Museologia Social na Vila Autódromo: Um Novo Jeito de Pensar Museus

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Lutando para continuar dando voz àqueles que geralmente são silenciados, o Museu das Remoções, a Vila Autódromo e a Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro se uniram para oferecer um curso de três dias denominado “Museologia Social: Poéticas e Políticas em Movimento, A Partir de Experiências Concretas“. O evento aconteceu entre 19 e 21 de maio, na Igreja da Vila Autódromo, o único prédio preservado após às remoções e demolições que antecederam os Jogos Olímpicos e um símbolo de resistência da comunidade. Durante as demolições, a igreja serviu como depósito, abrigando móveis de moradores e servindo com a nova sede da associação de moradores, e atualmente faz parte do Museu das Remoções.

Estudantes, museologistas, moradores da Vila Autódromo, membros de  outros museus de favelas, ativistas e até mesmo alguns animais de estimação da comunidade (cães abandonados durante o processo de remoção acabaram sendo adotados e cuidados por moradores remanescentes) encheram a igreja num final de semana chuvoso. A ativista e moradora Maria da Penha dava as boas-vindas aos convidados na entrada, aproveitando para ressaltar a importância do Museu das Remoções e do acervo, apresentados no Museu Histórico Nacional (MHN) no dia anterior. “Meu sonho é que, através da nossa luta, outras comunidades não sofram remoções”, explicou Penha.

Museologia como resistência foi o tema  em destaque pelo resto do dia. O Dr. Mario de Souza Chagas, que esteve envolvido na criação de diversos museus comunitários no Rio, falou sobre a importância dos museus como um “compromisso com a vida e a transformação social”. Durante os dois primeiros dias do curso Mario, que é poeta, museologista e professor de Ciências Sociais, apresentou um seminário originalmente apresentado na École du Louvre em Paris. Com módulos voltados para a descolonização da museologia, memória e museologia social, e museologia social praticada nos museus comunitários do Rio, as apresentações de Mario enfatizaram continuamente a ideia de que “a museologia que não serve à vida, tanto orgânica como social, de nada serve”.  

Como anfitriões do evento, vozes da Vila Autódromo tiveram destaque durante todo o seminário. Na sexta-feira, Sandra Maria, moradora e ativista, apresentou a história da comunidade bem como peças restantes dos processos de remoções que agora integram a coleção exibida no MHN. No sábado os participantes do seminário fizeram um tour pela Vila Autódromo. A comunidade como um todo faz parte do arcervo dos elementos territoriais do Museu das Remoções, um testemunho da resistência e resiliência da comunidade diante do trauma. Uma das peças da coleção do museu, por exemplo, é uma barricada colocada por membros da comunidade durante os Jogos Olímpicos, quando carros e ônibus utilizavam a via principal da Vila Autódromo para encurtar caminho até o Parque Olímpico, colocando em risco crianças e animais da comunidade. Essa estrutura, construída de acordo com a necessidade, permanece lá como parte da paisagem da comunidade, como parte de um museu a céu aberto que ativa a memória em meio à rotina diária.

O curso exibido para o grande público foi um marco não só para o Museu das Remoções da Vila Autódromo mas também para a Rede de Museologia Social, um grupo fundado em 2013 que conecta museus comunitários em todo o Rio de Janeiro. Anteriormente tratado como um fenômeno relativamente obscuro, os museus comunitários vêm se tornando cada vez mais visíveis nos últimos anos, mesmo quando suas próprias estruturas físicas enfrentam problemas como dívidas e ameaças de remoção. O evento na Vila Autódromo uniu o Museu da Maré, o Museu Vivo do São Bento em Duque de Caxias, o Museu de Favela (MUF) no Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, o Museu Sakofa na Rocinha, o Ecomuseu Nega Vilma no Santa Marta, o Ecomuseu Amigos do Rio Joana, o Ecomuseu de Manguinhos, o Museu do Horto e o Museu das Remoções, colocando-os como símbolos de uma “nova forma de se imaginar o museu”, que possuem profundas raízes históricas no Rio e em outros exemplos contemporâneos ao redor do mundo, indo da Nigéria até os Estados Unidos e o Chile. O aumento da comunicação entre esses museus irá ajudá-los não só a lutar de forma mais eficaz pela sua permanência, mas também no compartilhamento de informações e ideias e na articulação de suas mensagens de forma mais clara.

O terceiro dia de curso colocou em prática as ideias até então apresentadas, com participantes trazendo objetos associados com a sua memória pessoal e os exibindo de forma improvisada e depois, fazendo o mesmo com placas que marcam partes demolidas da Vila Autódromo. O fim de semana terminou com a exibição de “Resistência”, um documentário dirigido por Eliza Capai sobre protestos ocorridos durante a atual crise política brasileira.

Durante esses três dias, o curso fixou a ideia de museu como um lugar não só para memórias, mas também para ação, um “espaço para fazer política” bem como “um pretexto para a celebrar a vida”. Museus comunitários de favelas são espaços cruciais para que vozes comunitárias se façam ouvir, bem como para trazer questões à respeito da vida contemporânea. A filosofia subjacente a estes espaços se baseia na participação ativa entre o museu e os seus visitantes, uma vez que afetam e são afetados uns pelos outros. À medida em que as vozes dos museus comunitários vão se fortalecendo, essa concepção vibrante e íntima da memória e essa experiência de museu se tornarão mais proeminente, e inspirarão tanto moradores de favela como visitantes a pensar sobre o passado, presente e futuro de novas formas.