A Vila Olímpica Carlos Castilho, no Complexo do Alemão, estava bastante vazia no momento que iniciou o Encontro da Favela com Candidatos ao Governo do Rio, organizado pela Agência de Notícias das Favelas no último sábado, 15 de setembro. A razão foi uma operação no Jacarezinho, Complexo do Alemão e Complexo da Maré pela manhã. “Cuidado, o pessoal que for sair pra trabalhar agora, que tem exército pra tudo que é lugar no Itararé”, circulava um áudio em um grupo do Whatsapp, em alusão à estrada do Itararé, que margeia o Complexo e onde está localizada a Vila Olímpica. “Eu nem saio de casa porque tá brabo. Muito tiro”, relatou uma moradora que disse que do contrário teria comparecido ao evento. A organização decidiu manter o encontro por acreditar que o local, no limite entre a favela e o asfalto, estava seguro e a operação já havia acabado.
Não foi só a plateia que ficou desfalcada. Dos oito candidatos confirmados, somente quatro compareceram: Dayse Oliveira (PSTU), Marcelo Trindade (NOVO), Pedro Fernandes (PDT) e Tarcísio Motta (PSOL). André Monteiro (PRTB), Índio da Costa (PSD), Luiz Eugênio Honorato (PCO) e Márcia Tiburi (PT) haviam confirmado presença, mas não apareceram. Os dois primeiros não alegaram motivo, Luiz Eugênio disse que o carro enguiçou e Márcia Tiburi disse ter ficado presa em outro compromisso.
Entre os que não haviam confirmado presença, Anthony Garotinho (PRP) disse que cancelou as agendas devido a uma virose, Eduardo Paes (DEM) alegou conflito de agendas–mas supostamente se reuniu com lideranças do Alemão a portas fechadas no dia seguinte–Wilson Witzel (PSC) questionou a ANF sobre a segurança no local e depois alegou conflito de agendas, e Romário (Podemos), único candidato nascido em uma favela, não respondeu o convite.
Com público desta vez cheio, três dias depois outro debate entre candidatos a governador: o Centro de Artes da Maré (CAM) estava de casa cheia para o Debate Com Candidatos Na Maré, promovido pelo Fórum BASTA DE VIOLÊNCIA Outra Maré é Possível. Na plateia, dezenas de jovens de pré-vestibulares sociais interessados, muitos dos quais irão votar pela primeira vez. Diferente da plateia, no entanto, o palco não estava cheio–mesmo sem operação, também só quatro candidatos compareceram: novamente a Dayse Oliveira (PSTU), Ivanete Silva (co-governadora pelo PSOL), Luiz Eugênio (PCO) e Márcia Tiburi (PT). Os outros candidatos não aceitaram o convite.
A organização do debate no Complexo da Maré destacou que três dos quatro presentes serem candidatas mulheres é um fato representativo do momento político que estamos vivendo. “Sou a única candidata negra mulher”, disse Dayse Oliveira, visto que Ivanete Silva, também mulher negra, é oficialmente candidata à vice-governadora.
Não só a representatividade dentre os candidatos presentes, mas a sua disposição de irem até a favela também foi destacada. “Temos aqui quatro candidatos que respeitam a favela, que colocaram na agenda, que vieram até aqui”, ressaltou André Fernandes, coordenador da ANF, no debate do Alemão. Luiz Eugênio disse que “o PCO é o partido das massas, dos trabalhadores. Nossa identidade é maior com a favela”. Ivanete disse que o espaço da favela “não deve ser tratado com nenhuma diferença” em relação ao resto do estado: “Favela não é uma ilha. A política tem que ser construída para todos. Para a gente esse é um espaço de todos nós”. Dayse, finalmente, destacou sua identificação com a Maré: “Eu lancei minha candidatura [ao governo do estado] aqui na Maré em 2014… Eu sou de São Gonçalo, mas periferia é periferia em qualquer lugar”. No Alemão ela ainda disse: “Na periferia falta tudo porque é onde moram os trabalhadores”.
As principais pautas que surgiram nos dois debates foram de segurança pública e suas interseções com educação e saúde. Todos os candidatos presentes no debate da Maré se colocaram contra a intervenção federal militar em curso no Rio de Janeiro e defenderam reformas na Polícia Militar. “Há um projeto de extermínio dos indesejáveis, da população negra e pobre, daqueles que estão fora do processo produtivo e do consumo”, colocou Márcia Tiburi. “É preciso assegurar a segurança como direito e também a segurança de direitos. O direito a ter direitos”.
Nesse sentido, Ivanete, Dayse e Márcia colocaram que é preciso integrar as forças policiais, que hoje não dialogam. Ivanete disse que é preciso investir em ações de planejamento e inteligência, para que elas assegurem “a vida das pessoas”, ecoando as palavras de seu co-governador Tarcísio no debate de três dias antes: “É preciso enfrentar o crime organizado com inteligência e investigação e não com confronto. Segurança pública é garantia da vida, não presunção da morte”.
Similarmente, Marcelo Trindade havia dito que “o confronto é instintivo e a gente precisa de inteligência, não de instinto”, via planejamento e plano de metas, e que estamos “enxugando gelo com o sangue das pessoas que morrem diariamente”. Dayse propôs que os comandantes das corporações sejam eleitos e que a polícia seja desmilitarizada. Pedro Fernandes propôs acabar com as UPPs, que segundo ele são “equivocadas, caras e ineficientes” e redistribuir efetivos, fortalecendo os batalhões. No Alemão, Dayse e Pedro concordaram que violência é combatida com oportunidades e emprego.
Nos dois debates reconheceu-se que essa interseção entre educação e segurança pública se materializa fortemente na perda de dias letivos devido à violência e às operações policiais. Diante disso, Marcelo propôs “corredores de segurança” para que o acesso às escolas seja garantido mesmo nesses casos, e o investimento em professores. “A gente não tá conseguindo deixar de falar de educação quando fala de infraestrutura, esporte, lazer. Isso é bom. Mas obra de infraestrutura não serve para nada sem professores”.
Além disso, no que diz respeito à educação, Márcia propôs na Maré o programa Segunda Chance, para pagar bolsas para que jovens em situação de evasão escolar permaneçam na escola, enquanto Pedro propôs no Alemão programas de estágio remunerado e ensino integral com atividades esportivas, culturais e profissionais como alternativas para os jovens e para desenvolver suas vocações. Dayse propôs que a educação pública tenha maior qualidade, tanto nos livros didáticos, que deveriam ser editados em editoras públicas e não serem um negócio lucrativo, quanto na formação de professores, que segundo ela deveriam retornar à universidade a cada cinco anos para se atualizarem.
Ainda nessa interseção, nas perguntas colocadas por jovens e comunicadores populares da Maré, os candidatos foram questionados acerca de suas propostas para a prevenção, tanto em termos de saúde quanto em termos de segurança. Além das aulas perdidas, os jovens citaram o caso de um jovem que morreu de tuberculose na comunidade, a ausência de enfermarias nas escolas públicas, entre outros. “Todos nós estamos adoecidos. A gente adoece pela vala a céu aberto, a água que não chega em casa. A violência interfere na nossa saúde”, disse Ivanete. Para Marcelo, essa universalização do saneamento só será atingida com a controversa privatização da CEDAE.
Márcia propôs um programa inspirado no Mais Médicos a nível estadual e um aumento nos médicos da família. Para Dayse, é preciso acabar com as Organizações Sociais de Saúde (OSS), que prestam serviços públicos mas são geridos pela iniciativa privada. Segundo ela, propagam uma visão de saúde como lucrativa às custas de dinheiro público, além de pregar o fim da terceirização dos profissionais de saúde. “O profissional de saúde tem que conhecer a comunidade, não pode ter essa rotatividade”.
Também surgiu a questão da violência contra a mulher, tanto doméstica quanto policial, pelas revistas intrusivas conduzidas por policiais homens e pela invasão de domicílios quando as mulheres estão “à vontade”. “A Lei Maria da Penha não existe, nem dentro da favela nem lá fora”, disse uma espectadora. Diante disse, Dayse disse que além de proteger a mulher contra agressões, era preciso “tirar a mulher da escravidão doméstica”, construindo creches, restaurantes e lavanderias populares, e casas abrigo para receber mulheres que se sentem ameaçadas.
No que tange à habitação, diante das dificuldades relatadas pelos moradores que enfrentaram remoções e que dependem de aluguel social, Tarcísio propôs a requalificação de prédios desocupados no Centro da Cidade e a criação de um fundo estadual de habitação para pagar o aluguel social, de forma a concretizar a moradia como direito: “Moradia é ponto central de um governo que tem o combate à desigualdade e a redução dos custos de vida como prioridade”.
Finalmente, diante de uma pergunta de um estudante da Maré sobre as prioridades equivocadas que os gestores públicos fazem nos espaços de favelas (como uma ciclovia que é somente uma pintura no chão, o anúncio de um Parque Ecológico na Maré, a proposta de blindagem de escolas) sem a participação dos moradores nas decisões, Dayse propôs que serão formados conselhos populares nos territórios para discutir o emprego das verbas e as áreas prioritárias.