O Papel dos Pais no Sistema Educacional do Rio de Janeiro

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Suzanna da Silva lembra da sua experiência escolar como instável. “Quando eu fui a escola, eu tinha mais ou menos 10 anos. Aí comecei a frequentar a escola. Eu estudava até o meio do ano. No meio do ano, o meu pai tirava a gente, levava a gente para roça de novo. Era assim”. Trinta e cinco anos mais tarde, ela está de volta à escola através do programa do Estado do Rio de Janeiro Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ela frequenta as aulas quatro vezes por semana e estimula os seus seis filhos a seguir o seu exemplo. “Eu quero que eles estudem, e que tenham um futuro bem bacana. Eu quero que eles tenham um trabalho, uma profissão que gostem”.

Os pais e seus esforços são uma parte essencial do sucesso do estudo dos filhos em qualquer lugar. Mas nos lugares onde o sistema educacional falta aos estudantes, os pais preenchem as lacunas com suas próprias soluções.

Vista do Leblon e Ipanema, onde as filhas da Suzanna vai a escola

Suzanna mora no Vidigal, uma favela na Zona Sul do Rio, há 18 anos, mas os seus filhos não frequentam mais as escolas públicas na comunidade. Quando surgiram problemas de bullying, Suzanna resolveu procurar lugares nas escolas da vizinhança. Os seus dois filhos mais velhos não frequentam a escola; as suas três filhas em idade escolar vão a escolas públicas no Leblon e em Ipanema.

Suzanna resolveu tirar seus filhos da escola quando esta não foi capaz de solucionar os problemas de bullying. “Fui [à escola] e falei com a diretora. Ela disse que não podia fazer nada”, ela conta. Nas novas escolas, ela diz que se sente confortável ao falar com o pessoal da escola. “Os professores são muito legais. Se tem um problema com seu filho, você pode procurar para conversar”, ela diz.

As filhas da Suzanna na entrada de casa

Uma comunicação forte entre pais e professores é importante para os pais e as mães como Suzanna, e alguns manifestam a sua preocupação quanto à qualidade dos professores nas favelas. Em algumas escolas falta uma equipe de ensino completa, e em 2016, o sindicato dos professores no Rio de Janeiro ficou em greve durante quatro meses, tornando-se a greve mais longa na história do estado.

Devido à estigmatização de longa data das favelas, muitos novos professores não querem trabalhar nas suas escolas. No entanto, o processo de colocação muitas vezes lhes dá poucas opções. Professores relutantes são designados para trabalhar em lugares com dinâmicas sociais diferentes, enfrentando novas realidades.

Enquanto muitos se mostram à altura da ocasião, alguns professores que não querem estar lá podem ensinar em um nível de qualidade inferior, à espera de mudar de escola. Em algumas das escolas nas favelas, especialmente aquelas onde a violência é um desafio frequente, os professores são desmoralizados e alguns descrevem os alunos como “terríveis”. Outros questionam os “valores morais” dos pais dos alunos. Na Maré na Zona Norte do Rio, um professor disse, “Dizendo de uma forma geral, não vejo nenhum benefício [para um aluno que mora na favela]”. Um professor diferente retrucou, “Como você pode ser feliz?” ao lhe perguntarem como os professores se sentiam ao ser colocados nas favelas.

Outro problema com a educação no sistema público no Rio é a falta de escolas nas favelas, sobrecarregando os professores e pequenas salas de aula. A escola Claudio Besserman Vianna Bussunda foi uma resposta para a falta de escolas em Rio das Pedras, uma grande favela na Zona Oeste composta em grande parte por imigrantes do Nordeste do Brasil. Há uma década, os pais fizeram um abaixo-assinado para que a prefeitura construísse a escola para atender às necessidades da comunidade. Com a construção da escola, no entanto, Rio das Pedras tem apenas duas escolas públicas de ensino fundamental para atender aos seus alunos, apesar de contar com uma população superior a 50.000 pessoas.

Escola Claudio Besserman Vianna Bussunda em Rio das Pedras

Quando um aluno termina o ensino fundamental, ele enfrenta novos desafios para chegar ao ensino médio. Em 2016, completar a educação até o ensino médio tornou-se obrigatório. Maria Aparecida Rocha de Camargo, coordenadora na escola Claudio Besserman Vianna Bussunda, explica que há apenas uma escola que atende além da quinta série em Rio das Pedras. Os alunos que não conseguem obter uma vaga naquela escola devem ir para os bairros vizinhos como a Freguesia. Os alunos no Rio de Janeiro podem usar os ônibus públicos de graça, mas os pais que acompanham as crianças pequenas para a escola pagam o transporte extra. “A lei fala da obrigatoriedade escolar, mas não necessariamente perto de casa. É um sacrifício para as famílias”, diz Maria Aparecida.

Maria Aparecida diz que gosta de trabalhar em Rio das Pedras porque os pais dedicam-se à educação dos seus filhos. “Muitas famílias não sabem ler nem escrever. Então vir para o Rio significa uma chance de melhorar a vida”, de acordo com Maria Aparecida. Ela diz que os pais valorizam a educação, os alunos respeitam a escola, e a comunidade como um todo é muito respeitosa.

A oportunidade de ter uma vida boa alimenta a dedicação dos pais em outra comunidade na Zona Oeste: Vila Autódromo. Maria Aparecida de Silva diz que o seu pai “pesquisou um lugar bacana para trazer a família” do estado de Pernambuco há 18 anos. Ela diz, “Ele queria nos trazer para um lugar que não tivesse tráfico de drogas, não tivesse violência… e ele achou este lugar”. Maria tem uma filha, Rebecca, com o seu marido, Sidinei.

Vila Autódromo se tornou conhecida por enfrentar a remoção devido à realização das Olimpíadas de 2016. Maria pertence a um grupo de moradores que lutaram para permanecer na comunidade. A sua cunhada, Adriana Santos, também lutou para ficar. Ela diz, “Este é um lugar bom para as crianças”. Maria, o seu marido, e Adriana descrevem a segurança que sentem na Vila Autódromo, explicando que se sentem seguros ao deixar as crianças brincarem na comunidade. Adriana diz que explicou à sua filha, Isabel, porque era importante lutar contra as remoções para que ela compreendesse a necessidade de ficar.

“Tinha muitas crianças aqui, muitas mesmo. Depois das remoções, foram todas embora”, diz Adriana. Muitas amigas da Rebecca e da Isabel não frequentam mais as mesmas escolas. “Elas trocarem de escola quando foram removidas”, diz Adriana.

As meninas não mudaram de escola, porém Adriana diz que o seu transporte foi afetado pela construção ao redor do Parque Olímpico. Ela costumava levar Isabel na ida e na volta da escola, mas aumentou o custo das passagens e agora Adriana e a sua sogra revezam para acompanhar Isabel para a escola a pé. Ela descreve que precisa trazer um par adicional de sapatos para a sua filha trocar na escola porque o primeiro par fica sujo de lama devido à construção.

Patricia Gomes, uma moradora do Vidigal, também cuida do transporte do seu filho para a escola. Patricia colocou o seu filho único na escola particular Stella Maris no Vidigal, e ela e outros pais compartilham o custo de uma van particular para levar os alunos para a escola. A van é um custo adicional na educação do seu filho. “Numa escola particular, você gasta mais”, ela explica. Patrícia não sabe se uma escola particular é melhor do que uma escola pública, dizendo que só tem experiência com a escola particular. Mas ela diz que é possível que uma escola particular seja “um pouco melhor”.

Outra preocupação para os pais é o bullying, especialmente com referência à raça e gênero. Suzanna da Silva conta como a sua filha mais velha inicialmente sofreu bullying por jogar futebol quando mudou de escola. “Ela me falou, ‘mãe não quero jogar futebol porque as meninas estão me chamando de homem-macho.’”, diz Suzanna. O problema foi resolvido pela escola depois que Suzanna conversou com o diretor, que fez uma reunião com os pais e os alunos envolvidos.

Gênero e sexualidade não são tópicos abordados no currículo da escola. Porém, a maioria das escolas tem algum tipo de aula de educação sexual. Mas Iara Oliveira, uma educadora e mãe de Cidade de Deus, descreve-a como dada “na maior parte na aula de biologia”. O tópico tornou-se urgente neste ano quando um clamor contra a cultura do estupro surgiu após o estupro coletivo de uma adolescente em junho. Suzanna mandou as suas filhas para aulas de educação sexual oferecidas através de uma organização externa grátis, onde as meninas falam com uma psicóloga sobre “respeito, o corpo feminino, e o que é estupro”.

Raça também pode ser um tópico controverso nas escolas. Segundo a lei federal 10.639 a história e a cultura afro-brasileira devem ser ensinadas em sala de aula. Alguns preocupam-se que isto nem sempre é implantado. A história afro-brasileira é especialmente relevante e necessária nas favelas, onde há muitos moradores negros. 70% da população da Cidade de Deus na Zona Oeste do Rio é afro-brasileira. Mônica Sacramento, uma doutora em pesquisa da educação, descreve o efeito traumático que o racismo pode ter para os alunos negros que interiorizam sentimentos de inferioridade e relacionam o negro com qualidades negativas.

Debate sobre sexismo e preconceito na educação

Recentemente, o tópico da violência policial contra afro-brasileiros, especialmente os rapazes, chamou mais a atenção, quando o grupo dos EUA Black Lives Matter visitou o Brasil antes das Olimpíadas. A Human Rights Watch descobriu que pelo menos 24 crianças morreram devido à violência policial desde 2009.

Uma solução para assegurar o sucesso dos alunos é o fortalecimento dos pais através de mais educação. Suzanna participa do programa educacional adulto EJA, assim como Adriana que espera ir para a faculdade depois de formar-se neste ano. Alfazendo, uma ONG comunitária na Cidade de Deus, começou dando aulas de alfabetização para adultos. “[Queríamos] alfabetizar os adultos para que pudessem contribuir na formação dos seus filhos”, diz Iara Oliveira, coordenadora da organização.

Quaisquer que sejam as dificuldades que enfrentam com o sistema educacional do Rio, os pais acreditam na educação e estão lutando pelos seus filhos. Maria Aparecida, mãe da Rebecca na Vila Autódromo, diz que a educação é importante porque “é algo que ninguém pode tirar”. Ela e seu marido até têm uma caderneta de poupança para a sua filha e esperam que ela vá à faculdade e faça intercâmbio para outro país algum dia. Maria diz, “Dinheiro, coisas assim, se pode perder, se vai, mas a educação nunca se vai”.

Raven Hayes é estudante de mestrado no programa de Estudos Latino Americanos, Caribenhos e Ibéricos da Universidade de Wisconsin-Madison, EUA. Sua pesquisa se concentra no desenvolvimento educacional e na intersecção entre a escola, a pobreza e a comunidade.