Cerca de 100 pessoas se reuniram na base do Vidigal na quarta-feira, 17 de fevereiro, para expressar o seu descontentamento com a decisão iminente do estado de privatizar o gerenciamento da CEDAE na favela. Convocada pela Associação de Moradores da Vila Vidigal a reunião não só reuniu líderes do Vidigal, mas também líderes de um número de favelas da Zona Sul, como Santa Marta, Rocinha, e Tabajaras. Estes foram ao Vidigal através da União Comunitária, uma associação intercomunitária de líderes de mais de trinta favelas, formada em 2014 para defender melhores políticas públicas em suas comunidades. A reunião no Vidigal foi parte de uma série de reuniões da União Comunitária que está sendo realizada em favelas em toda a Zona Sul sobre a possível privatização da água, que veio na sequência de reuniões no Santa Marta e no Morro dos Prazeres.
As lideranças comunitárias afirmam que a privatização da CEDAE está acontecendo primeiro em favelas onde as UPPs foram instaladas, e que atua como uma forma de facilitador da gentrificação, aumentando os gastos e assim empurrando os moradores para fora de suas propriedades sem remoções oficiais. Isto é particularmente preocupante uma vez que a política de UPP em si já está vinculada a aumentos de preços e a gentrificação. André Santana do Morro do Andaraí disse que “a luta do meu pai era contra a remoção. Eles evitaram que muitos fossem removidos. A luta não foi em vão”.
Enquanto a alegação de que a privatização da CEDAE só está acontecendo nessas favelas da Zona Sul ainda não está confirmada, líderes comunitários destacaram que o efeito do aumento das contas de serviços públicos tem o potencial de ter um grande impacto sobre os moradores de baixa renda das favelas. Em particular, eles enfatizaram quão prejudicial a privatização da Light já foi para a comunidade.
Líderes comunitários do Vidigal descreveram casos em que moradores recebem mensalmente contas da Light no valor de R$800, quando muitos recebem esse salário por mês. Zé Mario, Presidente da Associação de Moradores do Santa Marta, relatou uma história de um homem que tinha uma conta de R$1198 e que chegou à Associação angustiado, explicando: “Vou embora do morro“. Os ativistas locais produziram um filme sobre o seu caso.
Tais histórias de faturação abusiva pela Light pioraram desde que a Light foi privatizada em 1996. Um estudo de contas de luz no Chapéu-Mangueira realizado por Alexandre Mendes, professor de Direito da PUC-RJ, constatou que a “Light usou uma estratégia depois da entrada das UPPs para estabelecer limites de consumo e, gradualmente, ir aumentando-os”, cobrando dos moradores taxas que não correspondem com o consumo realizado.
No caso dos serviços de água e de tratamento de esgoto, como no caso de eletricidade, já houveram algumas desconexões entre o consumo e o custo. Antes das UPPs serem instaladas, muitos moradores individualmente buscavam sua fonte de água de maneira informal, artesanalmente. Moradores que consumiam água desta forma estavam acostumados a irregularidades no fornecimento de água, mas agora, em parte devida à crise de água no Rio, até os serviços formais de água da CEDAE estão irregulares e agora ameaçam a aumentar as contas com a privatização.
Serviços de tratamento de esgoto também sofrem com irregularidades da CEDAE. André Santana explicou na reunião do dia 17 de fevereiro que o Morro do Andaraí estava sem tratamento de esgoto por cerca de duas semanas e que o coordenador de esgoto da CEDAE, responsável por essa comunidade, tinha postado um pedido de desculpas pela falta de serviços no Facebook.
Houveram algumas notícias positivas desde a reunião: foi decidido que a CEDAE só poderá cobrar a taxa de tratamento de esgoto nos casos em que, de fato se recolhe, trata e envia esgoto para o seu destino designado. Se a decisão é devidamente aplicada, isso deve ajudar as comunidades a evitar contas de taxa fixa que não estão vinculadas aos serviços prestados, apesar de não limitar o custo quando os serviços são adequadamente providenciados.
Ao protestar as contas excessivamente elevadas de serviço público que não correspondem ao uso, os oradores da reunião também sublinharam a necessidade de acabar com o mito de que moradores de favela não querem pagar por água e outros serviços, explicando que eles só querem pagar um preço justo.
André Santana associou a possibilidade de uma cobrança subsidiada para as favelas com a necessidade de investimento público em favelas: “Quem necessita de políticas públicas–escolas e hospitais–são as favelas”.
Com a pacificação, a formalização de serviços públicos tem sido apontada como uma forma de inclusão social pelas autoridades. Porém, os serviços gerenciados pelo mercado muitas vezes são priorizados ao invés dos investimentos em educação e saúde. Aludindo à proximidade das Olimpíadas no Rio, o vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Vidigal, Sebastião Aleluia, disse: “A melhor Olimpíada seria dos hospitais, escolas”.
Os líderes da comunidade pediram um engajamento cívico mais amplo. O presidente da Vila Vidigal, Marcelo da Silva, afirmou à multidão: “A conta vai chegar individualmente para cada um de nós. Não dá para ficar reclamando nos botecos da vida, não adianta ficar reclamando, na fila do ônibus, do moto-táxi e no Facebook”. Os líderes incentivaram os moradores a se unirem perante as autoridades antes delas agirem. Santana disse: “É bom lembrar que tudo é política, desde o preço da sua cerveja até a conta da Light quando você está assistindo a sua novela”.
Os próximos passos são continuar com as reuniões em outras favelas que participam da União Comunitária e articular, potencialmente, uma ação coletiva direta nestas comunidades.