Assim como várias favelas do Rio, a Vila Autódromo realizou o seu próprio Arraiá. Contrastando com festas juninas tradicionais, a da Vila Autódromo destacou, acima de tudo, mensagens de esperança, memória e resistência.
No dia 25 de junho, cerca de 80 membros da comunidade (moradores atuais e ex-moradores), ativistas locais e apoiadores se reuniram na Vila Autódromo para comemorar anos de resistência e luta pelos seus direitos. A festa teve música, comida e dança.
A comunidade, localizada na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, passou mais de cinco anos lutando contra a remoção associada ao desenvolvimento da principal instalação Olímpica, que fica na divisa com o seu território. A luta foi longa e dolorosa. Apenas 20 famílias, das 700 que residiam na comunidade, ficaram no local. Estes moradores negociaram, recentemente, com a Prefeitura a construção de novas casas para eles nas suas terras. A obra está prevista para terminar no mês que vem, apenas alguns dias antes do início dos Jogos Olímpicos que acontecerão ao lado.
Sob bandeiras coloridas e lâmpadas amarradas a uma tenda na entrada da única rua restante na comunidade, os moradores de todas as idades comeram, dançaram e conversaram até tarde da noite. As crianças estavam vestidas com seus vestidos xadrez, calças com remendos e chapéus de palha, roupas típicas da celebração junina. As crianças brincavam, riam e corriam atrás de seus amigos.
Dona Dalva, 82, sentou-se com uma amiga em cadeiras de plástico, perto da mesa onde os moradores ofereciam bolo e caipirinhas aos participantes. Dalva, uma das moradoras mais antigos da comunidade e um poderoso exemplo de resistência, sorria, enquanto observava as crianças e cães brincando sob a tenda.
“Todo mundo tem esperança de que agora as coisas estarão bem”, disse ela. “Depois de tanto sofrimento as pessoas aqui merecem [comemorar]”, completou Dona Dalva.
Ela ainda falou sobre a importância do evento como uma oportunidade para a comunidade “recuperar os seus direitos” e expressou a esperança de que outros possam seguir o exemplo da Vila Autódromo.
Esperança e direito ao território foram o tema principal do dia no Arraiá.
Larrisa Lacerda, membro do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, passou dois anos trabalhando com a comunidade Vila Autódromo.
“Este evento é uma reafirmação do território, da preservação da memória, onde os moradores e seus apoiadores podem se encontrar”, concluiu ela.
Ela descreveu que eventos como o Arraiá ajudam na construção contínua de memória, assim como o projeto Museu das Remoções, que é uma forma de mudar a narrativa sobre a comunidade, desafiando a história contada pela Prefeitura sobre a Vila Autódromo e várias comunidades do Rio que sofreram remoções.
É uma outra maneira de contar a história”, disse ela.
Às 19h, depois de várias horas de música e socialização, os participantes se reuniram na tenda para assistir a uma série de curtas-metragens documentais sobre remoções e favelas do Rio.
O primeiro filme Remoções foi apresentado pelo diretor, Luis Carlos de Alencar. O filme de 26 minutos, produzido pela produtora Couro de Rato e pela ONG de direitos humanos Justiça Global, é parte de uma minissérie chamada Contagem Regressiva que tem como objetivo mostrar alguns dos impactos sociais dos Jogos Olímpicos no Rio. Remoções destaca entrevistas com moradores de favelas de toda a cidade, inclusive da Vila Autódromo, e imagens fortes da destruição de casas nas comunidades.
O filme “Museu da Maré” foi o segundo a ser exibido. O filme–que foi realizado por um grupo de estudantes de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhanguera–apresentou uma visão geral do único museu da Maré e dos vários projetos dele. O Museu criado em 2006 por um grupo de moradores do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, está comprometido com a preservação da memória da favela e foi reconhecido como uma atração turística pelo Estado do Rio de Janeiro em 2014.
O último curta apresentado foi Irmão do Morro produzido pelo Núcleo Piratininga de Comunicação. O filme contou a história da relação entre a comunidade de São José Operário, na Praça Seca, Zona Oeste do Rio com o Padre Frank, um holandês que se uniu a comunidade no processo de mobilização política na luta pela afirmação do direito à moradia.
O evento também contou com uma exposição de fotos do prêmio de Fotografia Revelações Olímpicas, uma competição patrocinada pelo Comitê Popular e Observatório de Conflitos Urbanos da UFRJ. As impressionantes fotografias, exibidas na entrada da Vila Autódromo, ofereceram uma visão diversa do impacto e violação de direitos das comunidades durante os preparativos dos jogos olímpicos.
O Arraiá da Vila Autódromo é o mais recente de uma série de eventos no âmbito da campanha Ocupa Vila Autódromo. Durante a campanha vários eventos foram realizados na comunidade para mostrar ao mundo que um forte espírito de comunidade ainda permanece na favela, e também para demonstrar o apoio aos moradores remanescentes. Estes eventos incluíram festivais culturais, torneios de futebol e lançamentos de livros.
Ao fundo deste último evento, as novas casas para os moradores estavam em construção. Em um acordo histórico com o prefeito–o primeiro acordo de reassentamento assinado coletivamente na história das favelas–os moradores que ficaram receberão uma nova casa construída na comunidade. A vitória continua bastante imperfeita, pois alguns moradores que haviam sido removidos e queriam voltar para a comunidade não poderão, e muitos que saíram da comunidade se sentem em desvantagem. Mas aqueles que permanecem estão satisfeitos com o progresso das suas novas casas, que devem ficar prontas para as Olimpíadas. Eles pretendem manter a comunidade como um local de mobilização para além dos Jogos.