Leia a matéria original por Donna Bowater em inglês no site da BBC aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Quase todas as casas construídas de forma desordenada na pequena comunidade de Vila União, Zona Oeste do Rio, têm as letras “SMH” pintadas em suas paredes.
Como uma espécie de grafite oficialmente sancionado, as iniciais da Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro foram pintadas nas casas marcadas para demolição.
Quase 900 famílias, dentre as quais muitas que viviam na Rua da Esperança, enfrentavam a remoção porque suas casas ficavam no caminho da rota planejada para a BRT TransOlímpica.
A extensão da BRT é parte de um conjunto de reformas planejado para os Jogos Olímpicos de 2016, os quais a cidade sediará.
É esperado que a nova rota de ônibus, de 25km, transporte 70.000 passageiros por dia.
Ela ligará a Barra da Tijuca, que sediará a vila dos atletas, a Deodoro, local de diversos eventos olímpicos.
A Prefeitura do Rio pretendia reassentar as famílias da Vila União para pequenas habitações sociais ou oferecer indenização.
Mas muitos moradores não querem deixar a comunidade de 30 anos de existência.
Após 2 anos de incertezas e uma pequena, mas expressiva campanha de resistência, eles conseguiram salvar a comunidade da demolição.
Ao invés de passar direto pelo bairro, o novo sistema de ônibus de $555 milhões de dólares agora abrangerá a Vila União.
Isso significa que apenas 191 famílias deverão ser reassentadas, uma redução de 78% no número original de remoções esperadas.
“Estamos comemorando muito porque eram 900 famílias e agora são 191”, diz Robson da Silva Soares, um dos que lideraram a resistência contra a demolição da Vila União.
Vitória agridoce
Mas a vitória foi agridoce para os moradores, que, em 2012, receberam promessas de investimento como parte de uma iniciativa para urbanizar as favelas da cidade até 2020.
Meses mais tarde, o projeto da TransOlímpica foi anunciado e, junto com ele, a necessidade de reassentar centenas de famílias.
Muitas das casas destinadas à demolição eram maiores do que os apartamentos financiados pelo governo que estavam sendo oferecidos, explicou Francisco Gabriel, de 68 anos.
“Estou aqui há 20 anos e se houver escolha entre ir para os apartamentos da Colônia Juliano Moreira [financiados pelo governo] ou permanecer aqui, eu prefiro ficar aqui”, diz ele. “Os apartamentos são menores”.
De acordo com a Prefeitura do Rio, os planos para a TransOlímpica foram redesenhados para reduzir o impacto na Vila União.
“Nós conseguimos providenciar terrenos públicos que pertenciam ao governo federal para alterar o projeto e atender às necessidades dos moradores”, disse um porta-voz.
A Prefeitura do Rio disse que o projeto, apesar de ter causado transtorno a algumas pessoas, tem um enorme potencial para melhorar as vidas dos moradores na medida em que liga o bairro a outras vias de transporte.
“O futuro corredor beneficiará a população ao deixar um imenso legado de mobilidade: uma rede de transporte totalmente integrada com as BRTs Transoeste e Transcarioca já em funcionamento e a rede de ferrovias em Deodoro”.
Divisões Internas
Mas apesar do número reduzido de remoções ter sido bem-recebido pela maioria da Vila União, ele não satisfez a todos, deixando a comunidade dividida.
Cintia Neves, que é dona de uma lanchonete no bairro, viveu aqui quase toda a sua vida.
A mulher de 26 anos divide a casa que seu pai falecido construiu quando ela tinha seis meses de idade com a sua mãe e o seu irmão.
“A vasta maioria [na comunidade] pensa que a mudança é boa, mas ainda existem alguns que preferem sair”, diz ela, explicando que alguns lares na Vila União não passam de casebres.
“Nós ficaremos aqui por enquanto” disse ela, se referindo a sua família.
Mas apesar de o alívio desses moradores cujas casas foram salvas ser palpável, ainda é possível que a nova rota afete a comunidade.
Como o campo de futebol da região, por exemplo. O plano original poupava ele, mas, ao invés disso, o novo projeto passa por cima dele.
A Prefeitura do Rio disse que estava em negociação com o dono do campo de futebol local para providenciar um novo.
Sentimento de Comunidade
Existe também a preocupação de que aqueles que se mudarem para as habitações sociais perderão o sentimento de comunidade que eles desfrutavam na Vila União.
“Eu cresci na comunidade com os meus pais e meus quatro irmãos”, disse Soares. “Tem um mercado, um banco, uma escola. Mas o lugar para o qual as famílias estão se mudando não tem nada disso. Eles terão que começar tudo de novo”.
Seu Soares disse que ele e seus amigos veteranos não vão desistir: “Minha casa estava no caminho do BRT e agora eu não tenho mais que sair”.
“Mas ainda assim, eu continuarei com a mesma luta, porque independente de mim, nós estamos lutando para os moradores terem seus direitos”.
E ele está confiante de que pode diminuir ainda mais o número daqueles que enfrentam as remoções. “Nós vemos a possibilidade de remover ainda menos do que 191”, disse o eletricista e mecânico de 37 anos.