No início da manhã de quarta-feira, 24 de fevereiro, o prédio da Associação de Moradores da Vila Autódromo foi demolido após uma ordem de desapropriação ter sido emitida. No mesmo dia, à noite, a casa da mãe de santo Heloisa Helena Costa Berto também foi demolida.
Durante várias semanas os moradores têm vivido com medo da Tropa de Choque que tem chegado na parte da manhã para demolir casas, como o que ocorreu com as demolições ilegais do dia 11 de fevereiro, ou para modificar os muros de madeira que marcam a fronteira da comunidade com o Parque Olímpico, há apenas alguns dias, em 22 de fevereiro. A ordem inicial para demolir a Associação, prédio simbólico da resistência, foi aprovada no dia 4 de fevereiro, antes dos defensores públicos recorrerem e conquistarem a suspensão da ordem legal.
Na segunda-feira, a imissão de posse foi emitida e os moradores e apoiadores temiam o pior. Grupos de cerca de 13 e 30 apoiadores ocuparam a Vila Autódromo nas noites de segunda-feira e terça-feira, a fim de apoiar os moradores em sua resistência de manhã cedo.
Bem tarde, na terça-feira a noite, a segunda ordem de demolição foi anunciada, cobrindo as casas de Heloisa Helena e da ativista comunitária Maria da Penha. O Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas denunciou essa ordem de demolição, uma vez que a decisão foi anunciada depois das 22h, em um “procedimento totalmente irregular”.
De manhã cedo, por volta das 5:30h, moradores e simpatizantes fizeram uma vigília à luz de velas no exterior do prédio da Associação, ainda incertos se a demolição aconteceria. Durante a vigília, alguns moradores ficaram na frente da Associação, com suas bocas amordaçadas e segurando faixas que pediam o legado social dos Jogos Olímpicos e avisos, em inglês, sobre os perigos da Zika ao redor do Parque Olímpico.
Pouco antes das 7h, a Tropa de Choque chegou em peso. As autoridades municipais entregaram as ordens de demolição para o Presidente da Associação de Moradores, Altair Antunes Guimarães, e alinharam-se para bloquear a área ao redor do prédio. Com a legalidade da ação confirmada, os moradores não podiam fazer muito a não ser fazer suas vozes serem ouvidas. A ativista e moradora Sandra Maria gritou para a multidão “a Associação não é só uma parede!”, e vai continuar a organizar a luta contra as remoções. Enquanto as máquinas de demolição trabalhavam, moradores e simpatizantes, muitos dos quais tinham lágrimas nos olhos, juntaram as mãos em um grande círculo e começaram a gritar:
“Olim…piada, Olim…piada, Olim…piada!”
“Urbaniza já, a Vila vai ficar!”
O edifício foi reduzido a escombros em apenas cinco minutos. Em seguida, os funcionários municipais retiraram os móveis do pequeno restaurante ao lado do prédio da Associação, antes de o demolir também.
Enquanto as máquinas de demolição ainda estavam derrubando tijolos e cercas, a voz apaixonada da ex-moradora Jane Nascimento ecoou sobre a comunidade. Sozinha em uma plataforma com um microfone, ela criticou a política “vergonhosa” do Brasil por trás de demolições como as de hoje. Ela reafirmou seu compromisso na luta pela permanência da Vila Autódromo, independentemente da demolição de hoje ou da demolição de sua própria casa, no último agosto. “Vou continuar lutando. A minha casa caiu, mas a minha luta não caiu”.
O presidente da Associação de Moradores, Altair Guimarães, se uniu ao sentimento de que a demolição de um prédio teria pouco impacto na determinação da comunidade de continuar resistindo à remoção: “Vamos continuar a lutar…vamos lutar até a última casa”. Em apoio a essa promessa, as palavras “Associação de Moradores” foram escritas na fachada da casa de Maria da Penha imediatamente após a demolição da Associação, o que demonstra a tenacidade dos corajosos ativistas comunitários.
Sandra Maria pegou o microfone para discutir o contexto da remoção na Vila Autódromo: “Nós sabemos que tudo que está acontecendo aqui não é por causa das Olimpíadas”. Em vez disso, ela falou sobre a especulação imobiliária desenfreada, a influência do dinheiro sobre os juízes e políticos, e a ganância do empresário bilionário Carlos Carvalho, que admite abertamente que ele quer comunidades pobres removidas para abrir caminho para acomodações de luxo para a elite “nobre”. Mas Sandra argumentou que a história da Vila Autódromo–de maus-tratos cometidos pela Prefeitura e os fortes laços comunitários–não será tão facilmente removida: “Quando estes prédios [de luxo] que o senhor Carlos Carvalho diz que vai fazer, começarem a ser construídos aqui, nós estaremos aqui. Essa imagem de hoje, todas essas imagens, que tem sido registradas aqui, espancamento de morador, tudo isso, ainda existirá”.
Ela também criticou as tentativas da Prefeitura de esconder a realidade da comunidade, e a pobreza em todo o Rio de Janeiro: “A pobreza existe aqui e todo mundo sabe isso. Se não quer mostrar para o mundo, a pobreza, acabe com ela”.
Pouco depois do prédio da Associação ser demolido e a maioria da Guarda Municipal ter ido embora, houve uma discussão acalorada envolvendo guardas municipais e apoiadores que haviam bloqueado a estrada para a casa de Maria da Penha com seus carros. Alguns guardas municipais estavam aparentemente preocupados com o acesso para emergência–algo que não lhes preocupavam na segunda-feira, quando se recusaram a permitir que os moradores ajudassem outro morador que estava tendo um ataque cardíaco.
Mais tarde, enquanto moradores e apoiadores foram se reagrupando na casa da Penha após os acontecimentos da manhã, um homem desconhecido entrou em sua propriedade e começou a filmar. Pelo menos um apoiador da Vila Autódromo disse que o tinha visto chegar e cumprimentar guardas municipais de uma forma amigável. Moradores, liderados por Luiz, marido de Maria da Penha, exigiram que ele saísse e uma pequena briga começou na entrada da casa. O suspeito funcionário da Prefeitura ou policial disfarçado foi seguido pela rua por uma multidão de moradores e apoiadores que exigiam saber quem ele era. Na entrada da comunidade policiais militares mediaram a situação, procurando o carro do homem desconhecido e dizendo-lhe para sair, antes de levar dois moradores à delegacia de polícia para registrar uma ocorrência.
Um dos Defensores Públicos explicou as questões legais, logo depois dizendo que, enquanto eles estão tentando lutar contra a ordem de demolição, suspendendo-a para análise, as casas de Maria da Penha e Heloisa Helena poderiam ser legalmente destruídas a qualquer momento.
Com essa base, guardas municipais se reuniram em grande número em torno da casa de Heloisa Helena logo após às 17h. Os relatórios iniciais diziam que a prefeitura não seria capaz de demolir a casa antes de 18h, suposta data limite para o dia, mas os guardas municipais adquiriram uma extensão até às 20h. À Heloísa Helena foi dada um tempo para remover seus animais de estimação e alguns dos últimos de seus pertences religiosos antes de sua casa ser demolida.
A casa da Dona Penha é um alvo provável para demolição ainda hoje, quinta-feira. Maria da Penha disse aos moradores reunidos na manhã de quarta-feira: “Agradeço muito, a cada um de vocês. O apoio de vocês é fundamental”. Ela e outros moradores da Vila Autódromo pedem que a maior quantidade possível de apoiadores se juntem a eles na comunidade, para dar a solidariedade neste momento de tanta incerteza.
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