Debates sobre política urbana tendem a ser basicamente teórico: quem ganha, quem perde, e o porquê ou então técnico: regulamentos, subsídios, se o processo é legal, qual é a fonte de financiamento; mas Carlos Alberto “Bezerra” Costa, Presidente da Associação de Moradores da comunidade da Asa Branca, é um lembrete do quanto o desenvolvimento urbano pode ser direcionada, não por teoria ou política, mas pela personalidade.
Como liderança de uma comunidade auto-construída e auto-suficiente em uma planície em Jacarepaguá, Bezerra é o capitão de um navio abalado pelas primeiras ondas dos Jogos Olímpicos, “águas turbulentas”. O Parque Olímpico está planejado para ser construído a uma curta caminhada para o sul da comunidade, e está previsto a erradicação completa das casas da comunidade vizinha Vila Autódromo. Já a oeste, do outro lado da Avenida Salvador Allende, se pode ver as torres da Morada dos Passarinhos, mais um empreendimento de condomínio fechado na Zona Oeste. E subindo a Avenida Salvador Allende, ao longo da borda noroeste da comunidade, estão os planos para o corredor de ônibus (BRT) , que ligará o Parque Olímpico, com outro centro das Olimpíadas em Deodoro, na região norte.
Com os olhos arregalados e afabilidade quase infantil que suaviza seu porte imponente, Bezerra está em uma encruzilhada de duas das ruas residenciais da Asa Branca, e em uma encruzilhada do futuro do bairro, e periodicamente, faz uma pausa ao falar para deixar um menino passar em sua bicicleta e para acenar alegremente pra um trauseunte idoso, enquanto reflete sobre algumas das mudanças recentes e iminente da comunidade. A prefeitura da cidade informou a comunidade que cerca de trinta residências serão demolidas para abrir caminho para a rota BRT. (A razão exata para estes despejos é difícil de definir. Um video promocional mostra o corredor do BRT raspar parte do território ao norte da Asa Branca, a rota atualmente exibido no site oficial para o desenvolvimento das Olimpíadas não mostra nenhuma intrusão.) Qualquer que seja o resultado final, Bezerra está trabalhando para manter os residentes ameaçados de remoção, reassentados para dentro da própria comunidade. Ele é pragmático em suas relações com a prefeitura da cidade: estrategicamente combativo quando ele acha que pode obter concessões; cooperativo quando ele está resignado com a sua posição.
Além de uma via de transporte de massa a ser lançada à sua porta, outras mudanças estão em obras para Asa Branca. Devido à sua proximidade com um o centro dos Jogos Olímpicos da Barra, a comunidade tem sido priorizada para a urbanização através do programa Morar Carioca. Estão nos planos do programa para a comunidade: clínicas de saúde, titulação de terras, e melhorias no sistema de esgotos. Até agora, a comunidade tem tido pouca contribuição para a formulação desses projetos, e a postura de Bezerra teve que ser essencialmente reativa. Ele pretende negociar com a prefeitura para que o centro de saúde seja construído fora do plano original, vizando minimizar deslocalizações de moradores.
O Morar Carioca vai melhorar a qualidade de vida na comunidade Asa Branca, mas estas melhorias poderiam ser uma bênção mista. Com a urbanização e melhores serviços, a comunidade se torna mais propício para o desenvolvimento formal. Com locais próximos de esportes e infra-estrutura de transporte, torna-se atraente para as famílias de classe média. E com titulação de terras, torna-se fácil para os proprietários do imóvel para vender no mercado aberto. Juntos, estes ingredientes constituem uma receita para a gentrificação, o deslocamento de famílias de baixa renda, e a repartição de coesão da comunidade e seu caráter.
Já há sinais de que a comunidade está se tornando menos comunitária e mais transacional. Um exemplo disso é o declínio da prática do mutirão. Mutirão é o esforço coletivo de construção, onde os moradores se juntam, sem qualquer compensação monetária, para construir habitações e locais de obras públicas. Na comunidade Asa Branca, muitas das estruturas originais, bem como o sistema de esgoto foram construídas por mutirão, que hoje é cada vez menos populares, já que a comunidade está mais estável e os moradores preferem pagar por serviço prestado ao melhorar suas propriedades. Os residentes têm contribuído menos para a manutenção do sistema de esgoto, o que gera resultados negativos para o mesmo.
Uma segunda tendência que sugere um declínio na coesão da comunidade, Bezerra descreve a crescente incidência de locatários – especificamente do tipo de habitação “kitinete”, onde um proprietário constroí apartamentos projetados para uma pessoa. Até 20 kitinetes podem se encaixar em um prédio de três andares em um lote de tamanho padrão, e muitas dessas unidades são alugadas aos trabalhadores que chegaram de fora do Rio para construir o condomínio nas proximidades.
Bezerra está tentando arrecadar dinheiro para melhorar a Associação de Moradores, através de festa com churrasco, e é difícil que os locatários temporários se juntem aos antigos moradores.
Ainda assim, Bezerra tem orgulho do que resta de uma forte identidade na comunidade. Ele cumprimenta os moradores que estão jogando cartas ao longo do principal corredor comercial e promove um peça teatral que será encenado por uma trupe local. Em seu caminho para visitar o ensaio da trupe, ele atravessa a Av. Salvador Allende, que hoje é casa para cavalos que bebem água em poças ao longo da estrada, e amanhã será o lar de um dos principais corredores de transporte do Rio de Janeiro. No meio da avenida, Bezerra pára de repente no meio da frase, e sua atenção voltar-se para uma grande poça de água em um buraco cavado no chão. Antes de voltar para o seu caminho, Bezerra se agacha, coloca as mãos no buraco e ajusta a válvula. Em vista da sua posição precária de proteção da Asa Branca do turbilhão das Olimpíadas, um toque humana será tudo que é preciso.
valeu amigo adorei sua matéria retratou a mas pura verdade