Gizele Martins da Maré Recebe a Principal Comenda da Cidade do Rio de Janeiro

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No dia 16 de setembro, a ativista, comunicadora comunitária, e moradora do Complexo da Maré, Gizele Martins, recebeu a Medalha Pedro Ernesto em uma cerimônia no Museu da Maré. A Medalha Pedro Ernesto é a mais alta condecoração concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e é destinada a indivíduos que fizeram contribuições de destaque para a sociedade brasileira ou internacional.

No dia, aproximadamente cem pessoas estiveram presentes para uma série de atividades organizadas para comemorar a homenagem à Gizele. Gizele trabalhou como jornalista e editora-chefe do O Cidadão, um jornal dedicado às dezesseis favelas da Zona Norte que compõem a Maré, mas isso é somente um de seus muitos projetos. Ela organizou conferências sobre comunicação e cursos para moradores da Maré e conduziu oficinas para ensinar aos moradores sobre seus direitos e também sobre desigualdades de gênero e raciais. Gizele também faz parte do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro–o qual é responsável pela criação do aplicativo Nós por Nós que ajuda a relatar a violência policial–e tem guiado tours para desestigmatizar as favelas.

A primeira atividade do evento foi um painel de discussão com o nome “Militarização da Vida e Resistência nas Favelas Cariocas”. O painel contou com a comunicadora comunitária Dra. Renata Souza, a vendedora ambulante Maria dos Camelôs, a especialista na prevenção e combate à tortura Patrícia Oliveira e a coordenadora da Justiça Global, Glaucia Marinho.

Elas conversaram sobre a militarização e a ocupação das favelas, com ênfase particular nos impactos na educação. Renata informou ao público que “as operações têm sido tão constantes que um pesquisador da Maré descobriu que os estudantes da Maré perderam vinte dias de aulas em 2016. Agora vamos fazer um rápido cálculo–vinte dias sem aulas significa que os estudantes perderam um mês de aulas. Em doze anos, esse mesmo estudante… perderá um ano de doze anos de educação que ele ou ela deveria ter”. Os palestrantes também criticaram a grande mídia pelo papel dela na criminalização da pobreza através de reportagens unilaterais sobre as operações militares nas favelas.

Após o debate, comidas e bebidas foram oferecidas aos participantes antes que os atores do Grupo Atiro e MaréMoTO (parte do Teatro do Oprimido na Maré) apresentassem cenas retratando racismo, saúde e fé.

Após isso, mudando o foco para a homenageada, membros da comunidade se revezaram elogiando Gizele pelas suas muitas realizações. Oradores compartilharam histórias pessoais envolvendo os triunfos e a resiliência de Gizele e descreveram-na como uma farol na comunidade. De mães que perderam seus filhos a pastores e mobilizadores locais, todos concordaram que Gizele representa não apenas ela e sua família, mas toda a Maré. Ela é uma “guerreira”, disseram. Esses sentimentos ecoaram ao longo dos dias seguintes nas mídias sociais. Uma pessoa comentou na página do Facebook de Gizele: “Você é muito merecedora [da comenda] e eu como moradora de favela me sinto representada por sua conquista!” Outra declarou: “Valeu Gizele Martins por todo seu trabalho escancarando a perseguição e o genocídio ao/do povo negro e favelado!”. Outro comentário descreveu-a como “incansável”, destacando que no dia após receber a medalha, Gizele estava na passeata contra a intolerância religiosa.

Antes de entregar a medalha, o vereador Renato Cinco reiterou a ideia de Gizele ser representante de um grande grupo, explicando que ao celebrar o trabalho dela, a resistência das favelas e as próprias favelas mais amplamente também estavam sendo celebradas.

Durante seu discurso de agradecimento, Gizele falou da sua luta como uma moradora da Maré estudando na PUC-Rio, uma conceituada universidade localizada na rica Zona Sul. Ela lembrou a plateia que: “Na Maré, nós não temos um ônibus que vai direto para a Zona Sul”. Além disso, ela falou do modo que ela foi tratada e se sentiu como uma moradora de favela na universidade, relatando que “a faculdade nos trata como lixo porque não somos ricos”, e descreveu como os outros estudantes julgavam suas roupas. Ainda assim, desafiar essas atitudes tornou-se parte de sua luta: “Não temos que ter vergonha… são eles que têm que ter vergonha, aqueles que não nos respeitam”.

Exemplificando o porquê de muitas pessoas a verem como uma representante, durante o seu discurso, Gizele repetiu: “Eu sou a favela, eu sou gay, eu sou indígena…”, reconhecendo e declarando solidariedade com um grande contingente de marginalizados no Brasil.

Ela dedicou a condecoração às favelas da Maré como um símbolo para todos os moradores que buscam suas vozes e resistem às opressões. Ela chamou todos para agirem, declarando que “a favela vive, existe e resiste”.

O Museu da Maré, local da cerimônia de premiação no sábado, foi criado por moradores da Maré que perceberam que haviam grandes mal-entendidos sobre a história da área e como ela veio a existir. Com a inauguração do museu, há onze anos, eles procuraram inspirar uma imagem mais positiva das favelas e ampliar as vozes de seus moradores. Desse modo, o museu foi o local perfeito para Gizele ser homenageada.