Chuva Vira Sinônimo de Medo, Mediante Ausência de Ações contra Mudanças Climáticas É #OQueDizemAsRedes

Casa que desabou em Nilópolis às margens do Rio Sarapuí. Foto: Divulgação PMN
Casa que desabou em Nilópolis às margens do Rio Sarapuí. Foto: Divulgação PMN

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Esta matéria faz parte da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela sobre eventos e temas que surgem na sociedade.

Temperaturas acima do normal, tempestades de proporções cada vez mais catastróficas. A injustiça socioambiental e seus efeitos atingem desproporcionalmente as favelas e escancaram o racismo ambiental, a negligência do Estado e a ausência de políticas públicas que tratem as mudanças climáticas, sobretudo nas favelas, com a devida urgência. São problemas crônicos: todo verão há enchentes, deslizamentos, pessoas desabrigadas, desaparecidas e mortas. E o grande responsável por isso tudo não é o clima, tampouco as mudanças climáticas, mas o Estado brasileiro e sua inércia estrutural com relação à proteção da vida nas favelas.

O alerta de tempestades com precipitações de 300 a 500 mm, emitido pelas autoridades do Rio de Janeiro na última semana, gerou um clima de apreensão na população. A previsão de chuva forte resgatou traumas e despertou medos que viraram rotina nas últimas décadas. Infelizmente, este temor se materializou e a população fluminense, mais uma vez, se viu impotente frente a um Estado cuja única política ambiental para os territórios é a necropolítica.

O Grande Rio, a Baixada Fluminense e a Região Serrana, como de costume, sofreram muito com as chuvas. De acordo com o painel de monitoramento do governo do estado, nas últimas horas, Petrópolis registrou 391,8 mm, Maricá 224 mm, e a cidade do Rio 223,6 mm. No Noroeste e no Norte fluminense, no entanto, a situação não é menos grave, quatro dos principais rios dessas áreas transbordaram e colocaram em risco as vidas de milhões de fluminenses. No total, nove pessoas morreram e quase 600 estão desabrigadas no estado do Rio de Janeiro. Novamente, as redes sociais foram canais utilizados por cidadãos e coletivos para auxiliar e organizar os moradores, repercutir o que aconteceu e pedir soluções ao poder público.

Água em Dobro

Além do alerta emitido na sexta-feira (22), a prefeitura do Rio e o governo do estado decretaram ponto facultativo e suspenderam as aulas nas redes públicas. Contudo, a maior preocupação, de acordo com o Governador Cláudio Castro, era com as cidades de Petrópolis e Magé, que foram classificadas com risco muito alto de alagamentos e escorregamentos pelos meteorologistas.

A cidade de Petrópolis recebeu o dobro do volume de chuva que estava previsto. Somente em quatro horas caíram 125 milímetros de água, o esperado era 51 milímetros.

Além das enchentes, houve diversos deslizamentos de terra que destruíram casas e mataram quatro pessoas soterradas. Entre quinta (21) e sábado (23), foram contabilizados um total de 238 deslizamentos. Mediante a essa nova onda de devastação causada pelas chuvas deste fim de semana, grupos da sociedade civil resolveram doar itens que serão distribuídos.

Vale lembrar que, em 2022, Petrópolis viveu a maior tragédia climática de sua história, quando 234 pessoas morreram e 4.000 ficaram desabrigadas. Um ano após este triste episódio (2023), a prefeitura do município da região serrana havia gasto apenas 15% do valor aprovado para projetos de habitação e ações preventivas nas áreas de risco mapeadas na cidade.

Tal como a Região Serrana, a Baixada Fluminense é historicamente muito atingida com as fortes chuvas. Por isso, as prefeituras da região também optaram pela precaução, suspenderam atividades e recomendaram que os cidadãos ficassem em casa durante as tempestades.

Uma das localidades mais atingidas na última grande chuva, no final de janeiro de 2024, Nova Iguaçu felizmente não registrou mortes desta vez, apesar da chuva intensa.

No entanto, apesar de não ter havido mortes, muitas ruas e casas ficaram alagadas em meio à tempestade.

Na divisa entre as cidades de Nilópolis e Mesquita, entre os bairros de Nossa Senhora de Fátima e Chatuba, às margens do Rio Sarapuí, o desabamento de uma casa que deixou três pessoas feridas. Uma delas morreu no hospital, horas depois do socorro. O entregador de app e assessor da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Saulo Benicio, relatou o ocorrido em suas redes.

Já em Belford Roxo, outra cidade da Baixada, a ventania foi tanta que o teto de alumínio de uma casa foi arrancado e lançado por cima da fiação.

Em Duque de Caxias, bairros que ficaram submersos na última grande tempestade, há dois meses, encontraram-se, mais uma vez, embaixo d’água. Essa foi a situação dos moradores de Vila Urussaí, situada no distrito de Saracuruna.

No maior conjunto de favelas da Baixada Fluminense, o Complexo da Mangueirinha, moradores tiveram que ser resgatados pelo Corpo de Bombeiros em barcos e há relatos de diversas pessoas desabrigadas na comunidade graças às enchentes.

Norte e Noroeste do Estado

No Norte e Noroeste do estado do Rio de Janeiro, as chuvas causaram o transbordamento dos principais rios região: Itabapoana, Muriaé e São Pedro.

A cidade de Macaé registrou 150 mm de água na área urbana e 380 milímetros em sua região serrana, mais que o esperado para o mês inteiro.

Em outra postagem, a mesma página publicou a gravação de um morador do Frade, na Região Serrana de Macaé, onde é filmado o momento em que uma ponte é submergida pelo rio que passa no local. De acordo com os relatos do morador que gravou o vídeo, é possível ouvir o som de pedras sendo arrastadas pela força das águas da tempestade.

O transbordamento dos rios na serra fez com que as cidades ao longo do leito destes rios sofressem inundações. É o que aconteceu com diversas áreas de Campos dos Goytacazes.

E também de Itaperuna, onde não era possível ver as ruas do distrito de Raposo, pois as vias se transformaram em rios. 

Organizações Exigem Medidas

Mediante o alerta de chuvas extremas emitido pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 35 organizações e coletivos protocolaram, no mesmo dia do anúncio, um ofício recomendando cinco ações emergenciais às autoridades do Rio de Janeiro. Entre as organizações envolvidas está a Casa Fluminense, que luta pela igualdade e aprofundamento democrático no Grande Rio.

“É um pedido de socorro das nossas favelas, bairros e cidades do Rio de Janeiro, que se movimentam em busca de soluções diante da previsão de tempo para o final de semana.” — Larissa Amorim, diretora da Casa Fluminense

As cinco ações imediatas exigidas são:

  1. Cancelar aulas nas instituições de ensino em territórios atingidos e adotar o trabalho híbrido ou remoto para servidores que residam em áreas de risco, orientando o setor privado a adotar a mesma medida;
  2. Disponibilizar transporte para deslocamento até os locais de abrigamento;
  3. Utilizar os canais de comunicação do governo do estado e da rede de transmissão de rádio e televisão para alertar a população dos riscos e dar orientações sobre o que fazer em caso de tragédia;
  4. Instalar um comitê de gestão de crise e acompanhamento dos impactos das chuvas com participação da sociedade civil;
  5. Dar reforço às ações, estrutura e efetivo da Defesa Civil durante o período de alerta (disponibilização do Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e Polícia Civil para dar suporte às operações de auxílio à população).

Destas, somente duas foram implementadas: o ponto facultativo e a utilização massiva dos meios de comunicação públicos e privados para comunicar o potencial destrutivo da chuva e pedir que as pessoas ficassem em casa ou em pontos seguros. Apesar de simples e baratas, as outras soluções não foram postas em prática pelo Estado. É necessário que fique entendido que há orçamento para medidas preventivas, mas que a ausência de vontade política das autoridades, fruto do racismo ambiental com relação às favelas, é a principal responsável pelas tragédias socioambientais que vitimam centenas de milhares brasileiros todos os anos no verão.

Sobre o autor: Euro Mascarenhas Filho é jornalista, colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação, comunicador popular, e autor do programa de podcast Antena Aberta.


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