Os eventos da série #TáTudoErrado contra a escalada da violência policial no Complexo do Alemão, liderado pelo grupo comunitário Coletivo Papo Reto, terminaram no dia 6 de setembro com uma celebração cultural no Praça do Areal. Os protestos se estenderam ao longo de três fins de semana, chamando os moradores às ruas para compartilhar histórias sobre porque #TáTudoErrado no Complexo do Alemão, onde a escalada da violência entre a polícia e traficantes, tem resultado em um número sem precedentes de mortes de civis por balas perdidas desde o início do ano.
Os dois primeiros eventos, realizados nos dias 22 e 29 de agosto, incluíram passeatas com manifestantes e jornalistas através e ao redor da favela, apontando zonas de perigo, prédios crivados de buracos de bala e lugares onde moradores inocentes foram baleados dentro de suas casas, incluindo um menino de 10 anos em abril deste ano.
Raull Santiago, um dos protagonistas do Coletivo Papo Reto, alertava os moradores argumentando que o conceito de “paz” no Complexo do Alemão não é mais relevante: “’Paz’ e “pacificação” são palavras que o governo lança para justificar a ocupação policial no Complexo do Alemão, mas como iremos experimentar esta “paz” se não estivermos vivos? Estamos aqui para ocupar as ruas para pedir a liberdade. Estamos aqui para dizer que a favela não deveria ser vista através da mira de uma arma”. As crianças seguravam cartazes comoventes onde se lia: “Essa guerra não é nossa. Nós não merecemos morrer baleado”.
No dia 5 de setembro os moradores se reuniram para uma vigília noturna na Praça Bulufa em memória aos familiares, amigos e vizinhos que faleceram devido à violência em 2015, até o momento. No dia seguinte, os moradores se uniram na pequena Praça do Areal para uma “ocupação cultural” animada, repleto de famílias, música, comida e atividades.
Moradores pintaram por cima da pichação com palavrões dirigidos aos agentes da polícia por parte de traficantes. A artesã local, Mariluce Mariá Souza, conduziu a pintura, ajudando as crianças a desenharam corações vermelhos brilhantes com as palavras “amizade”, “amor” e “paz e liberdade”. Este foi o décimo segundo mural de Mariluce no Complexo do Alemão. Ela reúne crianças e arte para fazer do Complexo do Alemão um lugar com mais brilho.
“Eu acredito que podemos mudar a realidade do nosso lugar, fazendo um pouco de cada vez”, ela disse. “Foi emocionante, pois as crianças se envolveram e conseguimos interagir, elas entraram em ação. Assim, depois elas mesmas cuidem do local”.
As famílias se reuniram no Areal, apesar do tempo chuvoso, para compartilhar da emoção contagiante e da atmosfera alegre. As crianças se revezavam para saltar no pula-pula, ficavam pacientemente em fila para receberem os pincéis de pintura e dançaram com a música que tocava dos alto-falantes. Dois artistas locais tomaram conta da parede recém-pintada e por três horas pintaram um mural detalhado com a palavra “SOM”, celebrando as representações culturais, no lugar de pichações prejudiciais. A ONG de arte local, Barraco 55, também participou do evento do dia com uma performance de música hip hop para as famílias.
Thainã de Medeiros, outro protagonista do Coletivo Papo Reto, disse que a intenção destes eventos é evocar a mudança na comunidade.
“Nossa esperança com estes encontros é que eles continuem. Nós estamos planejando mais eventos deste tipo para os moradores do Complexo do Alemão, porque acreditamos que temos o poder de transformar nossa situação”, ele disse. “Estamos pedindo ao governo para ouvir, porque colocar a polícia dentro da favela quando não havia anteriormente nenhuma governança concreta não é a solução. Permitir que tanques entrem na favela não vai trazer a paz, pois tanques são símbolos de guerra. Não estamos pedindo que a UPP saia completamente, porque a segurança ainda é muito necessária, mas pedimos que eles não entrem em nossas ruas com tanques, que saiam dos nossos centros culturais e eventos, e que eles não ocupem nossas escolas e espaços educacionais”.
Os moradores do Complexo do Alemão pretendem continuar protestando pela sua liberdade e direito de ‘dias melhores’. Mas como Mariluce Mariá descreve: “As pessoas trabalhando juntas fazem com que a favela seja um lugar com mais brilho”. A praça que estava coberta de pichações sinistras e de maus presságios, agora exibe “arte e muito amor”.