Moradora da favela dos Guararapes, mãe de dois filhos e estudante cotista de Serviço Social da UERJ, Lita Ribeiro nos revela, neste perfil, o caminho que percorreu até conquistar o sonho de chegar à universidade. Conheça perfis de outros cotistas publicados no RioOnWatch aqui.
Lita Ribeiro por muitos anos viveu em função do que os outros esperavam dela. Somente quando seus filhos já eram adultos ela decidiu seguir seu sonho, apesar de muitos obstáculos. Fotos no Facebook mostram ela com o seu cabelo estilo Black Power e um sorriso cativante em frente à UERJ, onde estuda. Lita transmite força e autoconfiança. Porém nem sempre foi assim—ela nos conta sobre os obstáculos que enfrentou e como suas amigas se afastaram quando ela finalmente conseguiu entrar na faculdade.
Quando Lita tinha apenas quatorze anos, sua família decidiu deixar o Rio e voltar para a Bahia. Lita, no entanto, ficou no Rio e começou a trabalhar como babá para uma família no Cosme Velho. A família para quem Lita trabalhava ajudou-a financeiramente e ela pôde estudar em uma escola particular. Com seus avanços nos estudos, Lita deixou a função de babá e foi trabalhar com serviços de escritório na empresa desta mesma família que a ajudou. Mais tarde, seus patrões indicaram Lita para um cargo na produção do programa Globo Ecologia.
Lita só saiu da casa desta família quando engravidou e se casou, aos 26 anos. Foi morar com seu marido, do qual agora está separada, na favela dos Guararapes, no Cosme Velho, tendo mais um segundo filho desta união, e mantendo-se no emprego no programa Globo Ecologia. Porém, essa carreira não era o que ela realmente queria: “Sempre sonhei em fazer serviço social, até tentei entrar na faculdade particular. Só que faltava grana e achei que a UERJ era um sonho além do possível”, ela diz.
Em 2012, o programa Globo Ecologia saiu do ar e Lita perdeu seu emprego. Nos meses seguintes, ela se sentiu perdida: “Eu queria voltar a sonhar”, conta. Com os dois filhos agora adultos, ela viu então sua chance chegar e entrou no Pré-Vestibular Popular Cerro Corá, na comunidade Cerro Corá, também no Cosme Velho. Durante o período de preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, e para o Vestibular da UERJ, enquanto alguns na sua vida particular não aceitavam que ela retornasse aos estudos, o pré-vestibular passou a ser um refúgio para ela: “Eu saía chorando de casa, mas quando eu chegava lá eu já esquecia o que eu passava. Era lá onde brincava. Eu não ia com pretensão de passar”. Conversando com o pessoal do coletivo do Cerró Corá, ela aprendeu sobre assuntos político-sociais, como por exemplo sobre o feminismo.
Apesar das novas experiências positivas que teve, e do empoderamento que vivenciou pelo pré-vestibular, Lita se preocupou com a falta de verba para a inscrição nas provas e para se dedicar a estudar. Diante dessa situação, seus filhos lhe deram força. Bruno, atualmente com vinte anos e soldado no quartel, ajudava a pagar as inscrições do vestibular da UERJ e do Enem para sua mãe. Hoje ela lembra: “Quando eu já estava quase desistindo, veio na minha cabeça aquela imagem do meu filho [no exercício do exército] com o punho cerrado no chão [por] quarenta minutos. Eu pensei assim: pelo meu filho, eu acho que eu posso tentar um pouco mais”. Após três anos tentando, finalmente Lita conseguiu passar para a UERJ em 2017. Não foi só ela que ficou feliz—“A minha filha começou a chorar”, conta.
Lita entrou para a UERJ pela lei das cotas, por ser negra. Infelizmente, ela sofreu muita rejeição quando publicou isso no Facebook: “Falei assim: ‘mais uma preta favelada na UERJ’. Menina, choveu de gente falando ‘você entrou pela cota’, e depois me bloquearam”. Ela conta que perdeu muitos amigos que sentiram inveja e ódio, e que ela não esperava por isso e nem entendia bem o que estava acontecendo. Segundo Lita, há muitos estudantes em sua universidade que têm vergonha de falar que são cotistas, “como se fosse menos importante, porque pensam que rolou uma facilidade ali”. Mas ela não consegue compreender esse comportamento: “Olha, por lei, esse é meu lugar, meus parentes não tiverem a oportunidade de entrar, eu tive. Esse é um lugar que me cabe”. Lita diz que antes do início das aulas ficou doente por causa de ansiedade, a ponto de ter que ir para o hospital: “Sabe quando pobre tem alguma coisa que ainda acha que vai perder? Sabe, a gente nunca tem nada e quando a gente ganha alguma coisa fica com aquele medo de perder”.
Por outro lado, ela explica que estar na faculdade abriu muitas portas para ela: “Eu entreguei meu currículo para o cara onde queria trabalhar. Ele só viu UERJ, e na hora me deu a vaga”. Hoje em dia, Lita trabalha numa creche de dia, antes de ir para suas aulas à noite. Além disso, como cotista, Lita recebe uma bolsa de R$500,00 por mês, mais um cartão de passagem para o transporte.
Para Lita, a universidade se tornou sua segunda casa: “Eu vejo também que lá na UERJ tem muita gente que ajuda a gente. São pessoas pretas, pessoas com as quais eu me identifico. Muita gente da comunidade que nem eu”. De vez em quando, participa das atividades do Coletivo Denegrir da UERJ, um coletivo que debate a luta pela emancipação das pessoas negras. Lita também passa muito tempo na biblioteca da faculdade, onde os alunos estudam juntos.
Quanto ao seu futuro, está pensando em fazer mestrado e doutorado e trabalhar com crianças em escolas.
Finalmente, Lita conseguiu voltar a sonhar.