No início deste ano, a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro aprovou a Lei 6.334/2018 proibindo a instalação do novo modelo de medidor eletrônico da Light, e também exigindo que a empresa removesse todos os modelos do medidor em toda a cidade. Uma lei semelhante foi aprovada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, após reclamações de medidores defeituosos estarem inflando as contas de luz dos moradores de lá também.
A lei foi aprovada em 3 de abril e incluiu uma multa diária de R$30.000 por descumprimento, o que significa que a Light deveria pagar aproximadamente R$8 milhões em multas até o final de 2018, de acordo com a legislação. No entanto, logo após a aprovação da lei, a Light iniciou um procedimento legal em um esforço para declarar a lei inconstitucional. De acordo com formulários financeiros contendo informações sobre processos judiciais em andamento envolvendo a concessionária (datados de setembro), a Light obteve uma liminar em 24 de maio. A ordem judicial determinou que “o peticionário [Light] não é obrigado a obedecer às disposições da Lei 6.334/2018 e está, além disso, isento de quaisquer sanções impostas por descumprimento dos deveres estabelecidos na referida legislação”. Embora a situação atual do caso não seja clara, a liminar efetivamente suspendeu a entrada em vigor da lei na maior parte de 2018.
Enquanto isso, os moradores de Rio das Pedras—a comunidade que organizou e pressionou para a aprovação da lei—continuam pagando o preço, sofrendo com contas de luz exorbitantes.
No final de 2017 e início de 2018, moradores por toda a cidade—e especificamente na comunidade de Rio das Pedras—começaram a reclamar das altas contas de luz, algumas das quais cobravam milhares de reais por mês por apartamentos de 25 a 30 metros quadrados. Apesar da aprovação da lei, a situação não mudou. “A Light não está respeitando a lei que foi aprovada. As contas estão exorbitantes. Raras são casas acima de 30 metros quadrados”, afirmou Paulinho, da Comissão de Moradores de Rio das Pedras.
Muitos moradores trabalham em outras comunidades, onde eles notaram que as contas são a metade ou até menores para casas significativamente maiores e com maior uso de eletricidade. “A maioria das pessoas aqui ganha R$1.500-2.000 e paga R$400-500 de aluguel, e vem conta [de luz] de R$800-1.000? Como que o cara vai conseguir [pagar]? Não consegue. O pessoal está saindo de Rio das Pedras, voltando para o Nordeste, mudando para outra comunidade.”
Apesar das promessas de que nenhuma remoção acontecerá após os esforços bem-sucedidos de mobilização da comunidade, muitos moradores acreditam que as contas de luz estão ligadas à ideia original do Prefeito Marcelo Crivella para Rio das Pedras (que é localizada muito perto da própria casa do prefeito), como citado em seu Plano Estratégico para a cidade: remover casas na comunidade e implementar um projeto de verticalização.
Os membros da Comissão de Moradores acreditam que a Light está enviando faturas estimadas em vez de medidas com precisão, uma prática comum das empresas de energia elétrica em todo o mundo para evitar o envio mensal de trabalhadores para medir os medidores. Moradores relatam que até receberam confirmação verbal dos técnicos da Light que a concessionária não está recebendo medições exatas do uso de energia elétrica em Rio das Pedras.
No entanto, não são apenas as altas contas de luz que dificultam a vida dos moradores. Membros da Comissão de Moradores citaram o exemplo de um dono de bar na comunidade que recebeu uma conta de quase R$8.000 por um mês—cobrado um medidor que foi desligado há vários meses. “O cara tem contas de quase R$100.000, e nem consegue pegar R$1.000 de crédito porque ‘sujaram’ o nome dele“, explicou Paulinho. O não pagamento dessas contas tem um impacto maior do que muitos esperavam. Como esse morador está atrasado no pagamento de suas contas, ele é impedido de acessar créditos e empréstimos. A empresa de bebidas Ambev recentemente o proibiu de fazer grandes encomendas. Atualmente, ele está comprando de um outro dono de bar na comunidade por um preço mais alto, o que causou grandes dificuldades financeiras para ele e sua família.
Infelizmente, ele não está sozinho. Os dois membros da Comissão de Moradores entrevistados para esta matéria experimentaram inadvertidamente esse problema antes de rapidamente resolvê-lo, reconhecendo que estão entre os poucos moradores de Rio das Pedras que tomaram medidas para limpar seus nomes das listas negativas de crédito. O impacto real dessas contas altas não é totalmente compreendido. Quantas pessoas em Rio das Pedras estão atualmente impossibilitadas de usar crédito ou contrair empréstimos? Quantos negócios estão sendo drenados da comunidade, famosa por sua vida comercial diversa e animada, devido a transações congeladas? Quantas pessoas já deixaram a comunidade devido à sua incapacidade de pagar?
Moradores vêem uma conexão entre essas contas de luz super altas e a recente tentativa do prefeito de nivelar a comunidade. Segundo Paulinho, “é algo muito sutil, mas as coisas não acontecem por acaso. É sabido que aqui é uma Área de Especial Interesse Social (AEIS) de trabalhadores. Não seria mais conveniente uma conta de luz dentro da realidade desse pessoal? Agora a grande coincidência é que esses medidores já estão aqui ha cinco anos, mas só chegaram contas altas depois da briga com o prefeito. Não sei se tem ligação, mas a coincidência foi grande”.
A Comissão de Moradores também está preocupada com a crença de que eles estão livres do pesadelo das remoções. Eles estão constantemente monitorando as ações e discursos de Crivella. “Historicamente a gente nunca causou problema aqui, mas desta vez é diferente. Porque a gente constrói o prédio dele, cuida da rua dele, do condomínio dele, dá comida para o restaurante dele, dá comida para a casa dele, dos filhos dele, da segurança dele, e só tem 30 metros quadrados para morar. Quando achamos que podemos morar em paz o cara vem também querendo nos derrubar”, lamentou Paulinho.
Os moradores de Rio das Pedras não vão cair sem lutar. Antônio, presidente da Comissão de Moradores, contratou recentemente seu próprio advogado para processar a Light por sua demora em retirar os medidores da sua propriedade—uma luta que seu advogado acredita que ganhará com o apoio da lei municipal. Eles acreditam que, uma vez vencido um caso, outros o seguirão e a Light será forçada a agir. Enquanto isso, eles planejam monitorar de perto as ações do prefeito—permanecendo atentos a qualquer indicação de que ele possa continuar com seus planos originais para Rio das Pedras—e ficar de olho em outras partes que pressionam pela remoção da comunidade.
Paulinho tinha isto para dizer: “Mas não somente ele [Prefeito Crivella], porque eu acho que existe alguém por trás dele, como existiu para outros prefeitos alguém por trás. Se ele voltar para atacar, a gente vai entender quem está por trás. Deve ter alguém por trás muito poderoso. Eduardo Paes derrubou muita gente e depois entrou Crivella… querendo derrubar”.
Por meio da Comissão de Moradores, formada há aproximadamente um ano em resposta às ameaças urgentes de remoção na época, moradores de Rio das Pedras já tiveram dois grandes sucessos: frustrar o projeto de verticalização inicial de Crivella e aprovar a lei contra a Light. Embora eles não saibam o que o futuro trará, uma coisa é certa: eles não vão parar agora.