que tomaram posse. Poderíamos também destacar o fato de que os valores monetários arbitrários são atribuídos a locais públicos, eliminando toda e qualquer concepção de valor de uso para aqueles que pagaram por essas coisas (o público) e transforma cada elemento urbano em algo que pode ser negociado no mercado aberto, desregulamentado. Como nos cartões de “sorte” que diz: “Seu imóvel foi valorizado após a pacificação da comunidade vizinha, receba $75.000”. Paulo Freire está girando como um frango assado no seu túmulo.

Algumas semanas atrás eu relatei a vitória judicial da Aldeia Maracanã. Durante as negociações, o governo se prontificou a trabalhar com a Aldeia com algumas considerações, a fim de manter o local como uma parte da herança indígena do Brasil. Incrivelmente, mas sem surpresa (outra das características do Rio é que você não fica surpreso por entrar em choque), os cérebros de confiança da Rio 2016 e do Governo do Estado anunciaram que os indígenas serão expulsos e o local transformado em um museu olímpico com todos os lucros resultantes destinados para o COI! Hein? Este é o mesmo grupo de heróis intelectuais que programaram a destruição de uma piscina olímpica e um centro de treinamento olímpico, a fim de preparar a cidade para os Jogos Olímpicos. Infelizmente, isto é claramente uma tentativa para transformar uma derrota em uma vitória judicial.

Esses paradigmas de competência em planejamento público também determinaram que as instalações construídas para os Jogos Panamericanos de 2007 são quase completamente inadequadas. Você sabe que a situação é terrível quando O Globo começa a criticar o R$1,6 bilhões, que terão de ser gasto em instalações de 2007 para torná-los viáveis para 2016. A saber: o velódromo está sendo destruído, o centro aquático só vai sediar o pólo aquático, enquanto um centro temporário de mergulho será construído no Forte de Copacabana (em primeiro lugar e melhor alguém se livrar dos maconheiros ricos), a arena de basquete será usada apenas para a ginástica e todas as outras instalações terão que passar por massivas modernizações. Claro, ainda não há um orçamento para os Jogos de 2016, e mesmo se houvesse, por que o público prestaria mais atenção nisto do que os próprios organizadores dos Jogos?

Uma série de incêndios ocorreram no Autódromo de Jacarepaguá, local do futuro Parque Olímpico. Mas enorme conflagrações de pneus descartados não são comuns. A fumaça tóxica se infiltrou na Vila Autódromo nas últimas semanas, criando risco para a saúde das pessoas e para o meio ambiente. Esta poderia ser mais uma manifestação das táticas de pressão utilizadas pelo governo para incentivar as pessoas a deixarem suas casas, ou pelo menos a reconsiderar a sua posição negocial. Quando não há incompetência grave na administração pública há uma provável malícia e vice-versa. Às vezes ambos.

Evidência para apoiar esta última afirmação veio do Largo do Tanque, onde esta semana uma série de remoções forçadas ocorreram com a corrida da prefeitura para completar o BRT Transcarioca antes da Copa do Mundo. Os relatórios do Tanque são tão perturbadores quanto são trágicos. Há evidências de que agentes da prefeitura estão negociando o preço das casas com os moradores com tratores ao redor das casas. Isto não é “chave a chave” a política ditada pela legislação brasileira e estatutos internacionais, mas sim uma abordagem dissimulada e divisionista para eliminar a resistência social às necessidades inventados para estas grandes intervenções urbanas. Alguns anos atrás, havia uma série de placas ao longo da Praia do Flamengo que enunciavam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essas placas, junto com os direitos, desapareceram na Maravilhosamente Especulativa Cidade.

A internação involuntária de viciados em crack e moradores de rua continuam de leste a sul do Rio de Janeiro. O programano Rio de internação forçada é amplamente criticada por profissionais de saúde, sendo um programa que não faz nada para resolver os problemas de saúde mental, dependência física ou as condições sociais que produzem um número tão grande de desabrigados no Rio de Janeiro. Há poucas investigações sobre as condições dos centros de internação, não há dados relatados de como as pessoas estão sendo mantidas, o que acontece com elas após a liberação ou sobre a eficácia do programa para diminuir o uso de crack. Embora possa ser uma expansão, as BRTs não são uma solução para os problemas de mobilidade no Rio assim como o programa de internação involuntária não é uma solução para o vício de drogas e para os sem-teto. Em ambos os casos, os direitos humanos são violados, enquanto estão sendo vendidos como necessários para a melhoria da cidade.

A estação de metrô General Osório inaugurada em 2010, trouxe o Metrô até Ipanema 35 anos após a sua inauguração. Na semana passada, a estação General Osório fechou suas portas por 10 meses para que a extensão da única linha de metrô no Estado possa começar. Só para ficar claro, há dois anos, a linha foi estendida até Ipanema com o pleno conhecimento de que ela teria que ser ampliada para o projeto de transporte Olímpico. Em vez de haver um planejamento da extensão sem a necessidade de fechar a estação os intelectos de primeira linha do Metrô Rio fecharam o sistema de túneis e, portanto, temos que pegar o trem onde a obra parou em 2010. Além da inconveniência do fechamento, as somas astronômicas de dinheiro e as pertubações urbanas da Linha 4 [sic] estão causando protestos e revolta mesmo entre os indigesto amantes do status quo no Leblon.

E, finalmente, o edital de propostas para a privatização do Maracanã foi lançado na segunda-feira. As empresas que estão em licitação para 35 anos de “concessão”, IMX e Lusoarenas, terão um mês para apresentar suas propostas e, em seguida, uma comissão composta de uma pessoa vai decidir em favor de uma ou da outra. Como a IMX foi o consultora externa que desenvolveu o estudo de viabilidade econômica, parece que Eike Batista será capaz de adicionar outro espaço emblemático do Rio de Janeiro no seu Banco Imobiliário. O bilionário, com a peruca de 10 dólares, ultimamente não tem tido muita sorte financeiramente, mas recentemente lhe foi concedido seu desejo de longo tempo de construir um centro de convenções de nove andares na Marina da Glória. A agência responsável pela proteção do patrimônio arquitetônico e cultural do Rio de Janeiro, IPHAN, mais uma vez surfou na onda de privatização. Não há provavelmente nenhum cartão no jogo Banco Imobiliário que represente o IPHAN ou IBAMA ou INEA (agências reguladoras ambientais), muito menos algo que poderia fazer um pagamento para um estudo de impacto ou ter que gastar dinheiro e tempo de consulta pública sobre o uso futuro do espaço público.

Nesta quinta-feira, 28/02/13, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas estará organizando um seminário que irá tratar do Maracanã em toda a sua complexidade simbólica, histórica, política e cultural. O seminário terá início às 14:00h, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, na Rua Araújo Porto Alegre, 71. Mais detalhes podem ser encontrados no site do Comite: www.comitepopularrio.wordpress.com