Quando Rafaela Silva jogou suas mãos para o ar para comemorar sua vitória Olímpica na disputa da medalha de ouro feminina do judô, moradores, atletas e técnicos pelas favelas do Rio vibraram com ela.
Muito já foi escrito sobre a Rafaela de 24 anos e o que sua vitória representa para o Brasil, para a cidade do Rio e para as atletas mulheres em todo o país. Sua conquista de alto nível abriu um diálogo sobre como a identidade da Rafaela–mulher negra nascida e criada na Cidade de Deus–desafia as históricas estruturas de poder do Brasil, com especial importante devido aos ataques racistas direcionados à ela em suas redes sociais depois dela ter sido desclassificada dos Jogos de Londres 2012. A decisão de Rafaela de divulgar publicamente seu relacionamento com sua namorada poucos dias após sua vitória adicionou um outro nível de política de identidade ao que já era uma conquista significativa, ao elevar o perfil dos grupos sub-representados e marginalizados no Brasil.
Mas, embora Rafaela tenha recebido a maior atenção da mídia, ela não era a única atleta das favelas do Rio competindo nessas Olimpíadas. O time da cidade incluiu um número de atletas de uma ampla variedade de esportes que moraram e treinaram nas favelas.
Os Jogos Olímpicos e os megaeventos anteriores tiveram efeitos catastróficos para muitos moradores de favelas, tais como remoções, redução do acesso ao transporte e violência policial letal. Ainda assim, a oportunidade de representar suas comunidades para uma audiência nacional e para milhões de espectadores em todo o mundo, forneceu a chance dos atletas do Rio mostrarem outro exemplo de valor positivo vindo das favelas e de seus moradores.
Patrick Borges e Michel Lourenço – Boxe
Patrick e Michel cresceram no Vidigal na Zona Sul, onde eles começaram a treinar na academia de boxe de sua comunidade Instituto Todos na Luta–Michel aos 10 anos de idade e Patrick aos 13. O treinador deles, fundador do Todos na Luta, Raff Giglio, descreve os dois jovens atletas como um exemplo positivo para a juventude de sua comunidade.
“Eu vi tantos comentários no Facebook nos últimos dias, todos dizendo ‘você é o orgulho da comunidade’”, ele disse, sorrindo. “Todos aqui dizem: ‘Eles são motivo de orgulho para nossa comunidade. Eles são um exemplo de que é possível'”.
Raff, 51 anos, ex-pugilista, começou a treinar crianças e jovens no Vidigal em 1993, quando ele levou sua academia de boxe para dentro do morro e ofereceu aulas adicionais de boxe, gratuitamente, para jovens da comunidade que não tinham condições de pagar pela instrução. Embora Todos na Luta só tenha sido formalmente registrada como uma ONG há seis anos, Raff e outros instrutores vêm oferecendo esse treinamento por mais de duas décadas.
O principal objetivo da organização, Raff diz, é incentivar o desenvolvimento positivo dos jovens. Habilidades para a vida vêm primeiro e as habilidades atléticas em segundo.
“Eu acho que desenvolver bons seres humanos é ainda mais importante que ser um medalhista de ouro”, ele diz. “Isso é muito importante. E se alguém também tem talento, então ele pode se tornar um atleta [profissional]”.
Quando ele e outros treinadores encontram talentos promissores, como Patrick e Michel, eles os introduzem em um programa especial de treinamento para prepará-los para competições no mais alto nível nacional e internacional.
Quando eram adolescentes, Patrick e Michel assistiram o sucesso de Esquiva Falcão, um boxeador peso médio do Estado do Espírito Santo que treinou no Todos na Luta de 2007 a 2008, antes de se juntar à seleção brasileira. Em 2012, Esquiva conquistou a medalha de prata nas Olimpíadas de Londres, inspirando seus jovens amigos a mirar o pódio dos vencedores em sua cidade natal.
Nas Olimpíadas de 2016, Michel, agora com 25 anos, alcançou as quartas de final de seu peso–apenas a um passo de, ao menos, uma medalha de bronze–antes de ser eliminado pelo vencedor da medalha de ouro, Julio César La Cruz de Cuba. Patrick, 23 anos, que ocupou o oitavo lugar do ranking mundial de sua categoria, perdeu sua primeira luta para o colombiano Yuberjen Martínez, que depois ganhou a medalha de prata.
Ainda assim, Raff diz, embora nenhum dos dois tenha ganho uma medalha olímpica, seus feitos são dignos de muita celebração.
“Eu me sinto compensado, eu me sinto gratificado”, ele diz. “Me senti gratificado quando vi nossos atletas–que chegaram aqui como crianças e hoje são homens e atletas olímpicos–participando das Olimpíadas. Independentemente das medalhas, só o fato de estarem aqui, como atletas alcançando esse nível, para mim já é recompensa suficiente”.
Durante as lutas Olímpicas deles, Raff diz, toda a comunidade deu uma festa e se reuniu para assisti-los lutando. Ambos os pugilistas agora moram em São Paulo, onde treinam com a seleção brasileira, mas eles voltam com freqüência ao Vidigal para visitar a família, os amigos e sua antiga academia.
“Eles têm seus lares e as suas famílias aqui” diz Raff. “Quando eles têm o final de semana livre, ou férias, eles vêm ao Vidigal e ficam aqui, eles vêm treinar na academia. A casa deles é o Vidigal. Eles moram em São Paulo porque é o lugar de trabalho deles, é onde fica o escritório deles. Os lares deles são aqui”.
De acordo com Raff, os atletas já estão começando a se preparar para as Olimpíadas de 2020 em Tókio. Dessa vez, ele espera que ambos tragam medalhas para o Vidigal.
Ygor Coelho e Lohaynny Vicente – Badminton
O pai de Ygor Coelho de Oliveira, Sebastião Oliveira, fundou a Associação Miratus de Badminton na favela da Chacrinha, localizada em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, em 1998. Miratus recebeu muita atenção de alguns veículos de comunicação durante essa temporada das Olimpíadas, incluindo a CNN e o The New York Times e como uma das cinco organizações com um longa-metragem no Festival Reimagine Rio. Sebastião instrui 200 jogadores de 4 a 20 anos através de um regime de treinamento inovador que combina o badminton com o samba–adicionando um toque único carioca à pratica tradicional de pular corda. De acordo com Sebastião, as crianças achavam chato pular corda, mas o samba conseguiu prender a atenção de mais de 3000 estudantes ao longo dos 18 anos de existência da escola, e a técnica já produziu dois atletas Olímpicos.
Ygor de 19 anos foi o primeiro homem a representar o Brasil no badminton individual nas Olimpíadas. Ele já é seis vezes campeão masculino individual em Jogos Pan-americanos Junior e venceu o campeonato Pan-americano de dupla mista quatro vezes jogando com sua colega Olímpica, Lohaynny Vicente de 20 anos.
Lohaynny, a jogadora de badminton brasileira no topo do ranking, é também aluna da Miratus. Ela ganhou prata e bronze nos Jogos Pan Americanos de 2015–a prata veio jogando com sua irmã mais velha, Luana, que tem sido seu par nas duplas desde que as duas começaram a treinar na Miratus. As irmãs Vicente entraram para a escola quando elas se mudaram para a Chacrinha, em 2002, deixando o Complexo do Chapadão na Zona Norte após a morte de seu pai, que estava envolvido com o tráfico de drogas.
Apesar de nenhum dos alunos da Miratus terem levado para casa uma medalha nas Olimpíadas do Rio, eles apreciaram o apoio ensurdecedor de seus fãs na cidade. No último Jogo Olímpico de Ygor, no qual ele perdeu para o 14º do ranking, o alemão Marc Zwiebler, a multidão de pé o aplaudiu e entoou seu nome por vários minutos após o jogo ter terminado.
Lohaynny foi eliminada nas primeiras rodadas da competição, mas disse que ela estava orgulhosa de ser a primeira mulher brasileira a representar seu país no badminton nas Olimpíadas, e espera inspirar outras crianças das favelas a acreditar em seus sonhos de atleta.
“É bom que vejam que, independentemente da classe social, as pessoas podem chegar onde quiserem”, ela disse à Globo em uma entrevista após o jogo.
Miratus–juntamente aos seus alunos famosos–é representado em Não Deixe a Peteca Cair, um dos cinco documentários que estrearam recentemente na Reimagine Rio.
Giovanna Pedroso – Saltos Ornamentais
Uma das atletas locais menos conhecidas dos Jogos do Rio, Giovanna Pedroso de 17 anos, cresceu na favela da Chácara do Céu na Zona Sul. Giovanna começou a treinar ginástica quando ela tinha quatro anos, mas trocou para os saltos ornamentais quando tinha 10 depois de participar do projeto “Saltando para o Futuro”, um programa patrocinado pelo Ministério do Esporte e pela Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, que oferece aos estudantes de escolas públicas a oportunidade de praticar os Saltos Ornamentais.
Nos anos seguintes, Giovanna avançou para representar o Brasil no cenário mundial, vencendo a primeira medalha de prata da história do país no salto sincronizado na plataforma de 10 metros nos Jogos Pan Americanos de Toronto no ano passado. Ela e sua companheira de equipe, Ingrid de Oliveira, terminaram em oitavo na competição da plataforma de 10 metros no Rio e decidiram não competir mais juntas após um desentendimento pessoal, mas provavelmente haverá outras oportunidades para que ela continue saltando pelo Brasil no futuro.