“Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês“, evoca o samba enredo do Carnaval de 2019 da Mangueira. O samba é uma homenagem à Marielle Franco, e a inclui na “história alternativa” do Brasil que a música expõe. No dia 14 de novembro, essas palavras reverberaram dentro da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, no Centro do Rio, com o lançamento da dissertação de mestrado de Marielle.
Os estudos de Marielle em administração pública na UFF culminaram em uma dissertação que envolve o papel das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas e a repressão que elas perpetuaram. A publicação—intitulada “UPP, A Redução da Favela A Três Letras: uma análise da política de segurança pública no estado do Rio de Janeiro”—marca os oito meses desde o assassinato de Marielle.
Em uma atmosfera de tristeza e intransigência, o evento de lançamento contou com uma variedade de palestrantes, presentes e em gravações, que conheceram Marielle e seu trabalho de perto, como seus colegas do PSOL Marcelo Freixo, Renata Souza, Tarcísio Motta, David Miranda, Talíria Petrone e Mônica Francisco; a professora da UERJ, Lia Rocha; juntamente com a companheira de Marielle, Mônica Benício, e sua irmã Anielle Franco.
Todas as declarações estavam carregadas de emoção e palavras de resistência. Muitos contaram histórias e experiências, ao mesmo tempo em que tentavam articular como a dor e a frustração sentidas pelo assassinato de Marielle podem ser redirecionadas para esforços que visam responder à opressão sistêmica das favelas, dos negros e da comunidade LGBTQ.
“Entrar nessa casa [Câmara dos Vereadores] é um exercício de confronto com a realidade”, afirmou Mônica Francisco, uma das ex-assessoras de Marielle e agora, ela própria, uma deputada estadual. Ela falou sobre o simbolismo de Marielle para os movimentos sociais de hoje, muitas vezes referindo-se a ela como um “gigante”. “Marielle se tornava nos últimos dias da sua vida a gigante que hoje nós conhecemos. Uma frase da Marielle: ‘Não nasci para ser mártir’. Não sabia ela que depois seria escolhida para ser mártir”.
Sua declaração foi concluída com um chamado para transformar o “luto” em “luta”—transformando o luto coletivo em resistência. “Para nós, os tempos nunca foram de sol. Para nós, os tempos sempre foram sombrios. Não retrocederemos até vermos a primavera.”
Marcelo Freixo, deputado estadual recentemente eleito deputado federal, expressou seus sentimentos em um vídeo pré-gravado. Ele enfatizou a importância de realizar o evento e elogiou os múltiplos projetos e a dedicação de Marielle. “É bom saber que as pessoas não vão esquecer—vão levar esse livro para suas casas para ter um pouco da Marielle nas suas casas.”
Anielle Franco, irmã mais nova de Marielle, discursou descrevendo as frustrações de Marielle ao escrever sua dissertação. Anielle pediu ao público que apoiasse sua família em sua dor e, que fizesse o favor, de respeitar a memória de sua irmã sem distorcer Marielle em algo que ela não era. “Hoje, quando vocês falam que ‘Marielle vive!’, o Rio de Janeiro tem que saber a essência de Marielle, a Marielle de verdade. Então, hoje eu peço respeito, eu peço justiça. E quando falar ‘Marielle vive’—Marielle vive para quem? Porque para muita gente Marielle morreu.”
O evento foi encerrado com uma performance artística de Mariana Iris, que cantou quatro músicas com temas de resistência e negritude—incluindo o tema da Mangueira para o Carnaval do ano que vem.
A tese de Marielle estará à venda online através da n-1 edições.