No dia 13 de abril, foi realizado o primeiro Encontro de Saneamento Básico da Maré, na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, com o objetivo de construir coletivamente propostas de políticas públicas de impacto para resolver questões de esgoto, gestão do lixo, saúde e abastecimento de água no território. O encontro foi idealizado pelo data_labe, um laboratório de dados e narrativas na Maré, em parceria com a Redes de Desenvolvimento da Maré, Casa Fluminense e o apoio do Fundo Socioambiental CASA.
Na mesa de apresentação “Saneamento na Maré: experiências e soluções”, duas histórias inspiradoras foram compartilhadas. Uma delas foi a experiência da gari Valdenise Brandão, de Belford Roxo, mas que atua na Maré. Além do trabalho na Comlurb, ela também toca seus próprios projetos, que incluem jardins sustentáveis em praça pública, limpeza do Piscinão de Ramos e a reciclagem de objetos encontrados no lixo. “A sociedade tem muita responsabilidade de nos ajudar com projetos de sustentabilidade. Temos que tirar essa ideia de que estamos trabalhando para o outro. Eu, por exemplo, limpo as ruas também para eu mesma. O lixo tem uma riqueza imensa e nem todo mundo percebe, nem mesmo o governo”, afirma Valdenise.
A outra foi a história da Cris dos Prazeres, fundadora do grupo Prevenção Realizada com Organização e Amor (PROA), que atua com questões de saúde no Morro dos Prazeres. Ela discorreu sobre o papel do lixo enquanto ameaça à saúde dos moradores e relatou que além da proliferação de doenças, o acúmulo de lixo não coletado em uma encosta contribuiu para um deslizamento de terra que matou mais de 30 pessoas em 2010 nos Prazeres. A partir do ocorrido, moradores se uniram para mapear a presença e os riscos de depósitos de lixo e mais tarde nasceu o ReciclAção, projeto de educação ambiental e reciclagem.
Ana Lúcia Britto, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas (LEAU) e professora da UFRJ, também apresentou na mesa um panorama histórico do esgotamento sanitário no Rio de Janeiro e seus desafios, levando em consideração o Marco Regulatório do Saneamento Básico e o Plano Nacional de Saneamento. Segundo Ana Lúcia, o investimento em abastecimento de água e esgotamento sanitário para áreas de difícil acesso não é priorizado pelo Estado. Sendo assim, o direito à água e ao esgotamento sanitário garantido pela ONU não é cumprido em sua ampla função. Um efeito perverso disso é a recorrência de doenças relacionadas à falta de saneamento básico nas favelas cariocas.
Ana Lúcia ainda elucidou quem é responsável pelo o que: a Companhia Estadual De Águas e Esgotos (CEDAE) é responsável pelo abastecimento de água e pelo esgotamento nas favelas com UPPs e no restante da cidade, a prefeitura é responsável pelas favelas sem UPP, a coleta de lixo é feita pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB) e a drenagem pela Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro – Rio-Águas. Na prática, essa divisão entre favela e asfalto e entre favelas com e sem UPP abre brechas para as partes fugirem de suas responsabilidades—em resposta a um pedido feito via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo data_labe, a prefeitura disse que “a comunidade da Maré é uma das que possui UPP instalada, de modo que as informações relativas ao esgotamento sanitário devem ser dirigidas à CEDAE”, mas a Maré nunca teve UPP.
“Eu percebo como as áreas periféricas não são vistas como cidade e como a violência é colocada como motivo para as autoridades não investirem no que realmente precisa”, comentou Joelma Sousa, moradora da Maré e tutora do projeto Heróis Contra a Dengue.
Em seguida, o data_labe apresentou os resultados do CocôZap, projeto piloto que gerou a ideia do encontro, idealizado junto com a Casa Fluminense. Trata-se de um número de WhatsApp que recebe e sistematiza fotos de lixo acumulado e sua localização. O piloto aconteceu nas favelas Nova Holanda, Parque Maré e Parque União, três das 16 comunidades que compõem o conjunto de favelas da Maré, mas Gilberto Vieira, que toca o data_labe, defende a importância de sua continuidade e expansão: “Precisa continuar existindo também em outras favelas e quem sabe, chegar além delas”, disse ele.
O CocôZap foi um canal de denúncia e debate com a participação de pessoas em busca de uma solução para problemas relacionados ao lixo e o tratamento de esgoto. Quatro jovens residentes do projeto receberam formação técnica de jornalismo de dados, realizaram o mapeamento de coleta de lixo e saneamento com apoio do Coletivo Eco Maré. Além do desenvolvimento de um plano de mobilização, foi produzida também uma reportagem investigativa sobre o assunto.
“O mais impressionante na minha experiência nas ruas foi perceber que os moradores têm consciência sobre o lixo e o esgoto. De pouco em pouco, eles fazem pequenas ações com seus vizinhos e mantêm a rua limpa para as crianças brincarem”, conta a moradora da Nova Holanda, Gabrielle Vidal, no blog do projeto.
O projeto durou dois meses e estimulou a participação de moradores para apresentar os problemas de água e esgoto presentes no dia a dia. O número de celular 21 9995-7216 foi usado no Whatsapp. No total, foram 25 notificações, 14 relacionadas a esgoto e 11 relacionadas a situação do lixo. Os moradores mais participativos foram da Nova Holanda.
Em seguida, João Pedro Martins e Vitor Mihessen, da coordenação de informação da Casa Fluminense, apresentaram o trabalho da instituição a partir da Agenda Rio 2030, distribuída no encontro. O objetivo foi discutir principalmente o eixo 5 da Agenda, sobre Saneamento Básico e Baía de Guanabara, que traz 5 propostas:
- Concluir as obras do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM) e ampliar o tratamento de esgoto;
- Fortalecer o sistema de regulação e gestão do saneamento;
- Estabelecer governança pela recuperação da Baía da Guanabara;
- Expandir a coleta seletiva com a inclusão remunerada de catadores;
- Proteger rios, prevenir enchentes e melhorar o abastecimento de água.
Depois disso, Hélio Euclides, morador e jornalista do Maré de Notícias, liderou uma oficina para construir a linha do tempo da Maré, desde as palafitas até o dia de hoje, a partir de reportagens do jornal cuja temática fosse saneamento. Ao mesmo tempo, o criador do Museu do Graffiti, André Rongo, fazia uma oficina com as crianças, transformando pneus em animais e personagens. E para coletar óleo usado o morador e músico Bhega Silva marcou presença com sua bicicleta.
As discussões levantadas nessas primeiras conversas provocaram diversos líderes de projetos presentes a apresentaram suas necessidades locais, e possíveis soluções globais para os problemas que afetam a qualidade de vida em geral da população, como por exemplo, repensar a coleta de lixo e as políticas públicas ambientais dentro e fora dos locais atingidos. Além dos já mencionados CocôZap, Reciclação e Museu do Grafite, estavam também presentes o EcoMaré, a Onda Verde, a Comunidades Catalisadoras com a Rede Favela Sustentável, e os aliados técnicos que também fazem parte da rede dos Engenheiros Sem Fronteiras e Instituto Ambiente em Movimento.
A discussão foi então canalizada para grupos de trabalho, que tinham a missão de pensar soluções para questões locais. Os grupos de trabalho foram divididos em quatro eixos: i) Lixo e segurança pública; ii) Saúde e bem-estar; iii) Abastecimento de água e manejo da chuva; e iv) Esgoto e Baía de Guanabara. Os grupos contaram com a participação de pesquisadores da área, moradores de favelas, integrantes de projetos socioambientais, estudantes e alguns funcionários do poder público que atuam com saneamento e lixo.
A escolha do local para o encontro teve uma boa razão. A partir do local, foi possível entender a produção de lixo no entorno, e assim poder pensar em soluções e ações diretas a serem realizadas. Foi feito um mutirão de plantio com os participantes do encontro, liderado pelo Coletivo EcoMaré, que trabalha a conscientização por onde passa, promovendo rodas de conversa e atividades de mobilização. Juliana Machado, pedagoga e membro do EcoMaré contou: “Percebemos que tinha que ser além da revitalização de espaços, mas também trabalhar com os moradores. A partir daí passamos a promover rodas de conversa para os jovens e atividades lúdicas sobre a educação socioambiental com as crianças”.
O próximo passo é a produção de uma carta para construir um fórum permanente e uma agenda sobre saneamento básico para a Maré, além de apostar na mobilização para estimular os moradores a discutirem soluções e demandarem do poder público ações mais efetivas.
A jornalista comunitária Thaís Cavalcante nasceu e foi criada na Nova Holanda, uma das favelas da Maré. Ao atuar como comunicadora comunitária em sua comunidade, decidiu cursar jornalismo na universidade e acredita no poder da informação para mudar para melhor sua realidade.