Vila Autódromo, na Zona Oeste do Rio, está recebendo uma extrema pressão para remoção, por parte da Prefeitura, em função da preparação para as Olimpíadas de 2016. A maioria dos moradores deixou a comunidade, vendendo suas residências à Prefeitura ou trocando as mesmas por habitação pública. Na quarta-feira, 3 de junho, a situação se agravou, chegando a violentos confrontos com a polícia, o que resultou em seis moradores feridos. Com 81 anos de idade, Dona Dalva está entre aqueles que permanecem resistentes à remoção: “Nós vamos continuar morando aqui. Fiquei aqui porque na época precisava, e preciso até hoje”, ela disse.
Vinte e cinco anos atrás, Dona Dalva foi forçada a encontrar uma nova casa e se estabeleceu na Vila Autódromo, porque não tinha condições financeiras para viver em nenhum outro lugar. “Meus filhos já moravam aqui e eu não tinha como pagar aluguel”, ela disse. “Não tinha como arrumar emprego já idosa. Então vim pra cá. Meus filhos se juntaram e com o dinheiro das férias de um deles, fizeram esse comodozinho aqui, graças a Deus, e eu fiquei aqui”.
Agora, devido à localização da comunidade ao lado do futuro Parque Olímpico, Dona Dalva enfrenta a perspectiva de uma outro reassentamento, algo que ela teme que tenha graves consequências para sua família: “Meu neto tem um neném que é especial”. O bisneto de Dona Dalva nasceu prematuramente e com dois meses e meio de idade, requer cuidados intensivos no hospital local; ele se alimenta por um tubo no estômago e “não anda, não senta. É como se ele nem estivesse lá”. Desta forma, o bebê precisa de supervisão todo o tempo: “De dia o pai fica tomando conta e a mãe à noite. Então eles não podem ter um emprego fixo agora. Eles precisam que o bebê termine o tratamento”.
Devido a isto, a localização da Vila Autódromo próximo ao hospital, onde seu bisneto é tratado, é crucial para a família de Dona Dalva. Eles temem que, se forem reassentados em condomínios residenciais ou tiverem que comprar um novo imóvel, isto possa colocar ainda mais dificuldades para a família e até mesmo comprometer o bem estar do bebê.
O filho de Dona Dalva, Delto, de 29 anos, é massoterapeuta na Barra da Tijuca e também teme que o reassentamento possa atingir sua profissão e a educação de seus filhos. Até agora, a Prefeitura só ofereceu a ele habitação pública longe da Vila Autódromo, e ele não aceitou. “Quem irá bancar meu combustível para eu poder trabalhar aqui todo dia? Quem irá bancar as horas para vir de lá para cá e daqui pra lá? Quem irá bancar todos os gastos para os meus filhos chegarem nas escolas que estão aqui e que são boas? Ou vão tirar eles daqui para irem para escolas que não são tão boas?”.
Neste meio tempo, Dona Dalva e Delto pretendem ir seguindo conforme antes. Ela até então não recebe uma oferta da Prefeitura. “Eles já estão sabendo né [que não quero sair], porque toda reunião que tem, eu vou”, ela diz. “Então eles já devem estar sabendo que minha ideia é ficar”.
Mas apesar da sua determinação em continuar na comunidade e fazer valer as repetidas promessas do prefeito de que alguns moradores seriam autorizados a permanecer, ela lamenta que “a comunidade que era uma beleza” agora esteja destruída pelas máquinas. “Porque agora todo mundo está indo embora. Tinham 500 e tantas casas aqui, mas agora não sei quantas ainda existem”. Delto acrescenta: “É triste ver isso, ver seus filhos sem amigos para brincar”.
Dona Dalva se lembra do sentimento de comunidade que se foi. “Minha patroa morava em Ipanema. Eu ia até lá passar roupa para meu sustento. Ela costumava dizer, ‘Dona Dalva, você tem sorte porque eu só vejo um vizinho quando pego o elevador’. Bem, onde a gente vive não é assim. Nós vivemos em uma grande família”.
Ela admite que se tiver de deixar a comunidade, a habitação pública não é uma opção que ela consideraria porque “todo mundo se perde, se perdem de seus parentes e filhos. Foi o que aconteceu logo que essa pressa para ir para os apartamentos começou. E agora, a maioria das pessoas não gosta de viver lá”.
Delto também tem receio quanto aos projetos de habitação pública oferecido pela Prefeitura: “As pessoas esperam bastante por uma vaga no programa Minha Casa Minha Vida e, ao mesmo tempo, as pessoas daqui foram reassentados em apartamentos do MCMV. As pessoas [aqui] nem sequer estavam inscritos, nem estavam em área de risco, nem estavam sem moradia”. O Programa MCMV foi projetado para resolver o enorme déficit habitacional no Brasil, oferecendo moradia para aqueles que necessitam. No Rio, mais da metade dos apartamentos do MCMV estão sendo utilizados para reassentar as pessoas removidas de suas casas nas favelas, e não para pessoas carentes de moradia.
Ele lamenta pelo que aconteceu à comunidade como uma “ausência de justiça, ausência de planejamento e negligência da Prefeitura. Eles não governam nada, apenas tiram vantagem”.