No dia 26 de janeiro, uma sexta-feira, representantes da organização de direitos humanos Witness se reuniram com ativistas de comunidades do Rio de Janeiro para realizar um treinamento de transmissão de vídeo ao vivo para moradores de favelas e jornalistas comunitários. Conduzido pela líder do projeto no Rio, Clara Medeiros, o evento noturno contou com uma oficina de transmissão ao vivo como forma de documentar abusos em relação aos direitos humanos, e com um painel composto por três proeminentes ativistas comunitários do Rio.
Clara abriu a noite com uma apresentação sobre as melhores práticas em transmissão ao vivo e os novos métodos para aumentar a participação dos espectadores. Ela estima que as transmissões ao vivo recebem de 40-50% mais visualizações que postagens tradicionais e de vídeo, e que o algoritmo do Facebook permite que os streamers (quem faz a transmissão) maximizem seu alcance com a interação direta dos espectadores–isso é, quanto mais comentários uma transmissão ao vivo recebe, mais ela é promovida para um público mais amplo. Isso é bastante significativo para a missão do Witness de treinar cidadãos para o uso efetivo do vídeo para documentar violações dos direitos humanos. “A ideia é usar transmissão ao vivo como ferramenta pelos direitos humanos”, ela explica. Quanto maior à exposição, maior o potencial impacto.
Mas para Clara, o potencial da transmissão ao vivo é ainda maior que o aumento das visualizações. Além do aumento da conscientização, Witness espera promover o uso das transmissões ao vivo como uma possível prova judicial. Para isso, os streamers precisam de ajuda, segundo Clara: “A pergunta para a gente é: Como que a audiência pode ajudar [o streamer]… além de dar curtidas e sorrisos?”
Foi em resposta à essa pergunta que o Witness lançou o aplicativo Mobiliza Ao Vivo que permite que os visualizadores apoiem os streamers em tempo real–oferecendo desde tradução e contextualização até apoio jurídico, baseado em suas habilidades. Clara explicou que o aplicativo se tornou particularmente útil durante as Olimpíadas de 2016, permitindo que os cariocas construíssem seu próprio “arco narrativo” separado daquele que estava sendo coberto pela grande mídia e permitiu que seus vídeos fossem logo traduzidos para o inglês.
Os palestrantes da noite atestaram o poder das transmissões ao vivo. Gizele Martins, do coletivo Maré 0800 e participante de diversas iniciativas de jornalismo comunitário, descobriu no exterior que a transmissão ao vivo permitia a ela aumentar dramaticamente seu alcance. “Eu passei duas semanas na palestina onde pude ver que as remoções são muito parecidas… tem muita semelhança com a vida aqui nas favelas“. Compartilhando vídeos ao vivo do Oriente Médio e oferecendo sua perspectiva como moradora de favela, ela ganhou espectadores internacionais bem como aumentou o interesse em outras favelas fora da sua terra natal, o Complexo da Maré.
Para Thainã de Medeiros, do Coletivo Papo Reto, a transmissão ao vivo se provou instrumental para resistir às incursões policiais no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. De acordo com Thainã, quando a polícia começou a invadir casas de moradores e até mesmo expulsar famílias para estabelecer informalmente bases da UPP no ano passado, jornalistas comunitários foram para as ruas e fizeram transmissões ao vivo do incidente, inclusive mostrando os envolvidos. Os espectadores da transmissão ao vivo rapidamente identificaram os carros e policiais responsáveis. Como resultado, o comandante da UPP foi responsabilizado e demitido. “Nunca vi uma mobilização da sociedade civil tão forte… até derrubar um comandante”, Thainã comentou.
Também do Alemão, a fundadora do Favela Art, Mariluce Mariá Souza, reforçou a necessidade de utilizar a transmissão ao vivo não apenas para documentar e resistir aos abusos de direitos humanos, mas para mostrar aos vizinhos e à comunidade que eles possuem direitos humanos básicos. “Queremos que as pessoas saibam que direitos se aplicam à nação inteira–não para uma parte só“, ela disse. “A gente quer usar o ao vivo para isso.”