O Complexo do Corpo

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Muito se falou da inauguração da primeira academia a céu aberto no Complexo do Alemão, no Espaço Habitacional Poesi. Mais um empreendimento da parceria Afro-Reggae e Santander, a academia tem aparelhos em aço inoxidável, material resistente à chuva, e um corpo de profissionais do ramo para auxiliarem os moradores nos exercícios.

O oba-oba feito em cima do empreendimento é mais um sinal do desconhecimento da mídia de como se vive na periferia. O culto ao corpo, uma das marcas do Rio de Janeiro, atravessou o túnel Rebouças há quase uma década. Que o diga Fernando de Souza Oliveira, um empresário de 32 anos nascido e criado na Vila Cruzeiro que montou uma rede de academias na sua comunidade com mensalidades que variam de R$ 30 a R$ 60. Ele abriu esse filão com um investimento de Rs 20 mil, resultantes da venda de um carro e da ajuda paterna.

O sucesso foi imediato, ainda que os equipamentos comprados fossem quase tão precários quanto sua formação, que não passou pela universidade. “Em cinco meses, a academia não estava conseguindo atender a demanda da comunidade, com cerca de 160 alunos matriculados em diversos horários”, lembra o empresário, que atraiu 50 alunos com a divulgação feita com carro de som e panfletagem.

A primeira academia foi improvisada em uma espaçosa casa de dois andares, localizada na praça principal da Vila Cruzeiro. Os alunos fizeram duras críticas à qualidade dos equipamentos, obrigando o empresário a comprá-los em melhores condições quando abriu sua primeira filial no outro lado da favela depois de ler atentamente as informações contidas no cadastro dos alunos. “Havia um grande número de alunos do outro lado da comunidade”, conta ele. Desde então, seus alunos ganharam a permissão de malhar em qualquer academia de Fernando. “Isso diminuiu consideravelmente o fluxo de alunos e aumentou a qualidade do serviço”, acrescenta ele.

As frequentadoras da rede de academias criada pelo empresário, que funcionam das cinco horas da manhã até à meia-noite, procuram-nas com diferentes motivações. “A influência vem diretamente da pista, pois as mulheres se invejam e se arrumam umas para as outras”, filosofa Fabiana de Andrade, 19 anos, aluna do curso de Direito na UFRJ e moradora da famosa Vila Cruzeiro, no bairro de Penha, Zona Norte carioca. Jogadora de handball e professora de educação física, Clara Medeiros da Costa, uma moradora da Penha de 23 anos, começou a se preocupar com o corpo desde que começou a circular mais pela cidade. “Quando as mulheres da favela começaram a interagir mais com as da pista, houve uma quebra nessa fronteira imaginária que existia e elas passaram a se encontrar com mais frequência em lugares como boates, faculdades, trabalho” analisa esta moradora da Penha de 23 anos. “Isso ajudou bastante a mulher da favela a acordar tanto pra saúde de uma forma geral como para a estética do corpo. Quando que há cinco, dez anos atrás você veria uma mulher passando cedo ou tarde com uma roupa de academia e uma garrafinha na mão?”

O recente boom econômico do país, que tirou uma grande massa de brasileiros da linha da pobreza, aumentou a procura por academias na periferia da cidade. “Uma vez que o trabalhador ganha um pouco mais, ele consome mais e uma coisa que até pouco tempo talvez não fosse possível, como frequentar uma academia, se torna mais viável”, acredita Clara. A atleta diz, no entanto, que os empresários do setor só serão bem-sucedidos em empreendimentos do gênero quando trabalham com mensalidades mais acessíveis e abram filiais junto às favelas, evitando despesas com passagem e lanche.

O principal estímulo para que Aline Nascimento dos Santos, uma jogadora de vôlei e operadora de telemarketing de 22 anos, foi a Imperatriz Leopoldinense, tradicional escola de samba nas saias do Complexo do Alemão frequentada por toda a sua família desde que ela se entende por gente. “Todo lugar tem uma escola de samba composta de moradores das comunidades que as cercam. Sempre houve essa preocupação com o corpo, antes mesmo do surgimento do funk. A popularização do funk popularizou ainda mais as academias, que foram se multiplicando pelas comunidades cariocas numa tentativa de atender uma demanda que ninguém esperava na época”. Todas elas afirmaram que a parte do corpo mais exercitada são os membros inferiores: pernas, panturrilhas e os glúteos, mais conhecidos como bumbum.

Os homens também são frequentadores assíduos das academias. Chamar a atenção do sexo feminino, cuidar da saúde e manter a boa forma física são os motivos principais para a rapaziada dar uma malhada. Mas nem sempre é fácil encontrar tempo para puxar um ferro, como se diz na gíria dos marombeiros. “Seria inviável ter que voltar até a Penha para malhar”, conta João Carlos Amorim, 25 anos, que, embora more na Penha, estuda e trabalha no Centro da cidade. “Com o dinheiro e o tempo que gasto, achei melhor me matricular em uma academia próxima ao trabalho”.

Não existe faixa etária para a prática de atividades físicas no Complexo da Penha. Dos mais jovens até os idosos, a preocupação com a boa forma está em alta. “É coisa de gente saudável, que curte o bem-estar físico, conta Aline, uma jovem de 22 anos que usa o exemplo da própria mãe, uma senhora de 38 anos, que malha na mesma academia que ela. “Na verdade, ainda acho que a maioria das garotas mais novas daqui se preocupam menos do que as mulheres mais maduras, que já estão focando em manter o corpo ou a forma seja para desfilar numa escola de samba, ir ao baile ou se sentir bem consigo mesma.”

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