Chovia torrencialmente na tarde do dia 19 de maio, quando mães, parentes e amigos reuniram-se na Avenida Rio Branco, ao lado da Igreja da Candelária no Centro do Rio, para protestar contra a matança ilegal dos seus filhos, parentes e entes queridos. Eles portavam faixas, placas e fotos daqueles que haviam perdido devido à violência policial, incentivando os espectadores a se manifestarem contra as injustiças e as violações do Estado aos direitos básicos garantidos pelo próprio Estado. Uma das manifestantes declarou: “Queremos dizer que os nossos mortos têm voz. Que as nossas vidas valem muito… Que os nossos filhos têm sonhos, que os nossos filhos têm o direito de viver… Estamos aqui para mostrar a vocês que o mês de maio é o mês das mães e enquanto as mães estão chorando os seus mortos, nós estamos aqui para mostrar para a sociedade que os nossos jovens são jovens sonhadores, e acima de tudo brasileiros”.
A manifestação no dia 19 foi o primeiro evento do Segundo Encontro da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado. As famílias das vítimas de todo o Brasil se reuniram com organizações como a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Movimento Mães de Maio de São Paulo, Mães de Manguinhos, Centro dos Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, Fórum Grita Baixada, Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, Mães do Ceará, Associação das Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo, e Mães de Belo Horizonte que estavam presentes. Os parentes entregaram uma caneta simbólica à Assembléia Legislativa na esperança de que os seus pedidos se transformem em lei. Suas metas incluem a criação de um fundo de reparação às famílias daqueles que foram mortos, o estabelecimento de uma semana reconhecida pelo Estado para a luta de mães e parentes das vítimas de violência do Estado e o apoio para a lei 182/2/15, que destituiria os policiais que não apoiam a justiça.
Em 2015, 3.345 pessoas foram mortas pela polícia em todo o Brasil. Apenas no estado do Rio de Janeiro, foram mortas 645. Homens negros jovens são desproporcionalmente afetados, compondo 75% dos números do estado do Rio de Janeiro. As Mães de Maio de São Paulo ainda esperam por justiça aos seus parentes perdidos com a violência de maio de 2006, quando a polícia e membros de facções se confrontaram durante todo o mês. Não se conhece o número exato de mortes durante os eventos, mas calcula-se que foram entre 264 e 600. No Rio, os assassinatos pela polícia amplificaram-se antes dos Jogos Olímpicos. O Encontro Nacional homenageou especialmente os legados de Jonatan de Oliveira da favela de Manguinhos e Vitor Hugo da Cunha da favela de Acari, cujas mortes deixaram as comunidades de luto.
O Encontro Nacional continuou no sábado à tarde com um evento entre gerações no Campo Society em Manguinhos na Zona Norte. O evento teve início com a apresentação das mães e parentes, quando cada uma compartilhou histórias das suas perdas e a busca por justiça. Também houve referência à importância do mês de maio: “Maio é um mês simbólico. É um mês em que as mulheres estão em luta em todos os seus territórios”, explicou uma das oradoras. As mães explicaram que o evento também representava um dos muitos esforços para a “desmilitarização das Américas”, e manifestou solidariedade aos movimentos na Colômbia, nos Estados Unidos e outros.
Deborah, mãe e líder na organização Mães de Maio apresentou o movimento, fundado na sequência dos acontecimentos de maio de 2006 em São Paulo. O movimento pressiona por mais transparência quanto à violência e às investigações da polícia. Ela compartilhou com as mães que elas precisam agir: “Reaja, vocês têm uma força que nem vocês sabem que têm”. Ela liderou o grupo em uma canção indígena para homenagear um outro movimento de resistência que enfrenta a contínua oposição.
Em seguida, o Reverendo Geraldo, um líder religioso na favela de Manguinhos, liderou um círculo de oração e canto. Durante o evento, foram realizadas inúmeras oficinas para compartilhar habilidades, como um grupo de jovens representando um projeto de agricultura urbana e uma cabine montada para cuidar dos cabelos. O espaço do evento também permitiu o engajamento inter-geracional–as crianças brincavam no espaço livremente e podiam participar do programa como escolhiam.
Carlos Gonçalves deu uma palestra sobre os efeitos dos megaeventos nas tensões atuais no Rio de Janeiro, explicando como décadas de políticas levaram à situação atual. De acordo com Carlos, o sistema deve ser mudado na sua essência para começar a abordar as necessidades das comunidades: “estas reformas não serão suficientes para dar legitimidade para uma solução”.
Marina Ribeiro prosseguiu, após a palestra do Carlos, discutindo a importância de outras questões das mulheres, inclusive a saúde maternal, e como o racismo institucional pode intersectar com a saúde. Ela contou uma anedota sobre uma jovem mulher que morreu ao dar à luz devido a erro médico, um exemplo do grave preço do racismo institucional. Ela explica que é importante reconhecer como o racismo é perpetuado: “é uma sociedade racista, mas não pelo viés de quem sofre o racismo, mas pelo viés de quem sustenta o racismo”.
O programa foi concluído com várias apresentações musicais e o grupo soltando balões. Como um todo, o Encontro Nacional mostrou o profundo poder destas mães nos movimentos locais, nacionais e internacionais. A rede das mães compartilhará recursos e táticas, apoiando e encorajando-se mutuamente, e servindo como vozes para os seus filhos, até que as suas metas políticas e sociais sejam alcançadas.