Esta é a primeira matéria de uma série de três que analisa iniciativas comunitárias em três favelas. Lideradas por um ou mais moradores, estas iniciativas têm em comum o objetivo de levar às comunidades um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico, social e/ou cultural.
Enquanto o Rio se prepara para dar as boas vindas a milhares de turistas para os Jogos Olímpicos, cresce a procura por tours nas favelas do Rio de Janeiro, particularmente as que estão localizadas na Zona Sul da cidade e que possuem os famosos panoramas. Com isso, Wilson Moraes, fundador da Turantour, uma companhia que organiza passeios a pé na favela do Turano, situada na Zona Norte do Rio, pretende criar uma imagem para o turismo das favelas da Zona Norte, contribuindo para o desenvolvimento da sua comunidade.
Nascido e criado no Turano, Wilson trabalha em um cargo administrativo no Teatro João Caetano. Em 2013, ele participou de uma oficina organizada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos sobre a história e memória do Turano, e decidiu pôr em prática o que aprendeu para promover o turismo na sua comunidade. Junto com Fabio Barbosa, outro morador do Turano, ele começou um curso de especialização para guias turísticos na Escola Estadual Antônio Prado Junior e criou a agência Turantour.
Mudando a narrativa
De acordo com Wilson, a sua motivação inicial foi perceber que as favelas da Zona Sul se beneficiavam com o turismo, enquanto nenhum turista visitava a sua comunidade: “Eu tinha inveja dos outros… ver outras favelas recebendo turistas, favelas que até tinham mais problemas do que a minha com bandidos e o tráfico… Porque os turistas vão lá e não aqui?”.
Consciente que a situação se devia em parte à vista maravilhosa e à localização conveniente que as favelas da Zona Sul oferecem, mas também à má reputação das favelas da Zona Norte, Wilson criou a Turantour com o objetivo de mudar a narrativa e provar que a sua comunidade tem muito para oferecer: “Hoje eu entendo que o preconceito seja muito menor. Em primeiro lugar é preciso enxergar que a nossa favela é um lugar bom, com pessoas boas, com pessoas que respeitam umas as outras”.
Auto empoderamento e desenvolvimento comunitário
Wilson está convencido que as atividades turísticas lideradas por gente local podem ser um benefício para toda a comunidade, e não apenas para quem está diretamente envolvido. Assim, a Turantour foi concebida para dar início a um ciclo virtuoso de desenvolvimento comunitário, gerando mais renda para o comércio local e incentivando o desenvolvimento de novas atividades. Wilson explica:
“Quando você consegue trazer turistas, progresso e prosperidade para você, as outras pessoas observam e elas também querem aquilo. E elas vêm perguntar se elas podem fazer parte, se podem oferecer o suco de laranja que elas fazem. Então se elas vêem você fazendo algo interessante, que possa fazer com que a vida delas também melhore, começa o desenvolvimento. O turismo consegue movimentar toda a economia da comunidade.”
Wilson conta que a criação da Turantour foi possível graças ao apoio de várias pessoas, incluindo Anthony Taieb, antigo representante do programa municipal Rio+Social, assim como os primos de sua esposa que trabalham no Hotel Sofitel e ajudaram a encontrar seus primeiros clientes. O projeto foi facilitado pela “sensação de segurança” que a UPP trouxe à vizinhança em 2010.
Hoje a Turantour oferece dois passeios a pé: um tour histórico e cultural dentro do Turano, e um ecológico que vai do Turano à comunidade vizinha do Salgueiro, passando pela Floresta da Tijuca.
“Por não termos o mar como paisagem e hotéis próximos, nós não temos tanta facilidade para conseguir clientes. O nosso atrativo, o que faz o diferencial, além da receptividade da comunidade, é o preço”, explica Wilson. Na realidade, a Turantour consegue oferecer passeios relativamente baratos em comparação com alguns da Zona Sul. Os clientes lidam diretamente com a Turantour, sem passar por intermediários como as agências de turismo que operam nas áreas turísticas mais tradicionais.
Hoje, o obstáculo principal à expansão das atividades da Turantour é que nem Wilson nem Fabio receberam seu Certificado Nacional de Guia Turístico oficial porque o Estado do Rio de Janeiro não conseguiu pagar a prestação final do curso de guia. Sem o certificado, qualquer acidente durante os passeios seria responsabilidade deles. Assim, Wilson e Fabio preferem não divulgarem seus passeios. A maioria dos clientes que vêm à favela são amigos de amigos que ficam sabendo no boca a boca e os passeios geram apenas uma renda complementar para os dois guias.
No entanto, Wilson está convencido que assim que receberam a certificação nacional, o projeto poderá gerar uma renda substancial, não só para eles mas para a comunidade em geral. Eles encorajam os mais jovens a buscarem qualificações na área de turismo.
“Por agora é apenas uma renda complementar, mas se Deus quiser, gostaria que ela aumentasse e cobrisse nossos salários atuais [em outros empregos], para que eu possa dizer que ganho a vida com o turismo. Gostaria de desenvolver o turismo dentro da comunidade para que as pessoas, em particular as mais jovens, comecem a querer ser guias, a aprender a história da comunidade, a fazer cursos de especialização… Fazer com que o turismo valha a pena não só para mim, mas para muita gente… Hoje, ainda é pequeno mas pode ser muito mais.”
Turismo Comunitário versus Safari tours
Quando pedimos sua opinião sobre o que deveria ser o turismo nas favelas, Wilson chamou a atenção para o fato de que “guiar dentro da favela não é como guiar dentro de um museu ou no Centro da cidade… O guia dentro de uma favela tem que ter carinho, harmonia, convivência. O turista precisa poder dizer ‘eu convivi’, e não ‘eu vi, eu passei'”.
Por essa razão, Wilson é bastante crítico dos chamados “safari tours” organizados por muitas agências nas favelas da Zona Sul, onde as pessoas atravessam as comunidades dentro de jeeps: “O turista que entra numa favela passando de carro, não pode chegar na terra dele e dizer que conheceu uma favela. Ele não interagiu com um morador, não brincou com uma criança”.
De acordo com Wilson, o Turano está livre desse tipo de turismo pela simples razão de que é impossível atravessar a comunidade de carro. A Turantour propõe apenas passeios a pé: “Onde eu levo os turistas tem escadaria. O turista que vem para caminhar dentro da favela com suas pernas é um turista diferente de um turista que vem para andar de jeep”.
Wilson sonha em avançar com a concepção de turismo comunitário hospedando pessoas em sua casa. Para ele, “o turismo ideal seria quando o turista vir e pernoitar, passar um dia, uma noite, um final de semana. Assim, ele poderia sair de manhã para ir na padaria comprar pão, ir no samba, voltar pra casa, tomar seu banho, dormir… vivenciar a favela”.
A caminho de um apoio institucional mais forte
O sonho do Wilson para o turismo comunitário–que é compartilhado com muitos guias locais e moradores de favelas no Rio–é de vir a receber um apoio maior por parte das autoridades municipais. A Câmara pretende examinar o projeto de lei do Célio Lucarelli–No. 1599/2015—para regulamentar o turismo em 21 Áreas de Interesse Especial para o Turista, incluindo a comunidade do Turano.
Elaborado após uma discussão com vários interessados e representantes do curso de turismo solidário na UERJ, o projeto quer promover o turismo comunitário em 21 comunidades.
“Hoje as grandes operadoras dominam o mercado e excluem os pequenos operadores, os micro-empresários do turismo de base comunitária”, explica o assessor de Célio Luparelli. “O que nós estamos tentado fazer é dar igualdade de condições… e colocá-los no mercado com mais força”. O assessor afirma que isso pode ser feito em parceria com a Contur, uma rede de iniciativas turísticas, através de medidas como a criação de mapas locais fazendo referência a iniciativas de turismo comunitário, através da divulgação do turismo comunitário pela Secretaria Municipal de Turismo, com a formação de guias locais com treinamentos e oficinas, e com a promoção de parcerias entre agências de turismo e guias turísticos nas comunidades.
Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania assim como a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o projeto-lei pode ser votado este ano após passar por outras comissões.
Série Completa: Ciclos Virtuosos de Desenvolvimento
Parte 1: Turismo Comunitário no Turano (Turantour)
Parte 2: Educação e Cultura no Morro do Salgueiro
Parte 3: Maré Fala por Si Mesma (Maré Vive)