
4 de novembro de 2025—O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, como o Presidente Lula, acaba de ser reconhecido pela revista TIME como um de 100 líderes climáticos. Atualmente, a cidade do Rio recebe a C40, Cúpula Mundial de Prefeitos, na semana antes do Brasil sediar a COP30, Conferência do Clima, em Belém.
“Ciente de sua responsabilidade… [como] um importante centro de discussões climáticas, em conjunto com Belém”, como a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) tem divulgado por email, a cidade está, atualmente, sediando o Diálogos Locais, The Earthshot Prize, a Plenária Anual do Fórum de Cidades Amazônicas e as Missões de Transições Urbanas.
O Diálogos Locais está sendo realizado pela SMAC, segundo seu release, para “mostrar ao mundo que o Rio de Janeiro é uma cidade de ação climática, de participação popular e de inovação”, entre outros objetivos. Enquanto isso, ontem, 3 de novembro, o prefeito recebeu o futuro rei da Inglaterra, Príncipe William: “É a primeira vez que o Earthshot Prize, o ‘Oscar da Sustentabilidade’, acontece na América Latina e o Rio foi a cidade escolhida para ser palco do evento”, comemora no Instagram.
No entanto, uma revolução verde na Mata Atlântica carioca, fruto de políticas públicas visionárias e estabelecidas, em curso no Rio de Janeiro há quatro décadas, está neste mesmo momento sofrendo nas mãos desta mesma Prefeitura.
O Determinado e Determinante, Notável ‘Programa Mutirão Reflorestamento’
Há 40 anos, em 1984, foi iniciado o Programa Mutirão Reflorestamento (PMR). Talvez a política ambiental e de mitigação climática de maior impacto e duradoura do município, hoje é pouco comentada na mídia, apesar de (ou talvez por) ter se tornado tão fundamental à identidade verde da cidade, que se vangloria como tendo “a maior floresta urbana do planeta”. Implementado por moradores qualificados de favelas, orientados por engenheiros florestais e agrônomos da SMAC, o programa recupera áreas de encostas e manguezais, sendo o responsável pelo plantio de cerca de 3400 hectares até 2019, segundo o relatório “33 anos Plantando Florestas no Rio de Janeiro”.
De acordo com o relatório, o Programa Mutirão Reflorestamento até então havia plantado 10 milhões de mudas no Rio de Janeiro, proporcionando o reflorestamento e a recuperação do ecossistema original da Mata Atlântica e ajudando a manter o solo vivo e fértil com a presença de animais e camada de húmus, além das gramíneas, o que diminui a incidência de incêndios.
Infelizmente, isso tudo corre risco de acabar. O PMR vive um cenário de dúvidas e incertezas a partir dos cortes de verbas que começaram há 9 anos, mas têm se intensificado justamente com o agravamento da emergência climática. Em 2025, ano da COP30, a Prefeitura do Rio de Janeiro diminuiu em 40% o orçamento da SMAC, de R$164 milhões em 2024 para R$99 milhões para em 2025.
Hoje esquecido, e consequentemente um alvo fácil para desmonte, em suas primeiras décadas o Programa Mutirão Reflorestamento foi “premiado no Brasil e no exterior… selecionado pelo Projeto Megacidades, da ONU… escolhido como uma das 100 Experiências Brasileiras de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21,… e como um dos 20 melhores projetos no Concurso Gestão Pública e Cidadania, da Fundação Getulio Vargas/Fundação Ford”, entre outros, segundo uma página antiga do programa.
Mas o PMR se torna ainda mais relevante neste momento, sob a ótica da mitigação e adaptação climática, foco dos encontros atuais da Prefeitura e do Brasil. No contexto da emergência climática, os maiores riscos que a população do Rio de Janeiro enfrenta, sobretudo moradores de favelas e outros grupos que vivem em situação de vulnerabilidade social, são: inundações e deslizamentos, crises hídricas, ondas de calor e incêndios urbanos. Todos mitigados pelo programa.
Há décadas, o Programa Mutirão Reflorestamento da Prefeitura do Rio protege as encostas com a estabilização do solo e com o ancoramento da terra nas raízes. Facilita a infiltração da água no subsolo, o que reduz os riscos de deslizamentos e erosão nas encostas. Sem contar que quanto mais árvores plantadas, há uma redução na temperatura e aumento da qualidade do ar e absorção dos gases do efeito estufa, elemento central gerador da crise climática.
Retratos e Visões de Quem Faz
Através do Programa Mutirão Reflorestamento, centenas de moradores de favelas fronteiriças com áreas degradas foram capacitados, transformando-se em reflorestadores, fortalecendo sua vocação e desenvolvendo carreiras de profundo comprometimento e competência para com a preservação ambiental e mitigação de riscos climáticos na cidade.
Denise Vieira, educadora ambiental treinada pelo Programa de Educação em Áreas de Reflorestamento (PEAR), uma vertente do PMR e bolsista desde 1987 no Morro do Salgueiro, de onde é cria, mostra sua dedicação e explica como reflorestar a partir das favelas que fazem contato com a floresta proporciona segurança para a população, controla o desmatamento, promove a inclusão e aumenta o bem-estar.
“A gente acorda no mato e dorme no mato [de tão dedicados]. [Gera] essa qualidade de vida [de uma comunidade rodeada por verde] que a gente não vai abrir mão. As pessoas [da comunidade] acabam não desmatando, porque a gente virou guardião da floresta. A gente tá ali em cima, tá de olho. Orienta[mos] para não construir porque pode vir algum órgão da Prefeitura para demolir. [A gente] acaba sendo uma defesa para não ter esse crescimento desordenado na comunidade. Nós respiramos isso [esse trabalho].” – Denise Vieira

Álvaro Silva, ex-agente do PMR, conta que, após 20 anos das ações de recuperação no Morro de Salgueiro, Formiga e Borel, a rotina de deslizamentos deixou de existir.
“Morreu muita gente [no deslizamento de 1969], rolava pedra, barro, tudo. As pessoas por dentro do rio e tudo mais. Mas esse reflorestamento, com essas espécies que foram colocadas… conteve esse solo para evitar [mais] deslizamento[s]. O trabalho de reflorestamento no Morro do Salgueiro, Morro da Formiga e Borel é fantástico. A gente ouve muitas histórias do passado de deslizamento, desmoronamento, de muito lixo chegando ali embaixo na rua. Mas depois de toda essa proteção vegetal, reduziu bastante nos últimos dez, vinte anos.” — Álvaro Silva

Atuando de forma coadjuvante com o Programa Mutirão Reflorestamento, existem também o Programa Educativo em Áreas de Reflorestamento (PEAR)—um braço educativo do PMR junto as comunidades—e o Hortas Cariocas, que incentiva hortas comunitárias em espaços ociosos.
Geiza de Andrade, agente ambiental do PEAR desde 2001, descreve algumas das ações de educação ambiental desenvolvidas por ela em sua comunidade, Vila Kennedy, onde atua também em conexão com o Parque Estadual da Pedra Branca.
“Eu faço oficinas [como] de escalda-pés e de sabão ecológico… A gente foi numa creche e [mobiliou] uma sala [puff, sofazinho e mesa] só com caixas de leite e papelão. A gente sempre vê o que tá sendo desperdiçado para poder usar. Através das nossas oficinas de artesanato, muitas mulheres hoje ganham renda vendendo sabão, fazendo cestinha, fazendo ornamentação de festa, fazendo flores.” — Geiza de Andrade

Além do Salgueiro, Formiga, Borel e Vila Kennedy, o Programa Mutirão Reflorestamento já capacitou lideranças ambientais em dezenas de outras favelas que beiram a floresta, as mais famosas sendo Babilônia, Vidigal e Rocinha. A economia verde nestas comunidades também é fruto do PMR.
E são lideranças de fato. Como Geiza compartilha, o trabalho dos agentes ambientais vai além do objetivo de recuperar a natureza: ele forma lideranças no tema, pessoas qualificadas, espalhadas por áreas vulnerabilizadas da cidade, que se tornam referências essenciais em uma cidade sofrendo com impactos climáticos.
“O agente ambiental de hoje não é só o agente do reflorestamento. É uma liderança comunitária, mobilizador, porque todo mundo que quer alguma [informação no tema], enxerga você como referência.” — Geiza de Andrade

De repente, com os cortes deste ano, pela primeira vez em mais de quatro décadas, os frutos deste trabalho correm risco de serem perdidos.
Álvaro comenta que a SMAC justifica a diminuição de verbas afirmando como concluído o trabalho em áreas já recuperadas, e que, por esse motivo, não necessita de continuar recebendo tantos investimentos.
“A gente [sociedade] tá falando tanto da questão ambiental, estão acontecendo tantos eventos, G20, COP30, isso e aquilo. Aí você vê a Secretaria [Municipal de Meio Ambiente e Clima] chegar desvalorizando [esse trabalho], dizendo que é uma área em ‘manutenção’ [ e que por isso não precisa destinar recursos] e na verdade não é isso. Incêndios [combustões espontâneas] podem acabar com essa floresta inteira [em um instante]. É um absurdo. Tem que estar replantando sempre, gente. Não tem esse negócio de ‘manutenção’… Se parar esse projeto, começa a correr o risco [dos deslizamentos históricos] voltarem a acontecer.” – Álvaro Silva
Denise Vieira, que até este ano recebia sua bolsa pelo programa desde 1987, sem falta, descreve a situação.
“O [Programa Mutirão Reflorestamento] é orçado para 12 meses, mas foi avisado em agosto que ia acabar, que ‘setembro vai entrar a última bolsa’. Depois descobri que recuaram e ficou só com uma parte da equipe. Agora perto da COP30 eles disseram que não têm dinheiro. ‘A [Secretaria de] Fazenda está com problema de recurso, não tem recurso para pagar.’ É o que eles falam. [Só que] na hora de apresentar os projetos [para o mundo], a SMAC afirma que ‘nós temos [muitas] frentes [de trabalho],… o projeto tá acontecendo’.” — Denise Vieira
Geiza, que sofre a redução de sua bolsa após anos, não deixa de manter o seu compromisso com os moradores da Vila Kennedy que dependem de sua atuação.
“Eu faço algumas oficinas… [comprando] materiais do meu bolso, com meu dinheiro mesmo… Tá chegando no ponto que não tem mais como eu ficar bancando…” — Geiza de Andrade
Denise continua, relatando as mudanças no quadro ao longo dos anos, mas que se intensificou em particular neste ano de 2025, deixando ela sem bolsa.
“No Centro de Educação Ambiental cortaram o quadro de pessoas pela metade… Tem projeto [de reflorestamento] que quando iniciou, no ano 2000, tinha 24 pessoas numa equipe, e agora só tem seis. Esse ano a bolsa que a gente recebia no dia 15 de cada mês, [passamos a receber] no outro mês,… [ou] ‘sem previsão de pagamento’. Aí o pagamento cai no mês seguinte, praticamente um mês de atraso, uma coisa que não acontecia [antes]… Uma colega tem três meses que não recebe. Além disso, a bolsa de R$1.000 passou para R$700.” — Denise Vieira

Alerta: Importante Não Confundir os Programas
Não devem ser sacrificados o robusto Programa Mutirão Reflorestamento e seus aliados (PEAR e Hortas Cariocas), com suas longas e mensuráveis trajetórias, por confundir com os novos projetos de aparentes fins eleitoreiros, lançados pela SMAC em 2023 com nomes que se assemelham: o Guardiãs da Mata, Cada Favela uma Floresta e Refloresta Rio.
Anteriormente, o “Guardiões dos Rios entrou em ano de eleição,… ficou um tempo, aí depois que acabou a eleição, mandaram todo mundo embora”. Para esta última eleição, aumentaram as equipes dos Guardiões dos Rios e das Matas e logo depois começaram a fechar muitas frentes. “A gestão atual criou estes programas [o Reflorestando Rio, Cada Favela uma Floresta e Guardiãs das Matas] que até hoje a gente não sabe o que fazem. O projeto Guardiãs das Matas é [justificado como] uma ponte entre a comunidade e o poder público. Ora, mas isso não é [a função do Programa Educativo em Áreas de Reflorestamento, que já existe]?”*
Ainda outra fonte de confusão é que hoje o Programa Mutirão Reflorestamento está inserido em mais um programa chamado Refloresta Rio. Enquanto a Prefeitura dá a entender que se trata de uma continuidade do PMR, o Refloresta Rio tem uma segunda gerência que executa reflorestamentos através de medidas compensatórias, recursos podendo ser passados do PMR para tal gerência. E no lugar de centralizar os agentes de favelas comprometidos com o reflorestamento, a prevenção da ocupação desordenada e a realização de ações de educação ambiental enraizadas na comunidade, vemos recursos sendo aplicados em testes com “drones semeadores”, por exemplo.
Conclusão
Apesar de seus impactos demonstráveis, bem registrados e duradouros, alcançados pelo trabalho de seus moradores reflorestadores, o Programa Mutirão Reflorestamento está perigosamente prejudicado pela mesma Prefeitura que está promovendo uma série de atividades que se dizem de enfrentamento à emergência climática, frente à COP30 e visita dos prefeitos do mundo durante a reunião da C40. Se não for revertida para honrar a coerência entre o que a atual prefeitura promove e realiza, essa divergência só pode ser vista como mais uma investida de marketing, esvaziada de intenção, característica da Cidade Pra Inglês Ver.
Neste mês da COP30 no Brasil, entrando no período pré-eleitoral, e com os impactos climáticos só crescendo de ano em ano (principalmente em favelas), a Prefeitura deveria estar fortalecendo soluções que já provaram seu valor, até se não fosse considerar o fato também crucial que as ações bem-sucedidas são realizadas por moradores de favelas—as comunidades mais vulnerabilizadas em relação às mudanças do clima.
Atualmente, a cidade caminha na contramão da própria agenda, ignorando o conhecimento construído por estes programas e seus profissionais—nas comunidades e na Prefeitura—atuantes há décadas no resgate ambiental da nossa Cidade Maravilhosa.
Investimentos como estes salvam e melhoram muitas vidas, além de ajudar a preservar o futuro de um planeta cada vez mais próximo de um devastador e definitivo “não retorno”, quando os efeitos das mudanças climáticas se tornarão irreversíveis.
“A gente respira isso [recuperação ambiental]. A gente acorda no mato e dorme no mato e dessa qualidade de vida a gente não vai abrir mão. Entendeu? Tem muita gente que vislumbra outras coisas, mas a gente não. Essa melhoria de qualidade de vida, não é só pras favelas, porque quando a gente planta inúmeras árvores, a gente tá produzindo oxigênio para o mundo inteiro… A Amazônia é o pulmão do mundo, né? Mas as comunidades fazem parte desse pulmão também.” — Denise Vieira
Se quisermos dar a virada necessária pelo clima, as favelas precisam estar no centro das decisões, do nível local, regional, nacional ao internacional. E, dada a importância de suas favelas no imaginário mundial, o Rio de Janeiro poderia—e deveria—se tornar um modelo nesse sentido.
*Visando sua segurança, o nome deste entrevistado não foi incluído na matéria.
