No dia 10 de novembro, o Museu da Maré inaugurou uma exposição intitulada “Retrato de Marielle: Criando Pontes entre Brasil e Quênia”, feita por ativistas quenianos, popularmente conhecidos como “artivistas” em Nairóbi, em solidariedade às lutas por justiça social, as quais Marielle Franco enfrentou e que ativistas brasileiros continuam a defender através de seu legado. A exposição, que estará aberta ao público até o final do ano, é um poderoso passeio por centenas de retratos de Marielle, simbolizando laços entre pessoas e lugares que, apesar de separados por um enorme oceano, se unem através de seu ativismo e luta.
A instalação foi fruto de um encontro internacional com ativistas de Nairóbi, que exploraram as conexões entre arte digital e identidades marginalizadas. Nesta oficina experimental de três dias, os artivistas de Nairóbi falaram sobre como eles contam suas histórias de marginalização através da arte digital. Juntos, eles criaram uma animação através de intervenções artísticas com mais de 700 retratos de Marielle. A oficina também foi uma oportunidade para jovens artistas quenianos falarem sobre lutas em prol da justiça social no Quênia e suas semelhanças com o Brasil. Essas imagens e a animação final percorreram todo um caminho pelas favelas do Complexo da Maré e agora estão lindamente expostas no Museu da Maré.
A exposição, assim como o encontro em Nairóbi, foi organizada pela eVoices: Redressing Marginality (eVozes: Reparando a Marginalização)—uma rede internacional que reúne acadêmicos e profissionais de todo o mundo para “explorar o tema da marginalização e como a mídia digital pode ser usada por grupos marginalizados para fazerem suas vozes serem ouvidas dentro e fora das fronteiras de suas comunidades e para promoverem inclusão social”. Como resultado, a eVoices criou uma plataforma multimídia usando o Sistema de Informação Geográfica (SIG) do StoryMaps, documentando os incríveis projetos e experiências de ativistas de mídia no Rio de Janeiro. Por fim, a plataforma mapeará artivistas quenianos e também organizações comunitárias na Síria. A ativista nascida na Maré, Renata Souza, recentemente eleita deputada estadual, é também membro da rede eVoices e esteve presente no evento inaugural, carregando consigo a placa simbólica de Marielle Franco, idêntica à que foi violentamente vandalizada e quebrada por candidatos de direita—agora eleitos deputados—durante o recente período pré-eleitoral.
Além disso, Andrea Medrado, membro do eVoices, que viajou a Nairóbi como representante brasileira para facilitar o diálogo, apresentou os resultados no evento inaugural. Co-presidente da Seção de Comunicação Comunitária e Mídia Alternativa (Community Communication and Alternative Media Section) da Associação Internacional para Pesquisa de Mídia e Comunicação (International Association for Media and Communication Research), Andrea é apaixonada por arte comunitária e por comunicação para uma mudança transformadora. Ela compartilhou sua experiência marcante com artistas em Nairóbi e com projetos inovadores organizados pelo PAWA 254, um centro de arte sem fins lucrativos que reúne criadores, artistas, ativistas e empreendedores que usam a arte como uma forma de engajamento cívico. Melhor dito pelos membros da PAWA: “Como um movimento empoderador, informado e ativo de jovens artistas e ativistas, nós corajosamente contribuímos para moldar a paisagem socioeconômica e política de nossa nação, deixando nossa marca nas páginas da história”.
Durante o evento, moradores, estudantes, educadores e museólogos da Maré se reuniram em círculo para dialogar e compartilhar experiências de lutas características do Sul Global, e a importância em construir conexões transnacionais de solidariedade. Depois de percorrer o museu, que documenta poderosamente a história de resistência e organização comunitária da Maré—caracterizada por uma série de tentativas de remoções sancionadas pelo Estado—todos sentiram a importância do espaço como fonte de preservação da memória e de insistência no direito das favelas de existir e prosperar. Os membros do museu explicaram que a criação da museu não teve uma visão transnacional intencional no início. Essa visão só se deu quando o museu começou a receber visitantes internacionais e observou-se as reações das pessoas. Deste modo os membros do museu entenderam a importância do museu como um vínculo para as lutas globais de resistência e marginalidade.
Da mesma forma, artistas e ativistas no Quênia estão elevando suas vozes através da arte, cinema, música e teatro para reivindicar seu direito de fazer parte da identidade social, econômica e política do Quênia. Por exemplo, o PAWA 254 é uma iniciativa do ativista e fotojornalista Boniface Mwangi, cujas fortes fotos da violência pós-eleitoral do Quênia em 2007 desencadearam seus projetos de ativismo destinados a fortalecer a participação cívica e abrir um espaço artístico para condenar a corrupção e a violência do Estado. Embora mais de 8.000 km estejam entre o Rio de Janeiro e Nairóbi, jovens quenianos descreveram a morte de Marielle como uma “perda coletiva”. “Eles querem nos separar”, disse um dos ativistas de Nairóbi durante as oficinas no Quênia, apontando como os ativistas do Sul Global lutam para descolonizar o tecido social ao passo, que em geral, as pessoas são aconselhadas a olhar para o Norte Global. Em vez disso, projetos como “Retratos de Marielle” apontam para o fortalecimento que vem das conexões Sul-Sul, da solidariedade e a importância de compartilhar experiências e estratégias através do artivismo.