Essa é a quarta parte de uma série de cinco que documenta a história e sequência das Unidades de Polícia Pacificadora. Clique para Parte 5.
2013 foi um ano crucial para as UPPs. Nos primeiros quatro anos do programa, a mídia, comentaristas sociais e especialistas em segurança pública apoiaram amplamente o programa, e os resultados positivos foram altamente divulgados. No entanto, 2013–um ano antes da Copa do Mundo–foi o ano no qual fissuras profundas começaram a aparecer. Ficou claro que a UPP Social não estava oferecendo apoio complementar ao programa de policiamento, que os serviços públicos vitais, além do policiamento, não estavam atingindo muitas das comunidades adequadamente, e que o ideal de “policiamento comunitário” não estava sendo realizado nas áreas instáveis que mais precisavam de segurança.
As implementações de 2013 foram em grande parte efetuadas na Zona Norte e, assim como com o programa em geral, instalações foram principalmente nas favelas dominadas pelo Comando Vermelho. Desde a pacificação, favelas como Manguinhos, Lins e Jacarezinho têm visto inúmeros atos de violência, e a polícia tem falhado em tornar as comunidades mais seguras. Em Camarista Méier, serviços básicos não acompanharam o aumento da presença policial, enquanto no Caju projetos de revitalização levaram à ameaça de remoção. Ainda que essas áreas não tenham ainda apresentado tantas dificuldades como no Alemão ou na Rocinha, elas sobrecarregaram um programa que já enfrentava problemas.
29. Manguinhos – Zona Norte
Data de instalação: 16 de janeiro de 2013
Se alguém olhasse apenas para Manguinhos seria difícil acreditar no potentcial de um impacto positivo do programa de pacificação. Em março de 2013, moradores acusaram a polícia de ter usado uma arma de eletrochoque contra Mateus Oliveira Casé, que morreu de ataque cardíaco após um confronto com oficiais. Apenas dois meses após a UPP entrar na comunidade, e logo antes da visita do Papa à comunidade, a morte de Mateus foi seguida de cenas de protesto. Em dezembro de 2013, Paulo Roberto Pinho de Menezes morreu enquanto estava na custódia da polícia, com oficiais atribuindo sua morte a overdose de drogas; no entanto, a autópsia revelou que ele foi asfixiado, e cinco oficiais foram acusados por sua morte. Em julho de 2014, enquanto um jogo da Copa do Mundo acontecia perto da comunidade no Maracanã, Afonso Maurício Linhares, de 25 anos, atuava como árbitro de uma partida de futebol na comunidade na qual oficiais da UPP detiveram um adolescente por posse de drogas. Na confusão, Linhares foi morto pela polícia. Assim como violência letal, desde sua implantação, a UPP em Manguinhos foi acusada de atos regulares de violência, prisões arbitrárias e de ameaçar moradores de remoção.
Perspectivas de Moradores
“Eu estou aqui [em um protesto contra a violência policial] porque eu moro aqui, eu cresci aqui, e minha família está aqui há mais de 40 anos, e porque eu tenho um irmão que é negro. Eu estou aqui porque eu sou negra, porque eu sou mulher e porque essas agressões continuam se repetindo. Mesmo que eu não conhecesse os meninos [que foram assassinados] pessoalmente, olhar pra eles é olhar para o meu irmão. Eu estou aqui porque eu não quero que isso aconteça de novo e nós queremos mostrar que esse lugar tem voz.” – Monique Cruz, moradora
30. Jacarezinho – Zona Norte
Data de instalação: 16 de janeiro de 2013
Em agosto de 2014, um ano e meio depois da UPP ter sido estabelecida, o Jacarezinho foi cenário de um dos mais chocantes atos de violência da polícia visto desde o início do programa de pacificação. Três mulheres foram levadas para dentro de uma casa por policiais e estupradas, com um deles gritando durante o ato “hoje vocês vão ver o capeta“. Quando as notícias do estupro coletivo se tornaram públicas, o Secretário de Segurança Mariano Beltrame lamentou: “Infelizmente, a força da polícia não é imune a pessoas que vão trair a missão de servir e proteger”. No entanto, esse tipo de comportamento abusivo é tão comum que não pode ser tratado como excepcional. A UPP mantém um caráter de violência militar que se manifesta na opressão aos pobres. Mais evidências vieram com a morte em 2013 de Alielson Nogueira, morto enquanto comia cachorro quente durante um confronto entre a polícia e os moradores. Como é comum nestas comunidades, a polícia usou violência letal como reação, ao invés de último recurso.
Perspectivas de Moradores
“Eles chegam com um autoritarismo absurdo, xingando as pessoas, independentemente da idade delas ou condição física. Quando eles desconfiam de alguém, mesmo sem qualquer prova, saem arrastando pelas ruas, espancando e apontando armas para os moradores que estão ao redor, como se todos fossem marginais. Um dia desses, um policial violento entrou aqui no beco e ficou apontando para os moradores, como se fosse cometer outra agressão. Gente, pra quê isso?” – Morador, 45 anos
31. Caju – Zona Norte
Data de instalação: 12 de abril de 2013
O Complexo do Caju, composto de 13 comunidades diferentes, foi o primeiro passo no plano de pacificar o Complexo da Maré. Localizado na faixa norte da região portuária do Rio, o Caju é uma das principais áreas afetadas pela atual revitalização do porto, em andamento, e moradores temem que a pacificação seja só o começo das etapas para forçar a remoção da comunidade. É em casos como esse que o programa da UPP começa a parecer uma maneira cínica de revitalizar a cidade, atendendo a interesses privados e reprimindo os pobres. Moradores dizem que as comunidades carecem desesperadamente de saneamento, saúde e educação, situação que limita muito os possíveis benefícios da pacificação.
Em termos de policiamento, o Caju não tem sido tão problemático quanto outras implementações. No entanto, controvérsias ocorreram em setembro de 2014, quando foi descoberto que oito pistolas haviam desaparecido da UPP. A prevalência de armas de fogo é um dos maiores problemas do Rio, e não é necessário dizer que isso só é reforçado quando armas da polícia vão parar nas mãos de grupos criminosos. Uma notícia positiva do Caju é que a comunidade recebeu o Canal Futuro do Senac RJ, um programa designado a dar cursos profissionalizantes em comunidades pacificadas e que já chegou a quase 5 mil pessoas.
Perspectivas de Moradores
“Se o bairro tem o menor Índice de Desenvolvimento Humano da cidade, por que é que fecha escola e hospital? O movimento deve ser ao contrário. Por que o governo faz invasão de UPP e não faz invasão da escola, de hospital?” – Myllena Cunha, líder comunitária
32. Barreira do Vasco / Tuiuti – Zona Norte
Data de instalação: 12 de abril de 2013
Comparado com muitas das outras implementações de UPP recentes, Barreira do Vasco e Tuiuti têm sido bem menos problemáticas. Apesar de historicamente controladas por traficantes do Comando Vermelho, elas nunca tiveram os mesmos níveis de violência como algumas das comunidades vizinhas, e a presença da UPP raramente causa confrontos violentos. Ainda assim, um policial foi morto em seu carro durante um ataque de traficantes em dezembro de 2013. O primeiro protesto significativo ocorreu em março de 2015, quando uma bala perdida (a qual alguns afirmam ter vindo de uma perseguição policial próxima) matou um morador, com os manifestantes botando fogo em um ônibus em revolta. Junto com o programa de policiamento, Barreira do Vasco também recebeu muitos investimentos necessários em sistemas de drenagem, fornecimento de água e estradas, bem como cinco novas praças e a reforma de dois centros esportivos. Ainda que os moradores tenham saudado os investimentos, eles lamentam que não receberam os projetos que haviam como prioritários para sua comunidade.
Perspectivas de Moradores
“Há muito tempo que não passávamos por isso. É uma sensação muito ruim, pois ficaremos preocupados nos próximos dias”. – Morador que não quis ser identificado, falando após o tiroteio de dezembro de 2013
33. Cerro Corá – Zona Sul
Data de instalação: 3 de junho de 2013
Localizado aos pés do Corcovado e do Cristo Redendor, Cerro Corá foi uma pacificação estratégica devido à sua proximidade com a principal atração turística do Rio. A UPP veio com a visita do Papa ao Rio em 2013, e fechou o “cinturão” de segurança entre a Tijuca e a Zona Sul. O especialista em segurança pública Dr. Ignacio Cano foi extremamente crítico da pacificação ali, citando a quantidade relativamente insignificante de homicídios que a UPP evitaria, particularmente se comparado com a Baixada Fluminense, que possui taxas de assassinato chocantes e que recebeu sua primeira UPP apenas em 2014. Uma pequena favela com tensão comparativamente menor, Cerro Corá foi mais uma evidência a confirmar que as favelas escolhidas em um primeiro momento para a pacificação foram por sua significância econômica e turística ao invés de sua instabilidade ou ameaças de violência. A pacificação em Cerro Corá tem sido tranquila, e há pouca violência desde sua implementação. A UPP organizou vários eventos bem sucedidos, incluindo uma festa de debutantes para garotas da comunidade, e um casamento em grupo sob a estátua do Cristo Redentor.
Perspectivas de Moradores
“Para o morador, a presença da UPP é indiferente. Não seremos afetados em nada. Deverá reduzir o número de assaltos nas redondezas. Mas o tráfico sempre vai existir. O que poderá acabar é a presença das armas”. – Manoel Gomes, morador
34. Parque Arará / Mandela – Zona Norte
Data de instalação : 6 de setembro de 2013
A página do Facebook do Parque Arará Muay Thai mostra o que pode acontecer quando a UPP é acompanhada por projetos sociais. Nesse caso, o oficial Victor Silva tomou a iniciativa de organizar um grupo de treinamento e as fotos no Facebook provam isso, mostram sua popularidade com as crianças locais. Ainda assim, um incidente em dezembro de 2013 mostra um outro lado negativo do trabalho da UPP e, infelizmente, parece mais emblemático das dificuldades que a unidade enfrenta. Quando a polícia prendeu uma criança de 13 anos, os moradores tentaram garantir que sua mãe o acompanhasse à delegacia de polícia. Em uma tentativa de apaziguar a situação, o policial da UPP atirou para cima e a bala desceu e atingiu José Joaquim de Santana, 81 anos, no rosto, que morreu na hora. A UPP não tem sido bem recebida em Parque Arará: em março de 2014 um grupo de 150 pessoas atacaram os contêineres da UPP, destruindo cinco dos sete contêineres, deixando cenas semelhantes a uma “zona de guerra”, mais tarde reportada como sendo orquestrada por criminosos. A Polícia Militar se mexeu com rapidez para reforçar a presença militar na área, mas a pacificação continua em situação delicada.
Perspectivas de Moradores
“Não há dúvida de que hoje foi aberto um fosso. A situação desde o início já não era fácil devido ao histórico, das lembranças, de memórias amargas sobre episódios de abuso de poder policial. Todos sabem disso”. – Morador, no dia em que Santana morreu
35. Complexo de Lins – Zona Norte
Data de instalação: 2 de dezembro de 2013
Apesar do Complexo do Lins ter sido pacificado apenas em dezembro de 2013, há provas suficientes para concluir que a UPP não funciona lá. Em fevereiro de 2015, moradores colocaram fogo em contêineres da UPP, protestando após uma garota de 7 anos ter sido morta em um tiroteio. No dia seguinte, jornalistas que visitaram a comunidade foram ameaçados pela polícia. Em entrevistas, queixas de moradores se espalharam, com muitos citando comportamentos autoritários de oficiais da UPP. Esses episódios servem como evidência de que o programa se degenerou tanto cronologicamente através dos anos, quanto geograficamente, com seu avanço para o norte: entre 2008 e 2010 parecia que os oficiais da UPP tinham uma mentalidade radicalmente diferente da de seus antecessores, mas isso se provou errado. A UPP possui controle limitado sobre o Lins e os traficantes de drogas mostraram força em vários ataques aos contêineres das UPPs, que ocorreram pelo menos três vezes em 2014. A socióloga Alba Zaluar acredita que os moradores são frequentemente pressionados a entrarem em confronto com a polícia sob ordens de grupos criminosos, e essa dinâmica perigosa deixou a UPP do Lins em uma situação extremamente precária.
Perspectivas de Moradores
“Eles desrespeitam todo mundo. Mulheres são chamadas de piranha, vagabunda. Jovens apanham, são torturados, ameaçados. É muita violência. O morro do Gambá já está esgotado de tanta arbitrariedade, assim como todas as favelas do Complexo do Lins. Ninguém aqui quer isso. A UPP é uma fachada, é um desrespeito à comunidade. A gente precisa de escola, creche, hospital, não de polícia“. – Márcia Jacinto, líder comunitária
36. Camarista Méier – Zona Norte
Data de instalação: 2 de dezembro de 2013
Camarista Méier viu inúmeros casos de crianças com Hepatite A esse ano, que acredita-se tenha sido causada pela contaminação da água. Enquanto esse problema de saúde não pode ser atribuído às UPPs, ele mostra que há questões de saneamento extremamente urgentes que precisam ser abordadas junto com a pacificação. Neste vídeo, André Luis da Silva destaca que a unidade da UPP significa pouca coisa sem o fornecimento de serviços básicos. Em entrevista, ele afirma que o Estado abandonou a comunidade, deixando-os sem água e eletricidade, se recusando a pavimentar ruas, deixando o lixo se acumular e deixando problemas de drenagem piorarem, ignorando preocupações sobre o perigo de deslizamentos de terra. Em termos policiais, Camarista Méier não tem sido um sucesso. Ataques deixaram diversos oficiais hospitalizados, enquanto em outubro de 2014 Elias Camilo se tornou o oitavo policial da UPP a ser morto. O Estado classificou recentemente a unidade Camarista Méier com “bandeira vermelha“, tornando-a uma das seis favelas classificadas como extremamente instáveis.
Perspectivas de Moradores
“Dizem que vão resolver o problema, mas nunca passam da promessa. Precisamos comprar galões d’água para podermos beber e fazer comida. E quando chove ou venta muito, para piorar, ficamos sem luz”. – Alexandra Lucia Souza Mendes, moradora, 31