Nos dias 9 e 10 de novembro, a Fundição Progresso no Centro do Rio emanava ares de inovação, transformação e justiça social. O centro cultural na Lapa sediou a conferência ColaborAmérica, um evento focado na exposição das “novas economias” da América Latina com o objetivo de repensar as formas de criar impacto positivo e promover a inclusão. O tema deste ano foi “Olhar para o Todo” a fim de explorar as mais vastas interconectividades do mundo e abordar os problemas a partir de um ponto de vista holístico. Aproximadamente 10.000 pessoas estiveram presentes.
Entre os 120 palestrantes de mais de 17 países estava Theresa Williamson, fundadora e diretora executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat)*. Defensora de longa data das favelas do Rio de Janeiro, Theresa participou de um painel intitulado “Inovação para o Bem Comum”, ao lado de Ashoka Finley da ConsenSys, uma companhia de programas de computador com sede em Nova York, e Jonathan Dawson, um professor da Schumacher College no Reino Unido.
Theresa apresentou o trabalho da ComCat em apoio ao desenvolvimento do Termo Territorial Coletivo (TTC) em favelas. Como Theresa explicou, o modelo do TTC garante um maior grau de segurança da posse da terra para as comunidades ao conceder aos moradores de favelas a propriedade coletiva da terra permanente, ao mesmo tempo em que os fornece os títulos das suas casas, que podem ser comprados e vendidos, garantindo a oferta de moradia acessível permanente, ao passo que permiti que os moradores invistam em suas casas, além de provê os moradores com um robusto mecanismo de defesa contra a gentrificação e a remoção. Theresa também comparou o modelo do TTC com a titulação individual das terras em favelas, enfatizando como os títulos individuais podem pulverizar uma das maiores qualidades das favelas—seu tecido social coletivo—mudando a estrutura lógica subjacente da comunidade ao inserir as comunidades no mundo especulativo do mercado imobiliário. O TTC em favelas, entretanto, permite que as comunidades preservem as qualidades que desenvolveram através da construção informal da comunidade (redes solidárias, arquitetura orgânica, desenvolvimento controlado pela comunidade, moradia acessível, etc.) dentro da estrutura formalizada do TTC. A propriedade coletiva da terra também significa que os moradores passam a ter um maior poder de barganha para pressionar o setor público por melhorias. O TTC pode se tornar, como ocorreu em San Juan, Porto Rico, uma das maiores proprietárias de terra em uma cidade, deste modo eles são tratados pelas autoridades de forma oposta ao modo como são tratados os proprietários de pequenas parcelas individuais de terra.
Para ilustrar esta questão, Theresa apresentou uma citação de Maria da Penha, moradora da Vila Autódromo na Zona Oeste do Rio—comunidade que sofreu intensas remoções com a proximidade dos Jogos Olímpicos de 2016 devido à construção do Parque Olímpico. Nas palavras de Maria da Penha: “A titulação não é garantia da gente permanecer na terra. Porque eu tinha duas concessões de uso do Estado, e para ficar na terra eu quase morri”.
Quando perguntada que tipo de críticas aos TTCs ela já ouviu de moradores das favelas, já que sua organização trabalha para introduzir e debater o modelo no Rio, Theresa respondeu: “A verdade é que nós ainda não tivemos os tipos de questionamentos que pensamos que teríamos. Um de nossos parceiros é o Observatório das Favelas e eles descrevem o TTC como uma ‘ferramenta de costura’. É como se fosse a ferramenta que faltava para unir vários elementos diferentes que nós já sabemos que funcionam”. Ela percebeu que entre as dezenas de mobilizadores de favelas visitadas, durante as oficinas em agosto com membros do bem sucedido TTC Caño Martín Peña de Porto Rico, e entre os envolvidos no grupo de trabalho do TTC de favelas estabelecido recentemente no Rio, o foco dos questionamentos tende a ser sobre as técnicas de logística para estabelecer um TTC e como mobilizar a comunidade em torno dela. Parece haver um reconhecimento geral do potencial do instrumento para lidar com a insegurança em relação à terra no Rio, disse ela.
Ashoka Finley do ConsenSys, também tocou no tópico sobre titulação de terras comunitárias para favelas, mas do ponto de vista dos blockchains. Ashoka é engenheiro de programas e designer em experiências de usuários e trabalha na ConsenSys, usando a tecnologia dos blockchains para desenvolver novas instituições sociais e econômicas.
De acordo com Ashoka, os programas de blockchain têm a capacidade de criar instituições que são melhores equipadas para enfrentar desafios presentes e futuros, em particular aqueles de instituições que se baseiam na confiança como uma peça chave de suas operações (como bancos, eleições, etc.). A apresentação de Ashoka questionou a tragédia dos comuns e discutiu o uso da tecnologia dos blockchains para governar o bem comum de forma que permita que as comunidades exerçam a propriedade sobre seus territórios, estabelecendo regras para coexistência, responsabilizando todos os envolvidos.
Durante o último segmento do painel, Jonathan Dawson, um educador de sustentabilidade, desafiou os princípios tradicionais de impacto econômico e social. “Como podemos tomar decisões coletivas para maximizar o bem comum?”, ele perguntou para a platéia de forma retórica. “Nós devemos ser capazes de construir uma economia usando os recursos públicos e contendo os privados”. Jonathan criticou a formulação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável através das lentes do crescimento, sugerindo um paradoxo entre os dois conceitos em um mundo de ecossistemas abalados.
Assista o painel do ColaborAmérica (Theresa em português; Ashoka e Jonathan em inglês) no YouTube aqui:
*Comunidades Catalisadoras (ComCat) é a organização que publica o RioOnWatch.