‘E Quanto às Pessoas?’ Desenvolvimento Comunitário Sustentável no Rio, Parte 2—Ferramentas de Planejamento [RESENHA]

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Esta é a segunda matéria, de uma série de duas partes, de uma resenha do livro ‘Social Sustainability, Climate Resilience and Community-Based Urban Development: What About the People?’ (Sustentabilidade Social, Resiliência Climática e Desenvolvimento Comunitário Urbano: E Quanto às Pessoas?), de Cathy Baldwin e Robin King, incorporando conceitos que contribuem para pensar sobre as favelas do Rio. Leia a primeira parte aqui.

Sustentabilidade Social, Resiliência Climática e Desenvolvimento Comunitário Urbano: E Quanto às Pessoas? deixa claro que o ambiente construído tem grande impacto sobre a sustentabilidade social* de uma comunidade, como discutido na primeira matéria desta série. Esta matéria enfoca especificamente nas ferramentas apresentadas pelos autores que podem ser úteis para líderes de favelas do Rio que buscam fazer intervenções em seu ambiente construído e social.

Com base em pesquisas na América do Norte e do Sul, África, Europa, Ásia e Austrália, Cathy Baldwin e Robin King delineiam quatro estágios de práticas de planejamento socialmente conscientes para o desenvolvimento urbano: 1) concepção do esquema, 2) pesquisa e participação da comunidade, 3) decisões de design e implementação e 4) monitoramento e avaliação. Os autores descrevem como esses estágios se aplicariam em um processo formal de desenvolvimento, iniciado por planejadores externos, o que muitas vezes não é como o desenvolvimento se desenrola nas favelas, onde os moradores assumem um papel de liderança. No entanto, os princípios dos quatro estágios continuam sendo relevantes para líderes locais, na medida em que buscam um envolvimento mais amplo de suas comunidades em seus projetos.

Estágio 1: Concepção do esquema

Planos baseados em orientações de especialista e abordagens tecnológicas, e não nas ideias das pessoas que eles pretendem servir, muitas vezes ignoram os contextos sociais e culturais locais e fracassam nos resultados. Essas abordagens também caem na armadilha de negligenciar os ativos da comunidade, que se tornam vítimas, à medida que os projetos são implementados sem considerar ou construir sobre esses ativos. Deste modo, os autores argumentam que as dimensões sociais devem ser incorporadas a partir do estágio de concepção, explorando recursos sociais locais específicos, capacidades e condições organizacionais. Isso é essencial para compreender como superar os desafios locais, definir objetivos sociais claros e evitar impactos negativos não intencionais na vida das pessoas. Decisões erradas podem impactar negativamente as redes comunitárias existentes, afetando a organização e o engajamento social local.

Estágio 2: Pesquisa e participação da comunidade

Para o trabalho de planejadores externos, a participação da comunidade é fundamental, porque os moradores oferecem conhecimento local que é crucial para o desenvolvimento de planos. No mínimo, os planejadores devem estar preparados para buscar e incorporar informações da comunidade e promover atividades cívicas para fortalecer o senso de posse de uma comunidade. Um processo de desenvolvimento democrático e participativo baseado na confiança, transparência e comunicação é importante para garantir o engajamento popular.

Para além de somente um conhecimento superficial do contexto local, também é necessário desenvolver um projeto que respeite as dimensões simbólicas–significados culturais e sociais locais. Assim, os planejadores devem agir em conjunto com os pesquisadores sociais para usar um método apropriado para o planejamento. E, no caso do Rio, alguém poderia argumentar que os pesquisadores e moradores das favelas são os parceiros mais apropriados nesse processo.

Embora a diversidade social possa representar um desafio para o planejamento, ela também pode oferecer uma gama diversificada de recursos sociais para apoiar as comunidades em situações de crise e questões locais. É importante abraçar todos os tipos de diversidade, pensando nas condições espaciais que melhoram o acesso e a segurança para todos, especialmente as minorias, a fim de alcançar a igualdade urbana. A pesquisa demográfica combinada com a participação da comunidade pode, por exemplo, fornecer conhecimento das características da população e do estado atual de coesão social em uma comunidade, a fim de pensar em maneiras de construir capital social* e coesão* para criar ou fortalecer o espírito comunitário.

Uma das ferramentas apresentadas para o estágio de pesquisa e participação da comunidade é o mapeamento dos significados culturais do espaço urbano. Anteriormente feito em Belfast, Irlanda do Norte, uma cidade dividida notavelmente por muitos anos de conflito entre protestantes e católicos, o mapeamento dos significados culturais e sociais da paisagem e das memórias evocadas permite que os membros da comunidade compreendam melhor suas histórias e desenvolvimento. O processo de envolver os moradores para pensar sobre o passado, e como isso contribuiu para o presente pode trazer uma melhor compreensão da própria comunidade e ajudar os moradores a pensarem sobre o que pode ser feito no presente para criar um futuro melhor.

O mesmo exercício de mapeamento também permite identificar ativos da comunidade, recursos sociais, necessidades ou pontos fracos. Uma abordagem para este exercício é através de uma oficina participativa. Pede-se aos moradores que identifiquem e anotem em papeis adesivos os aspectos positivos e negativos da sua comunidade, o que funciona bem e o que poderia ser melhor. O facilitador da oficina fixa as anotações em um quadro, seja em um mapa ou organizadas por assunto. Mais tarde, o facilitador promove uma discussão sobre tudo o que foi escrito, levando os moradores a falar sobre as razões pelas quais escreveram cada ponto e como cada aspecto pode ser melhorado. Este processo ajuda os moradores a aprenderem mais sobre suas comunidades e pensarem sobre o que eles querem para o futuro.

Os líderes comunitários podem aproveitar o processo e as discussões para iniciar um projeto de co-design. Em projetos de co-design, líderes e moradores dos bairros, designers e autoridades do governo trabalham juntos para identificar e atender as necessidades de uma comunidade. Os moradores podem participar de processos de projetos e construções para construir capital social, fortalecer a capacidade coletiva e desenvolver o orgulho e sentimento de pertencimento. Os moradores podem votar em decisões de design para edifícios ou locais públicos, como localização, layout e forma. Qualquer morador pode ajudar com a construção por meio de tarefas que não exigem treinamento ou habilidade específicos, embora como muitos moradores construíram suas próprias casas, o conhecimento de construção não é escasso. Essas metodologias contribuem para criar um sentimento de orgulho e pertencimento ao bairro.

Estágio 3: Decisões de design e implementação

As decisões de design devem ser adaptadas ao ambiente social e cultural local, e não apenas às exigências financeiras. Ao pensar em soluções de design, os planejadores devem ter em mente que uma vizinhança mista e um uso misto da terra têm maior probabilidade de criar uma comunidade ambientalmente e socialmente sustentável*.

Um objetivo importante do design é incorporar espaços públicos abertos onde todos os grupos sociais possam interagir e criar um espírito comunitário positivo. Espaços sociais são fundamentais para o desenvolvimento do capital social e coesão, pois podem promover a inclusão e um sentimento de confiança e segurança.

Esses espaços podem ser propostos em todos os tipos de projetos. Por exemplo, habitação construída em contexto de crise por conta de um desastre natural, pode fornecer uma solução espacial que mantém as comunidades unidas em novos assentamentos, mantendo sua auto-organização e relações sociais. Porém, é importante ressaltar que o reassentamento deve ser minimizado o máximo possível e apenas proposta em situações extremas e urgentes, como desastres naturais. Outro bom exemplo é no caso de estações de transporte. Embora geralmente pensadas, principalmente, para servir a uma função utilitária, os centros de transporte também podem oferecer espaços para interação social à medida que um grande número de pessoas passa por elas todos os dias.

Outra medida importante para garantir diversidade e equidade é a oferta de moradias populares nos centros das cidades. Como podemos ver no Rio e em tantas outras cidades ao redor do mundo, há uma tendência crescente de pessoas de baixa renda serem empurradas para as regiões periféricas, dificultando seu acesso à infraestrutura e às oportunidades e dificultando oportunidades de engajamento democrático.

Estágio 4: Monitoramento e avaliação

Finalmente, depois de projetar e implementar um plano de desenvolvimento em parceria com uma comunidade, é necessário ter um método regular de monitoramento e avaliação de seus impactos para garantir a sustentabilidade social e urbana. A comunidade é um elemento fundamental na continuidade dos processos de desenvolvimento. Quando as pessoas têm um senso de responsabilidade sobre seu lugar, como muitos dos moradores das favelas do Rio, eles monitoram e avaliam os resultados dos próprios projetos de desenvolvimento, constantemente propondo e iniciando novas idéias e melhorias, independentemente do apoio institucional existir ou não.

Conclusão

A participação comunitária em projetos locais ajuda a criar laços e vínculos entre vizinhos, aumentando a capacidade coletiva. Incorporar essas ferramentas e metodologias no trabalho feito pelas organizações comunitárias nas favelas, ou consolidá-las nos casos em que elas já existem, tem o potencial de aumentar a atuação dos moradores sobre seu ambiente, comunidade e futuro.

*Glossário

Resiliência comunitária: Existência, desenvolvimento e engajamento de recursos comunitários por membros da comunidade para prosperarem em um ambiente caracterizado por mudanças, incertezas, imprevisibilidade e surpresa.

Capital social: Um fator-chave na construção de uma comunidade sustentável, o capital social é o grupo de benefícios que vêm de normas sociais consistentes e da confiança construída através da interação regular dentro de uma comunidade.

  • Capital Social que Ligue as Pessoas (bonding social capital): capital social dentro de uma comunidade.
  • Capital Social Horizontal: capital social através de uma rede de comunidades.

Coesão social: Quando pessoas da mesma comunidade ou sociedade se dão bem, confiam umas nas outras, e vivem pacificamente com ou sem diferenças sociais ou étnicas. Este processo é apoiado pela inclusão e igualdade econômica, pela democracia, por pessoas que têm suas necessidades básicas atendidas e pela solidariedade social.

Socialmente sustentável: quando o bairro apoia o bem-estar individual e coletivo de seus moradores.

Esta é a segunda matéria, de uma série de duas partes, de uma resenha do livro ‘Social Sustainability, Climate Resilience and Community-Based Urban Development: What About the People?’ (Sustentabilidade Social, Resiliência Climática e Desenvolvimento Comunitário Urbano: E Quanto às Pessoas?), de Cathy Baldwin e Robin King, incorporando conceitos que contribuem para pensar sobre as favelas do Rio. Leia a primeira parte aqui.