No dia 7 de novembro, por volta das seis da manhã, a Polícia Militar chegou ao Horto, comunidade situada no bairro do Jardim Botânico na Zona Sul do Rio, para remover Marcelo de Souza e sua família, uma entre as várias que já receberam ordem de despejo.
Carros da Polícia Militar estacionaram na saída do Horto bloqueando uma faixa da Rua Pacheco Leão. Moradores da comunidade recebiam apoiadores, incluindo repórteres e figuras locais como Miguel Baldez, professor e presidente do Instituto de Estudos Críticos de Direito, José Martins de Oliveira, líder comunitário e fundador do Rocinha Sem Fronteiras e Vereador Renato Cinco.
Somente na última quarta-feira, 4 de novembro, os moradores tomaram conhecimento de que a primeira remoção estava planejada para segunda-feira, dia 7. No sábado, eles descobriram que se tratava da casa de Marcelo de Souza. A Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR) marcou uma reunião com os moradores para sexta-feira, a fim de definir estratégias de resistência. Seguindo o plano de resistência, desde às duas da manhã de segunda, os moradores começaram uma vigília na entrada do Horto. E eles estavam lá quando a Polícia Militar chegou.
A Polícia Militar bloqueou a rua da casa de Marcelo em ambas as direções durante a manhã. Em geral somente advogados e autoridades do governo foram autorizados a passar, e famílias se viram divididas por uma linha de policiais armados. Líderes comunitários permaneceram atrás das linhas policiais na tentativa de facilitar a comunicação entre moradores, advogados, representantes e polícia. Uma vez que os moradores deixassem a área bloqueada, eles não estavam mais autorizados a voltar. A família Souza permaneceu no interior de sua residência e, durante a manhã, Marcelo saiu por uns minutos para compartilhar sua história.
“A comunidade é bicentenária, e quando o Jardim Botânico foi fundado, os funcionários receberam a permissão para morarem próximo ao trabalho… e [o Jardim Botânico] não deu um tijolo sequer para os meus pais e meus avós. Eles construíram com recursos próprios”, disse Marcelo de Souza, 41 anos, falando para a multidão que estava em frente à sua casa na segunda de manhã. “A comunidade cresceu nesse sentido, eu nasci aqui, cresci aqui, casei e já tenho um filho. Meu filho é a terceira geração aqui. Construímos, estamos zelando pela casa, está todo mundo zelando há 200 anos”.
Por volta do meio-dia, a polícia ocupou as trilhas das partes florestadas do Horto. Agentes da tropa de choque posicionaram-se no final da rua, próximo à entrada do Horto, e começaram a se aproximar da residência dos Souza. Eles atiraram para cima e o sentimento de apreensão cresceu entre os moradores e apoiadores. A Polícia Militar na linha de frente, encorajava os moradores a passar para outro lado, a fim de que os mesmos não ficassem frente a frente com a Tropa de Choque. Mas muitos moradores permaneceram na frente da casa de Marcelo de Souza, entre as duas linhas da Polícia Militar.
Enquanto a tropa de choque se aproximava, bombas de gás lacrimogênio eram lançadas na direção da multidão, que incluía moradores idosos e adolescentes. Moradores então furaram a segunda linha de policiais e correram para ajudar os que tinham sido mais afetados pelas bombas de gás. A Polícia Militar permaneceu alinhada e passou a impedir a reentrada de pessoas, mesmo pessoas como Samara, advogada e moradora do Horto, que estava no bloqueio atuando como facilitadora na discussão.
No começo da tarde, as tropas de choque voltaram à atenção para a casa de Marcelo de Souza. Eles jogaram bombas de gás lacrimogênio na residência e usaram gás de pimenta e balas de borracha para forçar os moradores a se retirarem. Quando a casa estava vazia, a Polícia Militar removeu os pertences da família Souza para um caminhão de mudanças.
Então, os moradores desceram a Rua Pacheco Leão, que corre ao longo de uma das laterais do Jardim Botânico e da entrada do Horto, para protestar contra a remoção. Moradores ocuparam a Rua Jardim Botânico, bloqueando o trafego e forçando o desvio pela Lagoa. Quando os moradores tentaram prosseguir com o protesto pela Lagoa, os policiais novamente responderam com bombas de gás lacrimogênio, forcando os manifestantes a voltarem para o Horto.
A demolição da casa de Marcelo de Souza começou no final da tarde. Seus pertences foram deixados na rua e, ele e sua família foram abandonados, sem ter para onde ir. Não foi oferecido à Marcelo de Souza e sua família nenhuma alternativa de moradia ou compensação monetária, apesar do direito à moradia digna ser garantido pela Constituição brasileira.
O Jardim Botânico citou razões ambientais para justificar a desocupação do Horto e alega que utilizará a área para aumentar a capacidade de pesquisa. De acordo com O Globo, cuja sede é localizada na área, o valor da terra no Horto está em torno de R$10,6 bilhões.
Muitos moradores, incluindo Emerson de Souza, presidente da Associação de Moradores, acreditam que a especulação imobiliária é o principal motivo por trás das remoções. “Nós vamos resistir. Porque nós entendemos que essa remoção agora é criminosa. Se vocês olharem para o entorno do Horto Florestal, onde não era nada–onde havia mata e floresta–muitas mansões estão sendo construídas. [As remoções no Horto] começaram com o discurso ambientalista, e agora a própria Rede Globo já publicou em uma de suas matérias, na capa principal, que a comunidade está em uma área que vale 10 bilhões de reais”.
Esse esforço mais recente do governo federal para remover a comunidade do Horto começou após o governo interino do Presidente Michel Temer. Durante a administração de Dilma Rousseff, Horto e o governo tinham acordado um plano de regularização fundiária que concederia aos moradores o direito de permanecer na área e regularizar seus o direitos à moradia. No entanto, o ministro do meio ambiente de Michel Temer, Sarney Filho, nomeado em maio, deu autoridade ao atual chefe do Jardim Botânico, Sérgio Besserman, para decidir sobre a situação. Em uma reunião com líderes comunitários do Horto, ocorrida no último mês, Sérgio Besserman, inflexível, disse aos moradores que ele iria fazer cumprir a ordem emitida pelo Tribunal de Contas da União em agosto, dando aos moradores 90 dias para começar a desocupação da área do Horto.