O nome Maré surgiu quando a favela se iniciou em área de mangue com muitas casas construídas em palafitas para suportar as águas. A palavra Maré também pode ser usada em um sentido figurado significando a força por trás das ações humanas que às vezes avança, e outras retrai. Moradores da Maré há muito tempo enfrentam adversidades começando pela própria maré, mas têm sempre perseverado, florescido e lutado por vidas melhores para gerações futuras.
Aproximadamente 4.000 pessoas foram para as ruas no dia 24 de maio para protestar contra a violência e para demonstrar solidariedade com os moradores da Maré, na Zona Norte do Rio. Durante o evento, Marcha Basta De Violência! Outra Maré é possível, dois grandes grupos de manifestantes caminharam através da comunidade e juntaram-se–em um local conhecido pelas lutas de facções rivais–para performances, falas motivacionais por familiares de vítimas e um espaço para discussão e cura. Tudo isso para protestar a extrema violência que já ceifou 18 vidas e feriu pelo menos 16 neste ano; uma delas, uma moradora de 7 anos de idade, Fernanda Adriana Caparica Pinheiro, foi morta por uma bala perdida enquanto brincava com bonecas Barbie do lado de fora da casa de uma amiga, próxima ao Parque União.
Lidar com a violência não é um fato desconhecido entre os moradores da Maré. Facções rivais por muito tempo têm lutado por território na comunidade e a polícia vinha realizando operações rápidas e letais na favela. Isto antes dos militares ocuparem a comunidade em preparação para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos. Entretanto, uma vez que os Jogos terminaram os moradores voltaram a conviver com as velhas táticas de operação de um dia, que completaram 33 operações em 2016 e já estão em 14 neste ano.
“Quando a polícia entra, é muito difícil porque você têm dois eixos de violência muito concretos, que é o tráfico e que é a polícia, ambos. Porque quando a polícia vem, o problema é que o tráfico não acaba, se junta mais um problema”, observou um ativista local e ator Gabriel Horsth. É com isso que os moradores da Maré convivem todos os dias. Uma trabalhadora Clínica da Saúde local disse que está difícil morar na comunidade: “A gente tá passando por várias situações difíceis, até fecharam o posto de saúde por causa da violência. A unidade fecha, as escolas fecham, tudo fecha. Hoje você não tem privacidade nem na sua porta, você não tem mais o direito de ir e vir, o que eu acho que é fundamental para cada pessoa. A gente não pode mais deixar nossos filhos brincar aqui, um tiroteio pode começar em qualquer momento”.
Os dias das operações policiais são regularmente anunciados, são programados para acontecer, o que levou a comunidade a cancelar 28 dias de aulas desde o começo do ano escolar, e ao fechamento de clínicas de saúde públicas por 20 dias–a caminho de superar os números do ano passado.
O policiamento no Rio e especificamente na Maré vive em oscilações, com diferentes governadores e prefeitos tentando diferentes abordagens. Os moradores da Maré veem tudo isso e a desconfiança histórica corre fundo, e por uma boa razão. “Quando a Polícia se faz presente, o Estado, ele faz matando, e é totalmente contra tudo o que é realmente fomentado constitucionalmente nesse país”, disse Gabriel. Uma moradora da Maré, Simone, acrescentou a isso que: “Eles passam aqui de visita só. Quando vem, vem muita violência”. Embora seja impossível conhecer todas as decisões políticas tomadas sobre o policiamento e importante notar como a complexa história de cada comunidade influencia a sua situação, a realidade para os moradores locais é simples, assim como Gabriel pontuou: “Desde sempre essa população sofre essa violência que é legitimada por um Estado que realmente mata a gente, todo dia”.
Entretanto, durante o evento ficou claro que apesar das dificuldades da vida na Maré, moradores têm esperança e amor por sua comunidade e também uns aos outros. “Eu adoro esse lugar. É um cotidiano que me abraça, mas ao mesmo tempo mata, mas também é meu único refúgio quando a tristeza vem, quando meus irmãos se foram”, disse Gabriel. No final do dia, uma coisa era visível: a principal esperança dos moradores para sua comunidade é a paz. “Eu quero viver. Eu quero que meus amigos vivam também. Quero que esse lugar continue vivendo.”