Cerca de 250 pessoas se reuniram na Vila Autódromo este sábado, 27 de fevereiro, para o lançamento oficial do atualizado e premiado Plano Popular da Vila Autódromo, projetado pelos moradores da Vila Autódromo com a assistência técnica de pesquisadores da UFRJ e da UFF. O evento aconteceu após uma semana tensa na comunidade, com a demolição da Associação de Moradores e da casa de Heloísa Helena Costa Berto, e a ameaça de demolição da casa de Maria da Penha.
“Urbaniza Já, a Vila Vai Ficar!”
A manhã começou com moradores, apoiados por estudantes, marcando os lotes atuais da comunidade, de acordo com o Plano Popular. Aqueles que vieram para apoiar a comunidade foram entretidos por uma companhia de palhaços da Escola Livre de Palhaços, enquanto as crianças desenhavam o seu próprio “Planinho Popular”, mostrando como eles querem que a Vila Autódromo seja urbanizada.
Depois do almoço, os moradores se prepararam para sediar o evento de lançamento na casa de Penha, mas tiveram que se mudar para o parquinho da comunidade para acomodar a multidão que lá estava. No lançamento lideranças comunitárias, como Maria da Penha, Sandra Maria e Jane Nascimento, assim como dois dos planejadores urbanos que compuseram a equipe técnica do Plano Popular–Carlos Vainer e Regina Bienenstein–falaram com as pessoas reunidas. Eles descreveram a luta para permanecer na terra até este momento, e suas esperanças para o futuro, que estão detalhadas no Plano.
Maria da Penha iniciou as falas, declarando que embora “a Associação caiu, nós não caímos”. Ela continuou com uma nota pessoal: “Não abro mão de meu direito, nem de minha casa”.
Ela passou a explicar que a prefeitura as vezes argumenta que a Vila Autódromo não pode ficar, porque “não tem como urbanizar a Vila“, mas o Plano Popular mostra que esse argumento é sem fundo.
Sandra Maria foi a próxima a pegar o microfone, e usou seu discurso para desafiar o Prefeito Eduardo Paes para manter sua palavra para que a comunidade permaneça. Ela e outros moradores presentes no evento de sábado lançaram um desafio a todos os apoiadores da comunidade para postarem vídeos de si mesmos nas mídias sociais convocando o prefeito para manter sua palavra usando a hashtag #UrbanizaJá para rastrear os vídeos.
O chefe do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio também falou, garantindo o apoio do seu escritório para a luta da comunidade.
Carlos Vainer da UFRJ falou sobre a necessidade de urbanização, dizendo: “A habitação não é apenas uma casa, é a integração com a cidade”. Ele olhou para cima para o novo hotel construído para os Jogos Olímpicos e disse: “Eles [do hotel] não querem a vizinhança dos moradores da Vila Autódromo, mas [os moradores] querem se integrar”. Penha entrou na conversa: “E lembre-se que chegamos primeiro!”.
Vainer elogiou os moradores por sua luta, adaptando o lema dos moradores “Vila Autódromo existe e resiste”, dizendo que “Vila Autódromo existe porque resiste”.
Em vários pontos dos discursos, a multidão clamava “Urbaniza Já, a Vila Autódromo vai ficar!”.
Muitos moradores usaram seus discursos para agradecer a massa de apoiadores que se reuniram na comunidade para o evento, e também durante a semana quando eles fizeram resistência à demolição da Associação de Moradores, o centro espírita de Heloisa Helena Costa Berto, e a casa de Maria da Penha, centros simbólicos da resistência.
Com o lançamento oficial do plano atualizado, os moradores afirmaram seu desejo de permanecerem na comunidade, com a urbanização. Os planos originais para o Parque Olímpico da empresa de infraestrutura global, AECOM, mostravam uma grande parte da Vila Autódromo coexistindo com o Parque Olímpico. Além disso, o Prefeito Eduardo Paes tem afirmado repetidamente que os moradores que querem ficar podem ficar. Mas as ações da prefeitura na realidade não correspondem as suas palavras.
Intimidação psicológica e remoções relâmpago foram usadas para dizimar a comunidade, em uma campanha que custou a cidade bem mais de R$200 milhões, 16 vezes mais do que o custo estimado da implementação do Plano Popular. O Plano Popular representa uma visão para a Vila Autódromo não apenas para ficar, mas para florescer, e esta visão foi reconhecida, na sua versão anterior ao ganhar o prestigiado prêmio Deutsche Bank / London School of Economics UrbanAge.
O Plano Popular
O Plano Popular foi atualizado para refletir as demolições que têm sido levadas a cabo e projetando lotes para todos os moradores que escolheram ficar e que não têm interesse em negociar uma indenização com a prefeitura. Além da construção de uma nova Associação de Moradores, o Plano propõe a restauração do jardim da comunidade, uma creche comunitária, um espaço multi-uso para realização de eventos na comunidade, um pequeno parque, e a expansão de um sistema de esgoto e drenagem.
O plano foi bem recebido por seus méritos técnicos, e está alinhado com os ideais da ONU-Habitat para um bom design. Além disso, o Plano foi um esforço participativo entre a comunidade e parceiros acadêmicos. Vainer disse: “O Plano não é um desenho. Um Plano é feito de coragem, de paixão e de luta”.
Solidariedade com a Vila Autódromo
Apesar da intensidade da luta e do aumento da tensão da semana passada, o evento foi uma celebração inspiradora de resistência em curso repleta de solidariedade de apoiadores e renovação de otimismo para a implementação do Plano Popular.
Dentre as pessoas reunidas estavam moradores, líderes comunitários, políticos, defensores públicos que trabalharam no caso da Vila Autódromo, e apoiadores que têm mantido a vigília na Vila Autódromo durante a semana passada em face de demolições. Apoiadores de outras comunidades, como a Cidade de Deus, foram reconhecidos. Penha disse à multidão que a situação traz “tristeza, mas muita alegria por todos que estão presente”. Mesmo trabalhadores da obra do Parque Olímpico ao lado pararam para ouvir os discursos entusiasmados.
No final do evento, os ativistas fizeram chamadas para que os apoiadores mantivessem a presença na Vila Autódromo. Eles enfatizaram primeiro a importância de manter a vigília na comunidade na próxima semana, e, em seguida, falaram sobre a presença de apoiadores ao longo prazo. Um convite permanente para realização de eventos, tais como grupos de capoeira e teatro na Vila Autódromo foi estendido para a multidão. No próximo sábado, 5 de março, haverá a comemoração do lançamento do livro de Raquel Rolnik, Guerra dos Lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças. Raquel Rolnik, recente Relatora Especial da ONU sobre Direito à Moradia Adequada, é professora da USP e uma defensora de longa data da Vila Autódromo.
Os próximos dias são novamente cruciais, os moradores e apoiadores tentam deter a remoção da casa de Maria da Penha, um local-chave de resistência. Colocada sob uma ordem de demolição na última segunda-feira, os moradores esperam que a prefeitura tente demolir a casa a qualquer momento, e por isso estão constantemente vigilantes. Eles continuam esperançosos no entanto, e a exibição de apoio no evento do lançamento, visivelmente renovou a moral dos moradores. Como Penha disse: “A luta vai continuar”.