Quando Pollyana de Oliveira, 28, deu à luz seu terceiro filho, ela não fazia ideia de que alguma coisa podia estar errada. Ela não teve nenhum problema durante a gravidez e nenhum ultrassom preocupante. Mas quando Luis Phillipe nasceu, sua cabeça era anormalmente pequena para o tamanho de seu corpo–não muito maior do que uma laranja. Ele tem microcefalia associada a Zika, que deixa as crianças com crânios pequenos e cérebros malformados e frequentemente causa problemas graves de desenvolvimento.
Pollyana descobriu apenas depois que o que ela percebeu como uma gripe comum no 8º mês de gestação deve ter sido Zika. Naquele momento, em novembro de 2015, ninguém conhecia os efeitos que a doença poderia ter. Em comparação com outras doenças disseminadas pelo mosquito Aedes aegypti, como a dengue e chikungunya, os sintomas pareciam até relativamente leves. Uma em cada cinco pessoas infectadas na verdade não apresentam sintoma nenhum.
Apenas alguns meses após o nascimento de Luis, na contagem regressiva para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a Zika se tornou um assunto mundial: fotos de bebês com cabeças pequenas foram publicadas, empresas aéreas internacionais forneceram advertências quanto ao mosquito antes da aterrissagem no Brasil e o governo declarou um estado de guerra contra o inseto. No auge da preocupação mundial sobre a epidemia de Zika no Brasil, 100 médicos e professores escreveram uma carta aberta à Organização Mundial da Saúde, pedindo que se adiasse ou cancelasse os Jogos: “Fazemos este pedido apesar do fatalismo generalizado de que os Jogos no Rio 2016 são inevitáveis ou ‘muito grandes para dar errado’”, os autores disseram na carta endereçada à Diretora Geral Margaret Chan. “Nossa maior preocupação é a saúde global. A cepa brasileira do vírus da Zika prejudica a saúde de formas que a ciência ainda não havia visto antes”.
Naquele momento, Pollyana pensou que poderia parecer um tanto exagerado, mas pelo menos o mundo parecia se preocupar. Agora ela mudou de ideia. Como muitas outras mães de crianças com microcefalia, ela sente que “ninguém se importa conosco”.
De acordo com a política de assistência social brasileira, as mães de crianças com deficiência, com uma renda abaixo de R$220 por mês, têm direito a uma renda mínima de R$880. Pollyana solicitou o benefício público há um ano, mas ela ainda não recebeu nenhum apoio.
O único apoio do governo que ela recebeu foi um pequeno apartamento em um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida em Maricá, nos arredores de Niterói. Ela mora com seus três filhos, incluindo Luis, pagando cerca de R$80 de aluguel por mês. Como cuidar de Luis exige tempo integral, Pollyana precisou deixar o emprego como recepcionista em uma discoteca. O pai de Luis está desempregado. Ele não mora com a família, embora visite todos os dias.
Custa R$14 apenas para chegar até Niterói por transporte público, então ela fica em casa a maior parte do tempo.
Famílias de baixa renda como a de Pollyana são as mais afetadas pela Zika e suas consequências. Áreas rurais empobrecidas e favelas urbanas apresentaram a maioria dos casos entre os 1638 casos de microcefalia relacionados a Zika no país no último ano. E as mães solteiras estão carregando o fardo principal.
Mas Pollyana não se queixa. Em vez disso, ela encontra solidariedade e apoio em dois grupos do WhatsApp de mães de crianças com microcefalia. Um com 73 mães do Rio e arredores, outro incluindo mães por todo o Brasil. “Eu nem consigo ler todas as mensagens”, ela diz. “Algumas pessoas do grupo viraram amigas. Algumas não continuam no grupo quando seus filhos faleceram. Elas não aguentam ficar no grupo”.
Ela chama o filho de “meu príncipe”. Para ela, “ele é uma criança normal; a microcefalia é um detalhe só. Existem limitações, mas eu não diria que ele não vai conseguir superá-las”.
Para conseguir o tratamento médico do qual Luis precisa, Pollyana tem que fazer uma viagem de um dia, distante e cara, de cinco horas na ida e cinco na volta por transporte público. O único centro de saúde pública que lida com microcefalia é o Instituto Fernandes Figueira em Botafogo, na Zona Sul do Rio. Só o transporte custa R$40 e ela precisa da companhia de alguém devido às dificuldades para cuidar sozinha do bebê com microcefalia. Quando Luis era pequeno, ela ia duas ou três vezes por mês; agora, com menor frequência.
Mas para ter uma chance de aprender a sentar, pegar objetos e firmar a cabeça sozinho, Luis precisaria de fisioterapia regularmente. E para que isto aconteça, Pollyana teria que pagar. No sistema de saúde privado, uma hora de fisioterapia custa cerca de R$400.
Quanto mais cedo Luis tenha acesso ao melhor tratamento, maiores seriam os benefícios a ele. Maria Elisabeth Moreira é uma pesquisadora no Instituto Fernandes Figueira. Ela insiste na importância da facilitação precoce para crianças como Luis: “Temos uma janela de oportunidade para fazer alguma coisas por estas crianças no primeiro ano de vida, quando o cérebro está crescendo. Neste momento, uma área afetada pode ser substituída pelo crescimento de uma área normal por conta da neuroplasticidade. Essas crianças que nasceram durante a epidemia da Zika não são uma geração perdida. Nós temos algo para fazer por elas. Todas elas merecem ser acompanhadas e estimuladas para alcançar em sua plenitude as suas habilidades”.
Mas com crise econômica que o Brasil está sofrendo, o sistema de saúde pública está quase em colapso. Maria Elisabeth Moreira diz que “foram gastos milhões para o desenvolvimento de vacinas e na guerra contra o mosquito, mas as crianças afetadas foram esquecidas”.