No dia 4 de dezembro, o Complexo da Maré na Zona Norte sediou um debate público sobre formas de reduzir a violência com cerca de cem moradores, autoridades públicas e representantes da sociedade civil.
O debate, que aconteceu na Vila do João, foi o segundo maior evento organizado pelo Fórum “Basta de Violência! Outra Maré é Possível!”, que visa pressionar o poder público para mudar a atuação da segurança pública e as operações policiais na Maré. O Fórum é uma iniciativa das organizações Redes de Desenvolvimento da Maré, Observatório de Favelas e Luta pela Paz em parceria com outras associações da Maré e seus moradores. O Fórum iniciou suas atividades esse ano, levando mais de 5.000 pessoas a marcharem contra a violência em maio.
Os participantes do debate apontaram as forças de segurança do Estado como fontes fundamentais da violência na Maré, condenando a estratégia policial do Estado de “guerra às drogas”. De acordo com um relatório da Redes da Maré, somente em 2016, a Maré presenciou 33 operações policiais, resultando em 20 dias úteis (um mês) de clínicas de saúde e escolas fechadas. No mesmo ano, 17 pessoas foram mortas em confrontos com a polícia, resultando em uma taxa de 12.8 mortes relacionadas à polícia por 100.000 habitantes–mais que o dobro da média de 5.6 mortes no Estado do Rio de Janeiro.
Um representante do Observatório de Favelas informou aos participantes que a Maré já recebeu mais operações policiais em 2017 que em 2016. No dia do debate, uma segunda-feira, escolas e clínicas estavam fechadas, já que a polícia conduzia uma operação nas favelas Nova Holanda e Parque União, ambas no Complexo da Maré. Na manhã seguinte, uma operação envolvendo troca de tiros entre grupos armados e um helicóptero da polícia forçou crianças a se protegerem em uma creche local.
De acordo com o Fórum, essas operações refletem que “o Estado usa o confronto armado como principal forma de combater a questão das drogas e da criminalidade… tratando a favela e seus moradores como o inimigo a ser combatido em um contexto de Guerra”. Um defensor público que estava no evento adicionou que “muitas vezes a justiça acaba legitimando os ataques”, embora os moradores da Maré tenham vencido algumas disputas legais nos últimos anos.
O Fórum busca avançar no debate da segurança pública por um processo democrático e transparente, unindo os moradores do bairro e organizações da sociedade civil em discussões regulares e planos de defesa, bem como mapeando as operações policiais e publicando seus relatórios de impacto. O grupo denuncia a violência causada pela polícia e as mortes na Maré, e encoraja o Ministério Público, a Secretaria de Estado de Segurança e a Defensoria Pública a trabalharem juntas, construindo um plano de segurança pública efetivo para o complexo de favelas.
Em junho, o Fórum e a Defensoria Pública entraram com uma ação civil pública–e venceram–contra a Secretaria de Estado de Segurança, que dá ao Estado até seis meses para elaborar um plano sólido para reduzir a violência que atinge os moradores da Maré durante as operações policiais.
O Fórum continua ativo desde então, sendo um exemplo positivo de organização participativa por realizar reuniões públicas mensalmente na Maré, publicar questionários online e realizar pesquisas nas ruas, com a participação de mais de 300 moradores da Maré. As informações coletadas na comunidade, bem como o retorno e opiniões alcançado com o debate, irão dar forma ao plano oficial do Fórum para combater a violência na Maré. Próximo ao fim do prazo de seis meses, dado pela decisão judicial, o Fórum planeja pressionar ainda mais as forças estatais, elaborando seu próprio plano de segurança e submetendo-o à Secretaria de Estado de Segurança em janeiro. A página do Fórum no Facebook explica que este será “um plano com participação popular, mas também com a participação de órgãos do Estado responsáveis pela garantia de direitos. Um plano que reflita os desejos e anseios dos moradores da Maré”.
A pesquisa e os participantes do debate deram ênfase à necessidade de garantir transparência, pedindo por câmeras nos veículos e acoplada aos corpos durante as operações policiais, o aumento da presença institucional na Maré e que as investigações sobre violência policial sejam mais rápidas. Outros enfatizaram a necessidade de um melhor treinamento da polícia, de campanhas educativas para conscientização dos moradores sobre seus direitos e do fortalecimento dos canais existentes responsáveis por denunciar a violência policial.
Até agora, a Secretaria de Estado de Segurança recusou os pedidos de uma audiência pública na Maré. Com o tempo se esgotando para responder a Ação Civil Pública do Fórum, não é claro o que o Estado fará–se fará–em resposta à crescente pressão da sociedade civil da Maré. Se as operações policiais dessa semana revelam algo, é que com a ausência de um engajamento ativo e de uma reforma significativa, a violência irá continuar.
A Maré, entretanto, não será ignorada. “Vamos mostrar para a cidade que a gente existe”, disse uma participante do debate.