Caminhões e operários passam pelos moradores da Vila Autódromo. O canteiro de obras das Olimpíadas de 2016 está crescendo, com enormes edifícios se formando atrás do muro adjacente à comunidade. Muitos dos terrenos deixados para trás pelas casas demolidas agora são utilizados como estacionamento. Um grande hotel vai rapidamente aparecendo por trás do que antes fora uma fileira de árvores plantadas pelos moradores décadas antes, e o constante barulho do canteiro de obras, além da demolição das casas, domina a atmosfera na comunidade.
Por volta de metade dos moradores já aceitaram acordos oferecidos pela Prefeitura e deixaram a comunidade. O quanto mais os moradores ficam, melhores ofertas são feitas. Mas estes encontros são sempre feitos individualmente e de forma privativa, então os moradores não estão cientes do quanto foi oferecido ou aceito pelos vizinhos. Maria da Penha, de uma das dezenas de famílias dispostas a permanecer independente da proposta, conta que já chegam a R$2,3 a R$2,5 milhões as ofertas pelas casas–a primeira vez na história das favelas que indenização à preço de mercado está sendo oferecida para uma comunidade. Cada casa é um caso diferente, diz Maria, e o método para fazer com que os moradores saiam é abordá-los individualmente. Ela acredita que metade dos moradores que restaram possam vir a sair e explica que muitos destes estão esperando que os valores de mercado que foram oferecidos a outros sejam propostos antes de fazerem um acordo. O fato é que o valor das indenizações que está sendo oferecido tem uma incrível importância histórica e significa que outras favelas que passam pela mesma pressão terão este precedente para basear sua luta pela compensação justa. Ainda assim, Maria diz que nenhuma quantia em dinheiro pode levá-la a sair.
“Eu não quero dinheiro, eu não quero nada. Eu quero é ficar (…) eu sou feliz [aqui], e dinheiro não compra felicidade”, ela diz.
Maria vive na Vila Autódromo há 22 anos. Ela explica que sua história está na comunidade: sua filha nasceu aqui e ela construiu sua casa com as próprias mãos. “Eu construí minha casa para viver nela, não para vendê-la ou me mudar dela”, ela diz. Ela sente muito amor pela comunidade e fala da serenidade e tranquilidade que sente aqui.
Os moradores sabem que têm o direito de permanecer e, graças aos esforços da Associação de Moradores para promover seus direitos legalmente, pelos meios de comunicação e canais de protesto, não estão sendo obrigados a deixar a comunidade até que concordem com a compensação oferecida. Devido à visibilidade gerada na comunidade, e suas reivindicações legais, o prefeito Eduardo Paes, em 2013, prometeu publicamente que ninguém iria deixar a comunidade sem consentimento e que aqueles que permanecerem receberiam a urbanização. No intuito de convencer as pessoas a sair, então, as ofertas começaram a subir: de um apartamento bem localizado no conjunto habitacional Bairro Carioca há um quilómetro e com piscina, a diversos apartamentos por família, para então crescentes propostas de compensação financeira e finalmente oferta de indenizações ao preço de mercado.
Mesmo assim, os moradores se sentem pressionados, explica Maria. Eles recebem visitas de autoridades em suas casas que os oferecem dinheiro para sair enquanto que a vista, o barulho e a poluição associados à crescente construção ao lado da comunidade os pressiona a aceitarem as ofertas, mesmo entre aqueles que preferem ficar.
A pressão das autoridades é sentida no osso: a comunidade está sofrendo com problemas relacionados ao fornecimento de água, já que a Cidade corta o serviço de modo a tornar a permanência no local insuportável, além daqueles que estão vivendo com poeira constante das casas demolidas. Uma mulher testemunhou sobre problemas respiratórios graves que surgiram. Ao mesmo tempo, a Guarda Municipal permanece na entrada da comunidade, proibindo moradores de trazerem materiais de construção para dentro. Além disso, alguns moradores que moram no segundo andar das residências que tinham vizinhos no primeiro piso que aceitaram acordos, agora vivem em cima de paredes destruídas e destroços. Eles também sofrem com a perda social e um sentimento de vazio deixado por aqueles que foram embora.
Entretanto, a força e a organização de resistência entre os moradores da Vila Autódromo continua a ser inspiradora, principalmente para outras comunidades que enfrentam o despejo. Um símbolo de esperança, e de certa forma um exemplo de desobediência civil, emerge com um grupo de moradores que se encontram onde até pouco foi a casa de alguém. Agora um lote vazio, eles armam uma piscina de plástico para as crianças brincarem no calor. Fazendo isso, os moradores reescrevem o destino de uma comunidade parcialmente apagada por tratores.
O futuro permanece incerto para os ainda residentes, mas aqueles que ficarem tem a lei ao seu lado e não desistirão de suas casas facilmente. Como explica Maria: “não abro mão dos meus 22 anos de história por 15 dias de jogos Olímpicos”. Ela não sairá para que sua comunidade se torne um empreendimento de luxo pós-Olímpico, que é presumivelmente a real razão para o comprometimento das autoridades em despejar os residentes da Vila Autódromo. Maria se levanta no terraço de sua casa, encarando a linda lagoa e montanhas que cercam a cidade. Ela olha para as casas que permanecem e diz: “Ainda sobraram muitas casas, não é?”