Quando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, apareceu na sede do Comitê Organizador Rio 2016 agitando uma placa com os “Dez Mandamentos dos Jogos Rio 2016“–uma lista para o legado cheio de boas intenções sociais–em novembro, as câmeras obedientemente dispararam flashes. A placa foi um presente de Eduardo Paes, o prefeito midiático do Rio que abusa da cerveja, que fala inglês, um político bem versado na arte das sessões de fotos. Mas faltando apenas seis meses para a abertura dos Jogos, muitos desses “mandamentos” agora soam dolorosamente ocos.
Isso pode fazer de Dilma e Paes pecadores Olímpicos. Mas, com a aproximação dos Jogos, também existem verdadeiros vencedores: bem posicionados magnatas imobiliários, magnatas da construção, e talvez o próprio Paes. Enquanto isso, os moradores comuns do Rio são deixados apenas com promessas quebradas, com alguns até mesmo sendo removidos para abrir caminho para os Jogos.
Atualmente, muito poucos cariocas acreditam na campanha publicitária Olímpica. Em 2011, 63% das pessoas no Rio pensavam que megaeventos esportivos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de 2014 trariam para as cidades grandes benefícios. Até o final de 2015, apenas 27% compartilhavam a ilusão.
Tal como acontece em muitas Olimpíadas–as relações públicas induzidas, os “10 Mandamentos” são tagarelices insípidas–prometem “entregar uma cidade melhor depois dos Jogos”, seja qualquer coisa que isso significa. Mas algumas das promessas são bastante específicas, como “usar o dinheiro privado para a maioria dos custos”.
Isso é relevante porque nos últimos anos os Jogos Olímpicos têm sido desmascarados como um elefante branco fiscal, apesar dos influentes cinco anéis no Rio afirmarem em todas as oportunidades que dinheiro proveniente de impostos é responsável por menos da metade dos custos globais dos Jogos, com os interesses privados pagando o restante. O Prefeito Paes inabalavelmente repete a afirmação de que as fontes privadas estão pagando dois terços da conta dos Jogos Olímpicos no Rio.
Mas esta estatística é extremamente enganosa. Ele não considera os caminhos silenciosos que o Rio 2016 desloca os recursos públicos para mãos privadas, os grandes lucros para os empresários bem relacionados e com conexões.
Para começar, Rio 2016 traz enormes benefícios fiscais. Um estudo descobriu que as isenções fiscais Olímpicas seriam cerca de quatro vezes maiores do que as da Copa do Mundo, onde incentivos fiscais foram de quase US$250 milhões. Além disso, os bancos públicos no Brasil estão assumindo riscos de negócios especulativos para respaldar projetos olímpicos. E as autoridades locais têm usado os Jogos Olímpicos como uma cortina de fumaça para conceder valiosas terras públicas para empresários a preços de bagatelas.
Em nenhum lugar a transferência de riqueza pública para mãos privadas tem sido mais descarada do que na construção do campo de golfe Rio 2016. Os Jogos Olímpicos do Rio marcarão o retorno do golfe aos Jogos após um hiato de 112 anos. Como foi apresentado na candidatura olímpica original do Rio, a metrópole já têm dois campos de golfe de elite que organizaram grandes torneios. Um deles poderia ter sido renovado para atender aos padrões olímpicos.
Mas, em uma manobra audaciosa o Prefeito Eduardo Paes decidiu localizar o golfe mais perto do complexo olímpico na Barra da Tijuca, um bairro rico, mesmo que isso significasse avançar para dentro da Reserva Ambiental de Marapendi, lar de inúmeras espécies ameaçadas.
Ao fazê-lo, Paes joga a bola para cima, um negócio impressionante para o empresário bilionário Pasquale Mauro. Enquanto Mauro pagou a conta para o campo de golfe–entre US$20 e US$30 milhões–ele também ganha um contrato para construir 140 apartamentos de luxo em torno dele.
Enquanto o gabinete do prefeito salientou o benefício de que nenhum dinheiro público foi utilizado na construção do local, essas unidades começam em US$2 milhões, com as coberturas chegando a mais de US$6 milhões. Não é preciso ser um gênio da matemática para calcular o valor deste querido negócio de vários milhões de dólares, embrulhado para presente pela prefeitura.
Se os Jogos Olímpicos estão todos focados sobre o setor imobiliário, a exposição B é a Vila Olímpica. Construído pelo gigante da construção brasileira Carvalho Hosken, a Vila será convertida depois dos Jogos em um complexo de habitação de luxo chamado “Ilha Pura“. Mas Ilha Pura não é nem mesmo uma ilha real, geofísica. Carlos Carvalho–fundador da Carvalho Hosken e doador de campanha para o Prefeito Paes–explicou ao The Guardian que o nome na verdade se referia a uma “ilha social”, dizendo que ele queria criar “uma cidade da elite, de bom gosto… ela precisava ser moradia de nobre, não moradia de pobre“.
Mas não eram os pobres do Rio que deveriam se beneficiar com os Jogos? Um “mandamento” prometeu “Priorizar as áreas mais carentes e a população mais pobre”. Mas autoridades do Rio estão agindo como se “priorizar” significasse “dar prioridade para a remoção”.
Desde que o Comitê Olímpico Internacional concedeu os Jogos ao Rio em 2009, cerca de 77.000 cariocas foram removidos. “O número é provavelmente muito maior, uma vez que estas são as estatísticas oficiais, que tradicionalmente subestimam tudo quanto é dado em relação às favelas, e ainda mais quando se trata da remoção dos moradores,” disse Theresa Williamson, fundadora da Comunidades Catalisadoras, uma ONG baseada no Rio que monitora questões de direitos humanos em favelas.
“Sem o pretexto do prazo Olímpico, muito poucas remoções realizadas pela administração de Eduardo Paes teriam sido possíveis”, acrescentou. “Graças ao estado de exceção criado pelos Jogos, um grupo pequeno e insular de pessoas próximas ao prefeito têm vindo a tomar decisões gerais durante o período pré-olímpico”.
O escritório de Paes tem negado qualquer irregularidade. “A Prefeitura do Rio não utiliza o instrumento da remoção compulsória, ou seja, quando as famílias são retiradas à revelia dos imóveis e não são criadas condições de transição para novas moradias. Em toda e qualquer situação em que as pessoas precisam deixar suas casas, elas somente deixam seus lares com a garantia de uma nova moradia ou pagamento de indenização, seja por processos negociados de reassentamento (nas áreas informais) ou de desapropriações (nas áreas formais)”, disse em um comunicado em agosto passado.
As experiências de uma comunidade, no entanto, contam uma história bem diferente. Vila Autódromo, uma pequena favela de classe trabalhadora, na borda do Parque Olímpico, encontrou-se na frente do rolo compressor Olímpico. Como o Rio se estendeu para o oeste na década de 1990, o Prefeito Eduardo Paes, então um jovem sub-prefeito de Barra da Tijuca, alegou que o bairro estava com danos ambientais e estéticos, e exigiu a demolição. Desde então, ele liderou o ataque para expulsar cada um dos últimos moradores da Vila Autódromo. Em junho de 2015, os esforços da polícia para forçar a remoção dos moradores se tornou, até mesmo, violento.
Recentemente, a gangorra psicológica tem beirado a guerra psicológica. As autoridades cortaram a água e a eletricidade da favela. Moradores têm experimentado “remoções relâmpago“, do nada, realizadas pela Guarda Municipal. Mesmo a Tropa de Choque (tropas fortemente armadas e blindadas do Rio de Janeiro) têm desempenhado um papel, intimidando moradores e somado a construção de uma parede intrusiva que faria Donald Trump orgulhoso. Enquanto isso, do outro lado da cerca, o Rio Mais, o consórcio construtor da construção do Parque Olímpico, avança.
“A Guarda Municipal tem protegido os interesses do consórcio Rio Mais contra os interesses da população”, Larissa Lacerda, organizadora do Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas no Rio de Janeiro, que tem trabalhado em estreita colaboração com os moradores da Vila Autódromo, revela para o From Brazil.
Embora a Vila Autódromo esteja sendo dizimada, algumas famílias recusam compensação financeira e estão determinadas a permanecer em suas casas. “A crueldade na Vila Autódromo tem aumentado dia a dia, com a Prefeitura fazendo tudo que pode para tornar a vida totalmente insuportável. No entanto, um grupo de moradores continua na resistência”, Larissa Lacerda explicou.
No final de novembro, participei de um festival cultural na Vila Autódromo que também foi uma manifestação de solidariedade. Um grande grupo–composto por moradores, e também um ônibus cheio de aliados da comunidade que vieram de outras partes do Rio–estava reunido no centro cultural da comunidade, para ouvir música, partilhar informação, comida e diversão.
Mas, mesmo em meio à alegria, a frustração latente borbulhava. Ao longo da Vila Autódromo, lemas e frases–fotos publicadas aqui–foram escritos em tinta spray nas paredes de pé de casas demolidas e no muro branco que separa a comunidade da zona olímpica.
Trilhar através dos escombros nos proporciona a valorização da garra e da criatividade da comunidade em face à ameaça. Alguém escreveu “Paes Sem Amor” na parede que separa a comunidade da zona de construção Olímpica: um jogo com a frase “Paz e Amor”. Um outro mirou um determinado barão da construção com propensão para a estratificação social: “Carlos Carvalho, Não Somos Pobre / Você Sim é Pobre”.
A frase predominante em torno da favela era “Lava Jato Olímpico”, uma referência ao escândalo de corrupção generalizada que tem apertado a garganta da classe política do Brasil. O fiasco, muito compreensivelmente, devorou a atenção coletiva da mídia. Um efeito colateral é que a Operação Lava Jato tem desviado a atenção dos Jogos Olímpicos, acumulando todas as suas deficiências.
De certa forma, o golpe duplo da crise política e econômica tem sido uma bênção para os organizadores Olímpicos, permitindo que os seus contratempos logísticos voem abaixo do radar público. Mas à medida que os Jogos se aproximam, mais pessoas estão indicando o fato gritante que bilhões estão sendo gastos nas Olimpíadas, ao mesmo tempo que os serviços sociais no Rio estão sendo cortados. A despesa pública revela prioridades e valores. Com os Jogos Olímpicos no Rio, não é difícil ver quem está sendo priorizado e valorizado e quem não está.
“Favelas não são sempre um problema. Favelas às vezes podem, realmente ser uma solução, se você lidar com elas, se você colocar políticas públicas dentro das favelas”, explicou o Prefeito Eduardo Paes em seu Ted Talk em 2012. Uma tal “política pública” era o Morar Carioca, um programa ambicioso de urbanização das favelas concebido para trazer a infraestrutura básica, como estradas pavimentadas, sistemas de esgoto e melhores redes de eletricidade.
Em 2010, Paes disse que, graças a “inspiração dos Jogos Olímpicos” o programa Morar Carioca seria um legado duradouro do Rio 2016. Mas em 2014, o programa estagnou e Eduardo Paes fez uma inversão da marcha política, afirmando que o Morar Carioca não tinha absolutamente nada a ver com o legado olímpico. O espírito de colaboração original do programa desapareceu, mas ainda hoje o rótulo Morar Carioca é ocasionalmente apregoado e fixado à projetos de obras públicas.
Se a Rio 2016 acontecer sem problemas, Eduardo Paes pode ser capaz de usar a sua plataforma como chefão dos cinco anéis para catapultar um cargo público maior. Eduardo Cunha, o Presidente da Câmara dos Deputados assolado por escândalos que está sendo, atualmente, investigado por ter milhões de dólares supostamente gastos com contas bancárias na Suíça, ungiu Eduardo Paes como seu candidato favorito para a eleição presidencial em 2018.
Os Jogos Olímpicos inevitavelmente destaca ganhadores e perdedores na pista, na piscina e no velódromo. Mas luminares dos Jogos Olímpicos do Rio 2016 prometeram fazer dos cariocas comuns em vencedores também. “Deixar um legado a população em toda cidade”, ruídos de um dos mandamentos. Com os Jogos há apenas seis meses de distância, este alarde esperançoso se configura a uma cruel ficção.