Um relatório da Anistia Internacional, lançado quarta-feira dia 25 de fevereiro, revelou uma crise preocupante de direitos humanos no Brasil. O capítulo brasileiro do relatório O Estado dos Direitos Humanos no Mundo levanta preocupações sobre violência policial, tortura, condições de vida nos presídios, direitos dos povos indígenas, direitos da comunidade LGBT, direitos reprodutivos, o mercado de armas de fogo e impunidades de crimes cometidos na ditadura.
O relatório anual foi oficialmente lançado em um evento na Universidade Cândido Mendes no Centro do Rio, onde as preocupações levantadas foram debatidas por Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil, Edson Diniz, diretor da Redes de Desenvolvimento da Maré, e por Luiz Eduardo Soares, especialista em segurança pública, antropólogo, escritor e professor.
Em um comunicado à imprensa, a Anistia Internacional alertou: “A curva ascendente dos homicídios no país; a alta letalidade nas operações policiais, em especial nas realizadas em favelas e territórios de periferia; o uso excessivo da força no policiamento dos protestos que antecederam a Copa do Mundo; as rebeliões com mortes violentas em presídios superlotados, e casos de tortura mostram que a segurança pública no país precisa de atenção especial por parte das autoridades brasileiras”.
Para Edson Diniz, diretor da Redes de Desenvolvimento da Maré, favelas e territórios de baixa renda são frequentemente vistos como ‘inimigos’ mas isso tem que mudar. Ele disse: “Precisamos desnaturalizar a lógica da guerra. A Maré não está em guerra, não é território inimigo, apartado da cidade. Não podemos aceitar este tipo de discurso, como se a favela fosse um inimigo e pudéssemos aceitar as baixas e o tiroteio. As autoridades máximas dos estados justificam ações bélicas como se fosse isso mesmo. Precisamos reagir”.
Para o ex-coordenador do Estado de Segurança, antropólogo, escritor e professor Luiz Eduardo Soares, o verdadeiro inimigo não é o policial, mas as práticas antiquadas que são ensinadas à polícia. Ele comentou: “Os policiais do Rio de Janeiro estão trabalhando em situações análogas à escravidão. Quem escreveu essa frase foi uma representante do Ministério Público, procuradora da República, no estado do Rio de Janeiro. Como podemos exigir deles respeito aos direitos humanos? Temos hoje na cúpula da PM parceiros da luta pela desmilitarização. Os policiais não são nossos inimigos, a prática policial sim”.
Para Fransérgio Goulart do Fórum de Juventudes, falar sobre violações de direitos humanos no Brasil é falar sobre racismo institucionalizado. “Chamo a atenção para o fato de que discutir segurança pública é discutir o racismo no Brasil. Devemos falar mais das violações simbólicas também. Estes jovens têm trazido relatos de violações que a gente não vê. Uma questão fundamental é que a favela reproduz o que a sociedade fala. Portanto, a democratização da comunicação é fundamental”, concluiu.
Recomendações
A Anistia Internacional compilou uma lista de recomendações para as autoridades brasileiras para corrigir a crise dos direitos humanos. Entre elas está a desmilitarização da polícia, um plano nacional para diminuir os índices de homicídios e a implementação de um programa defensor dos direitos humanos que irá proteger grupos ativistas em todo o país.
No entanto, durante o debate, Julita Lemgruber, socióloga e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes abordou a política de ‘guerra às drogas’ como a principal fonte de violência do estado.
“Estamos falando sobre violência, segurança pública, direitos humanos e nenhuma vez falamos sobre drogas“, comentou. “É como se a segurança pública no Rio de Janeiro não tivesse a ver com drogas. O que está por trás das mortes na Maré? O que está por traz da violência policial, dessa segurança pública que não consegue encontrar um caminho? O que está por trás dos 56 mil homicídios no Brasil? Precisamos mudar nossa política de drogas. Esta guerra insana às drogas mata muito mais do que a violência que ela tenta evitar. É uma ilusão achar que vamos acabar com o uso de drogas”.
O diretor da Anistia Internacional Atila Roque disse ao público que as pessoas não podem ficar em silêncio. “A nossa democracia se fez em cima de muitos silêncios. Não podemos deixar o silêncio se instalar. Precisamos falar sobre direitos humanos”.