No sábado, 22 de agosto, cerca de 100 membros da comunidade e jornalistas se reuniram em um protesto pacífico contra a escalada da violência policial no Complexo do Alemão. O Alemão, um dos maiores complexos de favelas do Rio de Janeiro, localizado na Zona Norte, foi palco de tiroteios em 81% dos dias deste ano, resultando em um total de 21 mortes, um aumento em relação aos anos anteriores. Este encontro especial foi o primeiro de quatro protestos planejados para o próximo mês, organizado pelo grupo de ação comunitária Coletivo Papo Reto. Os manifestantes exigiram uma ação tangível para mudar o constante medo e insegurança que eles sentem a qualquer hora no Alemão, onde balas perdidas não discriminam jovens ou velhos, inocentes ou não. O cântico “Tá tudo errado”, uniu os manifestantes na luta pela liberdade e por um Alemão mais seguro.
O protesto começou com um forte discurso de um dos protagonistas do Coletivo Papo Reto, Raull Santiago:
“A partir de hoje, a gente dá início a esse movimento de atividades, dizendo que a partir de hoje começa uma resistência pelas nossas vidas e principalmente entendendo que o discurso de paz já não cabe dentro da realidade do Complexo do Alemão. Hoje, a gente não está aqui pedindo paz. Paz passa a ser uma palavra que não faz parte do nosso vocabulário porque desde o início do ano, nós percebemos que ‘paz’ é a mesma coisa que guerra. Que ‘paz’ é o discurso que alimenta a guerra, que a paz é que nos faz correr pelo Complexo. A liberdade pra viver é o que a gente está precisando, então a nossa luta vai ser essa–pela liberdade de poder viver dentro de nosso território, dentro de nossa realidade, dentro de nosso dia a dia.”
Após seu discurso, outros membros da comunidade pegaram o megafone e tiveram a oportunidade de dizer o que eles pensam sobre os problemas atuais na comunidade.
Ao longo da passeata, os membros da comunidade constantemente questionaram o significado de ‘paz’. “Como é que eu posso acreditar em paz? Esta é a ‘paz’ que [os policiais] trouxeram para o Alemão“, disse Raull Santiago referindo-se à violência constante e as mortes que têm sido parte de suas vidas através da posse da UPP na comunidade. Muitos manifestantes no sábado estavam vestidos de preto, em contraste direto com um recente protesto no início de abril em que apelavam por paz e usavam só branco. “A paz é guerra e a guerra é paz… hoje não estamos lutando por paz, estamos lutando pela liberdade, pelo direito de viver”, disse Santiago para a multidão.
Enquanto os oradores com energia e emoção atraiam uma multidão crescente, jovens famílias se reuniam na sombra para pintar em grandes lençóis brancos e fazer cartazes para levarem durante a caminhada ao redor da favela. Enrique, de sete anos de idade, agachado, escreveu com tinta vermelha a frase “Não Matem Nossas Filhos!”. Também haviam manchas de tinta vermelha nas camisas brancas, representando simbolicamente o sangue derramado de amigos e familiares pela violência que assola o Complexo. A avó de Enrique, Marilene Valadares, dava para ele mais pinturas que traduzia o porquê dela sentir que ‘tá tudo errado”: “No Complexo do Alemão, tem mais violência a cada dia. Em vez de melhorar, está só piorando. Todo dia é tristeza, você não vê alegria no Complexo do Alemão”.
Após as falas, o grupo partiu da entrada da Grota e começou a lenta caminhada para a sede da UPP. O trânsito desacelerou para a velocidade da caminhada e cerca de vinte policiais da UPP cercaram a multidão à curta distância, com um ônibus e um caminhão da polícia indo atrás da caminhada. As crianças que portavam cartazes conduziam o grupo, enquanto Raull ia atrás mobilizando a comunidade através do megafone: “A gente tem uma missão hoje de chamar a atenção, a gente vai continuar caminhando pela rua, insistindo… Para tentar estender nosso tempo de vida”. Muitas vezes durante a caminhada, os manifestantes cantaram juntos o Rap da Felicidade (por Cidinho): “Eu só quero é ser feliz/Andar tranquilamente na favela onde eu nasci”. Alguns seguravam cartazes onde se lia: “Quem será a próxima vítima? Chega!”, “Nossa luta é pela vida”, e “Nossos lares não estão protegidos”.
Ao chegar à entrada de arame farpado do composto da UPP, faixas e cartazes foram amarradas em cima da cerca e colocadas nos pés de policiais da UPP. Mães deixaram livros escolares de matemática, literatura e redação, ecoando com os cartazes que diziam: “Nós não precisamos de fuzis. Precisamos de saúde e escolas”. Os manifestantes acenderam velas e as colocaram atrás de cartazes de papel preto onde se lia “Paz?”. Gotas vermelhas de tinta caiam sobre as letras, representando o sangue que resultou da “paz” trazida pelo governo. A multidão ajoelhou-se para uma breve oração, lembrando os nomes dos que foram assassinados até agora em 2015.
Os moradores do Complexo do Alemão esperam que esta caminhada seja apenas o começo de um grande movimento de mudança na comunidade. “O Complexo está sangrando todos os dias”, disse no sábado Rafael Calazans, outro morador protagonista da comunidade. “Nós temos que falar, não podemos ficar calados”. O segundo evento #TáTudoErrado será uma caminhada pelo Alemão no sábado, 29 de agosto, e em seguida haverá um evento cultural e uma vigília no fim de semana dos dias 05-06 de setembro.