Em 2009, o novo programa habitacional federal Minha Casa Minha Vida (MCMV) redirecionou recursos para habitação e desenvolvimento urbano local no Brasil, visando a construção em massa de unidades habitacionais públicas. Apenas cinco anos depois, aproximadamente dois milhões de unidades foram construídas em todo país, e o programa vem recebendo tanto severas críticas como grandes elogios. Na véspera das eleições, promessas de expansão do Minha Casa Minha Vida são generalizadas, com os três principais candidatos à presidência prometendo expandir o programa.
Na sua incepção, o MCMV oferecia novos mecanismos financeiros para moradia de famílias de baixa-renda através de subsídios para as construtoras do setor privado, que ficariam responsáveis por projetar e construir as casas. Sob este modelo, o governo federal buscou conquistar o objetivo duplo de reduzir o déficit habitacional (estimado em 7.2 milhões de unidades em 2009) e estimular a economia através do setor da construção civil. A Caixa Econômica Federal foi responsável pela definição das condições mínimas de desenho arquitetônico, qualidade de construção assim como administrar o programa. No seu desenho, o MCMV assemelha-se a outros projetos habitacionais de grande escala realizados na América Latina, em países como Chile ou México, sob reformas econômicas que visavam devolver responsabilidades estatais para o setor privado.
MCMV no Rio de Janeiro
De acordo com a Caixa, 66.270 unidades habitacionais foram contratadas sob o programa MCMV no Rio de Janeiro. Deste total, aproximadamente metade (33.363) foi destinado para famílias do Faixa 1, o grupo com menor renda possível elegível, para famílias que ganham até três salários mínimos ou menos de R$1600 por mês. De acordo com oficiais do município, um mínimo de R$75.000 é gasto em cada unidade habitacional construída sob o programa MCMV, totalizando, até agora, no mínimo um total de R$5 bilhões em despesas no Rio. O foco na construção de moradias vem tirando a atenção de outras abordagens mais efetivas para responder ao desafio da habitação e desenvolvimento urbano em relação à população de baixa-renda, como o inovador programa Morar Carioca, que prometia urbanizar todas as favelas do Rio de Janeiro até 2020 por meio de infraestrutura física e social mas que acabou sendo implementado de forma equivocada e abandonado.
Pela grande escala do programa–tanto no Rio quanto em todo o Brasil–muitos membros do governo e da indústria da construção civil estão ansiosos para declarar o MCMV um sucesso. É importante avaliar a eficácia do modelo financeiro do MCMV e considerar a redução no déficit habitacional, porém grandes preocupações qualitativas foram levantadas em relação a localização e qualidade das unidades habitacionais, assim como as experiências vividas pelas famílias de baixa renda que foram reassentadas.
Deficiências e Desvantagens do Programa
Como ilustrado no mapa abaixo, a maioria dos projetos habitacionais do MCMV no Rio (especialmente aqueles para famílias da Faixa 1) foram construídos na Zona Oeste, frequentemente duas horas dos centros de oportunidades de trabalho e serviços importantes ou conveniências. O resultado geográfico de casas públicas no Rio é similar àqueles oferecidos por outros países que implementaram esse modelo de habitação. Apesar do Rio ser conhecido pela proximidade entre suas favelas com moradia à preço acessível em relação às áreas centrais da cidade, agora, com a aquisição do terreno e o planejamento deixados para o setor de construção privada, a terra mais barata na periferia é automaticamente selecionada. Desde a década de 1980 quando programas deste tipo e porte começaram a ser implementados em Santiago do Chile, a falta de planejamento compreensivo criou homogêneos e isolados guetos de pobreza, que levaram o governo a demolir, em 2013, vários projetos habitacionais falhados do programa Segunda Oportunidade.
Moradia em local isolado traz dezenas de efeitos negativos para seus moradores. Em relação ao trabalho, duas a três horas de viagem tornam difícil, se não impossível, o acesso ou preservação de um emprego localizado no centro da cidade. Uma pesquisa feita por Vicente Netto mostra que grandes distâncias têm efeitos negativos nas relações sociais e familiares de famílias de baixa renda. O isolamento social típico de moradias verticais afeta particularmente os idosos. Além disso, os locais remotos e a falta de serviços públicos criaram condições que permitiram o estabelecimento de grupos de milícia que afirmaram seu poder em vários condomínios. Em agosto, uma grande milícia foi descoberta na Zona Oeste. Ela controlava mais de 1600 unidades do MCMV na área. Essas milícias não só criam uma cultura de violência e medo, mas também cobram ilegalmente taxas dos moradores, pela água, eletricidade e outros serviços básicos, colocando uma tensão adicional em orçamentos familiares já limitados. Assumindo ainda mais controle, as milícias são conhecidas por negar aos moradores o direito de participar do processo político durante as eleições.
Atenção também tem sido dada para a baixa qualidade de construção dos apartamentos do MCMV. Moradores frequentemente encontram rachaduras, pintura descascada, encanamento defeituoso e inundações em suas casas. No caso famoso do condomínio Zilda Arns, R$19 milhões investidos em novas residências foram perdidos: tiveram que demolir o que já havia sido feito devido a enormes rachaduras na estrutura. Em muitos casos, os moradores denunciam os problemas com poucos meses de moradia, o que não parece nada bom para a durabilidade das unidades. Devido à falta de envolvimento do governo no processo, a culpa é geralmente passada para a CAIXA por prover fiscalização insuficiente nos projetos e para as construtoras por tomarem atalhos ou precauções insuficientes no processo de construção.
Grande parte dos problemas adicionais do programa é resultado de suas regras estritas. Moradores geralmente vem do ambiente altamente flexível das favelas, onde são aptos a remodelar suas casas com o nascimento de um bebê ou com o casamento de um filho adulto. Eles estavam acostumados a se re-erguir financeiramente em tempos difíceis com a abertura de um novo negócio. Nas moradias do MCMV nada disso é permitido. Negócios não são permitidos, famílias são proibidas de ter animas de estimação, e organizar grupos de serviços religiosos. Geralmente, estradas largas e estacionamentos são priorizados ao invés de praças e espaços de lazer. As habitações públicas simplesmente não são desenhadas com o objetivo de manter as qualidades das favelas ao visar suas deficiências.
É importante notar que certos projetos do MCMV, principalmente aqueles com financiamento extra e amparo da prefeitura, têm conseguido evitar essas tendências de detrimento da localização periférica e falta de serviços. O projeto do Bairro Carioca em Triagem é talvez o mais acessível e com um grau relativamente alto de serviços públicos, apesar de alguns dos problemas listados acima existirem.
Candidatos Presidenciais Unânimes na Promessa de Expansão
Com a aproximação das eleições, ainda que hajam crescentes preocupações com as casas construídas pelo programa Minha Casa Minha Vida, que põem em questão a sustentabilidade do programa ao longo do tempo, alvos de habitação e financiamento têm crescido continuamente desde sua inserção. Essa escalada tem prevalecido particularmente no atual ciclo eleitoral. Há apenas algumas semanas antes do período de campanha eleitoral começar, em julho, a presidente Dilma Rousseff (PT), anunciou o Minha Casa Minha Vida 3, uma repetição do programa a ser desenvolvido em 2015. Embora as mudanças substantivas no MCVM 3 relativas à politica atual permaneçam obscuras, ele propõe um apoio renovado, além de entusiasmo pelo programa. Segundo o MCMV 3, o alvo do número de unidades aumentou para 3 milhões de unidades até 2015.
Mais recentemente, na iminente campanha para as eleições, Rousseff anunciou que 350.000 novas unidades estão sendo planejadas para o primeiro semestre de 2015, orgulhosamente reivindicando a responsabilidade pelo maior programa de habitação do Brasil e talvez da América Latina. O MCMV foi muito figurado no material e plataforma da campanha de Dilma, até mesmo lançando um comercial de TV baseado no potencial do MCMV para realizar o sonho da casa própria de milhões de brasileiros.
Após acusações da campanha de Rousseff de que a candidata do PSB, Marina Silva, iria eliminar o programa Minha Casa Minha Vida, Marina fez declarações de comprometimento e apoio ao MCMV, prometendo expandir a cobertura do programa para 4 milhões de unidades. Durante uma caminhada pela Rocinha, a candidata disse: “O nosso comprometimento é tratar as comunidades com respeito ao seu território e sua identidade cultural. E nós temos o objetivo de aumentar o programa MCMV para 4 milhões de unidades, com programas para atender comunidades em seus próprios locais habitacionais, urbanizando e criando espaços de vivência; implementando educação integral, agregando valor a espaços de amor e cultura nas comunidades”.
O candidato do PSDB, senador Aécio Neves, fez promessas parecidas para expandir o programa MCMV, apesar do fato de que esse tenha sido um programa chave do PT. Ele prometeu mais foco nas famílias de baixa renda, às quais o setor de construção tem sido mais relutante a construir com o MCMV.
O apoio abrangente do programa Minha Casa Minha Vida dentre partidos políticos divergentes não é surpreendente, uma vez que o programa é bastante politicamente atrativo. As sérias preocupações levantadas sobre os impactos a longo prazo de um investimento de grande escala de habitações de baixa-renda para as famílias beneficiadas e para a cidade em geral estão convenientemente muito além do escopo de qualquer ciclo político ou até de aspirações à reeleição, tornando mais fácil para os políticos abster-se da responsabilidade do programa em um horizonte de tempo mais amplo.
Por outro lado, os benefícios imediatos de crescimento e geração de emprego no setor de construção e os discursos dos benefícios sociais de prover uma casa a todos os brasileiros cria uma plataforma política forte. Enquanto pesquisadores, como Krause, Balbum e Neto, do Instituto de Pesquisa Economica Aplicada (IPEA) questionam se o MCMV está de fato voltado para a habitação ou apenas para o puro crescimento econômico, a habilidade do MCMV de produzir unidades habitacionais para famílias de baixa-renda é incomparável, o que gera grande apoio popular ao programa. Além disso, o papel principal do setor de construção ao financiar as campanhas políticas certamente exerce influência e merece melhor investigação.
Uma Ferramenta de Remoção
A aparentemente inquestionável política de apoio à continuação e expansão do MCMV no debate político não é compartilhada por muitos moradores de favelas e ativistas do Rio de Janeiro. Moradores de dezenas de comunidades que encararam remoções para projetos do MCMV, devido a trabalhos de infra-estrutura para os Jogos Olímpicos de 2016, têm sido muito vocais ao se expressar sobre as mudanças e a desconfiança no programa. Na Vila Autódromo, moradores se organizaram para salvar sua comunidade desde as primeiras ameaças de remoção em 2009. Espalhados pela comunidade estão sinais, e nos cartazes de protesto, estão os dizeres: “Minha Casa, Minha Vida, é a que eu construí”. Em 2011, na Providência, artistas e moradores pintaram um mural mostrando moradores resistindo à remoção, segurando um poster do “Minha Casa Minha Vida”. Nos casos mais notáveis, algumas famílias recebem propostas para se mudar para as habitações do MCMV, frustados com o estado de tensão das suas comunidades, enquanto outros permanecem firmes em sua resistência. Em outros casos, entretanto, sem um direcionamento na sua luta ou conhecimento suficiente de seus direitos, moradores sucumbem à pressão municipal, frequentemente exercida por intermédio de intimidação e cooptação. Para eles, o MCMV é um rebaixamento, representando um retrocesso de potenciais décadas de seu desenvolvimento.
Sara McTarnaghan é pesquisadora de políticas de habitação pública no Chile e Brasil, e está completando seu mestrado pela Universidade de Texas-Austin em Planejamento Comunitário e Regional, e Estudos da América Latina.