De pé na porta de sua casa, no coração de Indiana, uma pequena favela no sopé do Morro do Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio, Dona Maria Alves dos Santos, 82 anos, nos conta que a ameaça de remoção não é novidade para dela. Ela diz: “Desde que vim morar aqui dizem que vai sair, mas nunca saiu”. Moradora de Indiana desde seu início há 50 anos, Dona Maria conta a história de como expandiu sua casa, mantida impecavelmente, ao longo dos anos e criou seus oito filhos e netos na favela. “Eu gosto da minha casinha”, diz ela baixinho, com lágrimas nos olhos.
Indiana foi fundada em 1957 por Dona Amélia Igdorne e sua família. Parentes e amigos vindos do Norte e Nordeste vieram em seguida construir na área em que Dona Amélia tinha sido autorizada a construir seu barraco. Originalmente conhecida como Irmãos Coragem, a comunidade passou a ser chamada de Indiana e se desenvolveu com quase nenhuma intervenção governamental ao longo de cinco décadas, tornando-se o lar de mais de 600 famílias. Embora murmurinhos de uma possível remoção tenham ocorrido ao longo das décadas, nos últimos cinco anos, e particularmente, a partir de janeiro de 2012, a comunidade tem sido alvo de uma campanha divisória de expulsão.
Em junho de 2009, o então Secretário Municipal de Habitação, Jorge Bittar, anunciou a remoção completa de Indiana para limpar os 13.754 metros quadrados de área às margens do Rio Maracanã que seria então urbanizada e transformada em uma praça. Os moradores seriam transferidos para casas do Minha Casa Minha Vida que seriam construídas na região. Em declarações ao jornal Extra na época, Bittar disse: “O que garante que dessa vez a remoção da Indiana saia do papel é que temos recursos em abundância”. Ele passou a citar um acordo com a Associação de Moradores para que a remoção fosse levada em frente.
Seis meses depois, em janeiro de 2010, a Prefeitura do Rio anunciou a remoção de um total de 119 comunidades, incluindo Indiana, até o final de 2012. Porém nos meses seguintes, funcionários da Prefeitura visitaram a comunidade, tirando fotos e entrando em casas, informando aos moradores que estas vistorias eram para a implementação de obras de modernização na comunidade.
Mas foi só em janeiro de 2012 que Jorge Bittar visitou Indiana para realizar uma reunião, onde a Prefeitura se comunicou diretamente com os moradores a respeito da remoção. Recordando a reunião, Maria do Socorro, 47 anos, moradora de Indiana há 41 anos, e liderança na campanha para que a comunidade permaneça no local, disse: “Ele disse que tinha o projeto do Bairro Carioca, mostrou, disse que fica em Triagem, e que quem quisesse podia ir para lá ver, que eles disponibilizavam ônibus, van e kombi para os moradores irem lá ver. Ele falou que estava aqui para priorizar os moradores da beira do rio, que para ele era área de risco, mas quem quisesse ir, podia ir”.
Ao contrário do que foi anunciado em 2009, de que a remoção seria de toda a comunidade para um condomínio nos arredores da favela, a proposta de Bittar para a comunidade em 2012 foi de apartamentos a dez quilômetros de distância e para quem quisesse aceitar. Não havia nenhum projeto habitacional sendo apresentado para a área de onde casas seriam removidas. De acordo com Maria do Socorro, o Bittar ter dito que qualquer um poderia obter um apartamento e não restringir a questão da remoção para aqueles vivendo em habitação precária causou grande tumulto na favela. “Eles já jogaram aquela semente de maldade ali”, diz ela.
Duas semanas após a visita de Bittar, representantes da Prefeitura foram à comunidade pressionar individualmente os moradores a aceitar os apartamentos alegando que suas casas seriam demolidas. O anúncio e a subsequente pressão criou pânico entre os moradores de longa data, com os laços comunitários e residências consolidadas, muitas delas com três andares e um terraço no telhado, em uma área designada de baixo risco pela própria equipe da Prefeitura da Geo-Rio. Os moradores procuraram a Pastoral das Favelas, estabeleceram uma comissão de moradores e foram para o escritório da Defensoria Pública questionar a legalidade das ações da Prefeitura e montar um processo judicial. Enquanto isso, entre março e outubro de 2012, 110 famílias foram removidas da Indiana, a maioria delas para apartamentos do Bairro Carioca.
Em dezembro de 2012, após uma audiência judicial em que a Prefeitura não conseguiu apresentar um projeto justificando as remoções na Indiana, uma ordem judicial foi emitida considerando a intervenção da Prefeitura uma violação dos requisitos de planejamento participativo do Plano Diretor da Cidade, proibindo mais demolições e ordenando a Prefeitura a retirar os escombros das casas já demolidas.
Apesar desta ter sido uma vitória para a comunidade, a ordem judicial foi posteriormente utilizada pela Prefeitura como motivo para não entregar apartamentos do Bairro Carioca para moradores que queriam se mudar. Maria do Socorro explica: “Eles começaram a usar a liminar contra os moradores, bota morador contra morador e até hoje é essa luta aqui”.
Na verdade, a Prefeitura foi proibida de entregar apartamentos do Bairro Carioca até que as obras de dragagem do Canal do Cunha, que inundou os apartamentos em março 2013, fossem concluídas. Usar a ordem judicial como razão para a não entrega dos apartamentos só pode ser interpretada como uma tentativa intencional de criar divisões corrosivas dentro da comunidade.
Segundo o Dossiê de 2013 do Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas, 120 famílias aguardam por apartamentos e 397 famílias lutam para permanecer na comunidade. As tensões aumentaram entre os dois grupos porque aqueles que aguardam pelos apartamentos acreditam que aqueles que lutam para ficar são responsáveis por privá-los de uma nova casa, apesar das tentativas do segundo grupo de esclarecer que não são esses os fatos.
A comissão de moradores daqueles que queriam permanecer montou uma campanha de resistência se comunicando com a imprensa internacional, trabalhando com o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro para criar um cadastro com fins de titulação, procurando políticos nos níveis municipal, estadual e federal, e ativamente trabalhando com redes em toda a cidade, tais como o Favela Não Se Cala e o Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas. Foi como resultado deste trabalho, e consequência dos protestos massivos em junho de 2013, que Maria do Socorro foi convidada, juntamente com outros ativistas da comunidade e do Comitê Popular, para uma reunião com o Prefeito Eduardo Paes, em agosto, em que o Prefeito negou a ordem de remoção de Indiana.
No mesmo mês, Paes visitou Indiana e fez um discurso em que ele repetiu várias vezes que nunca foi sua intenção remover Indiana (contradizendo anúncios de seu governo, entre 2009 e 2012) e pedindo desculpas pela falta de transparência e de comunicação. Ele negou a especulação imobiliária que os moradores acreditam ser o verdadeiro motivo por trás da remoção, pediu o fim da hostilidade entre os dois grupos de moradores e prometeu que “a partir de agora a agonia vai acabar”.
No entanto, a agonia continuou porque nenhum avanço foi feito e os conflitos continuaram até o ponto em que, durante uma visita da Prefeitura, em dezembro de 2013, para negociar com a comunidade, uma mulher que não vive na comunidade, mas quer solicitar um apartamento como se fosse moradora, atacou Maria do Socorro.
A situação atual é de caos, incerteza e conflito. Desde 2012, a comissão de moradores pede que as propriedades desocupadas por aqueles que se mudaram para Triagem sejam disponibilizadas para aqueles que vivem em moradias precárias nas margens do rio. No entanto, a Prefeitura quer demolir as propriedades desocupadas, o que em uma comunidade densamente construída, iria colocar em risco as estruturas adjacentes e causar problemas de saúde para os moradores existentes. Para complicar ainda mais, as propriedades desocupadas por aqueles que receberam apartamentos em Triagem são em grande parte ocupadas por recém-chegados de fora da favela ou estão sendo alugadas ilegalmente por seus antigos proprietários.
Para os moradores de longa data da comunidade, muitos deles idosos, o desejo é simplesmente de ser deixado em paz. Cícera Gaspar Silva, de 59 anos, mora em Indiana há 30 anos e fala o quanto ela ama a favela: “Minha comunidade é a minha família”. Ela foi ver os apartamentos do Bairro Carioca (“Só de olhar não gostei”) e não pensa em sair de Indiana. Ela diz: “Gostaria de pedir a Prefeitura que nos deixe em paz, porque não adianta nada ele querer que as pessoas vão para lá, onde muitos não se sentem bem”.
Maria do Socorro, uma senhora pequena, que fala rápido e tem um olhar de determinação, tem sido militante em seu ativismo para permanecer na comunidade em que ela vive desde os 6 anos de idade. Durante esse período ela foi agredida fisicamente e ameaçada de morte. Apesar disso, ela continua empenhada, não só para garantir a permanência da comunidade, mas para garantir os investimentos públicos e melhorias na comunidade.
Maria do Socorro e todos os outros moradores entrevistados falam sobre o quão agradável e bem localizada é a comunidade. Maria do Socorro conta a história de como ela costumava viver em um barraco e de sua luta para construir o que é hoje sua casa de três andares. Falando em sua sala de estar aconchegante, do Socorro explica que por estas e outras razões, ela não contempla sair de Indiana. Ela diz: “Eu quero continuar minha vida aqui, ficar velhinha, porque tirar uma pessoa de uma favela onde ela mora 40, 50 anos é como pegar uma árvore e cortar ela pela raiz. Me tirar daqui é me tirar da minha raiz. É me matar”.
Neste tempo de contínua incerteza e conflitos, os pedidos de Maria para a Prefeitura são simples: “Peço para esse Prefeito que eles nos deixam em paz, pelo amor do deus. Que qualquer Prefeito que esteja na sua gestão procure as favelas para ajudar aquele povo sofrido que vota neles para fazer melhorias na favela, um trabalho digno. Se uma favela está em risco bota obras de contenção. Nunca aconteceu nada aqui em Indiana, você acha que todo mundo tem que sair daqui?”.
Se a Prefeitura ainda pretende remover toda a comunidade, como dito originalmente e repetidamente, não está claro. A intenção de demolir casas sólidas em vez de torná-las disponíveis para os moradores de moradias precárias que querem ficar na comunidade levanta questões, assim como a falta de informação para todos os moradores. Só uma coisa é clara e une todos os moradores–aqueles comprometidos com a permanência e aqueles que querem se mudar: um estado crônico de incerteza.