Moradores contam que são obrigadas a se esconder de tiroteios e que a UPP está longe de ser um projeto de paz.
Desde o início deste mês, constantes ações da polícia na Cidade de Deus vêm assustando moradores que vivem uma rotina de medo, com relatos de tiroteios e constantes ações do caveirão–nome dado ao carro blindado usado pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Moradores questionam o papel e funcionalidade da UPP e reclamam de ter seus direitos violados. Alguns preferem nem sair de casa temendo os prejuízos em dia de operação policial.
Segunda comunidade do Rio de Janeiro a receber o projeto de pacificação, a UPP da Cidade de Deus chegou em 2009 e hoje conta com o efetivo de 343 policiais que atendem os seus mais de 2km de extensão onde habitam cerca de 47.000 moradores espalhados por 18 territórios. Assim como em outras partes da cidade, o projeto tem sido problemático.
O estudante Lucas Felix de Lima, 19 anos, que nasceu na comunidade, está assustado com a sucessão de casos de violência. “Todo mundo tem receio de ser pego por uma bala perdida. Imagina estar saindo para trabalhar e ser atingido por uma bala?”, questiona o rapaz, que perdeu o emprego porque ficou preso em casa durante dois dias seguidos. “Não fui trabalhar e acabei perdendo o emprego”, conta.
Além de tiroteios, moradores contam que os ônibus pararam de circular na Rua Edgar Werneck. A moradora da Rua Miguel Salazar, Solange da Silva, 42 anos, teve a maior dificuldade para chegar em casa. “Quando fiquei sabendo do tiroteio eu já estava no ônibus e a única coisa que eu queria era chegar em casa. O ônibus não estava indo até a Praça da CDD, tive que soltar no Apê (que fica uns 2km da praça principal) e ir andando. Passei o maior perrengue”, revela.
Para Mauro Leocádio, um estudante de 20 anos, essa ‘guerra’ é também uma forma de discriminação. “Outro dia eu saí de casa e estava indo para o curso quando vi uma tropa de motos do Choque. Isso não acontece numa área nobre. Me pergunto qual é a necessidade de ter tantos homens armados assim. Eu me sinto desprotegido”, ele afirma. “A UPP não é um projeto de paz, está longe disso. Está ocupando mas não acaba com a violência”, desabafa.
Sem direitos e sem voz
Uma moradora que preferiu não se identificar, conta que estava na rua, ainda durante a luz do dia, quando foi atingida por uma bala na perna. Ela estava com sua filha de apenas cinco meses em um carrinho de bebê.
De acordo com a moradora a bala que a atingiu veio de policiais que fizeram o socorro. Ela foi baleada no mês passado (maio) e conta que foi induzida por policiais a não prestar queixa.
Política de segurança inadequada
Para a antropóloga Adriana Facina, as soluções para diminuir a violência em territórios populares têm a ver com a ampliação de direitos, e não com a retirada deles. “Claro que é sobre os direitos humanos e o básico direito à vida. Mas também sobre os direitos elementares que são educação, transporte, moradia. É inadmissível ouvir relatos de moradores que não podem desfrutar do direito de ir e vir”, explica.
Para Adriana, está estabelecida uma relação de perseguição a uma classe específica: “Não existe guerra contra coisas, mas sim, contra pessoas que são em sua maioria negros, pobres, moradores de áreas populares. Nestas áreas, tudo é permitido. O Estado age nas suas margens dessa maneira. É o lugar onde as leis são relativizadas, onde os serviços públicos são precários, onde os direitos são falhos’, destaca. “Essa é a maneira do Estado atuar nas margens. Isso faz com que a própria força do Estado se reproduza.”
Para a especialista, com essa repressão policial e ações de brutalidade, o Estado consegue manter a desigualdade social: “A guerra as drogas é uma ótima desculpa”, finaliza.
Juliana Portella tem 25 anos, é jornalista, redatora e trabalha com mídias sociais. Professora, Juliana também se dedica a dar aulas para jovens de um pré-vestibular comunitário na anti-penúltima estação de trem do Ramal Japeri: Queimados.